Há 40 anos, o Brasil perdia o talento e a irreverência do maestro Erlon Chaves

 

O maestro paulistano na capa do álbum "Pra Não Dizer Que Não Falei de Sucessos", de 1968 (Reprodução: Philips)
O maestro paulistano na capa do álbum “Pra Não Dizer Que Não Falei de Sucessos”, de 1968 (Reprodução: Philips)

Há exatos 40 anos, em 14 de novembro de 1974, saia de cena o maestro Erlon Chaves artista singular, que muito contribuiu para enriquecer a produção de nossa música popular entre as décadas de 1960 e 70.

Nascido em São Paulo, em 9 de dezembro de 1933, filho de um ascensorista e de uma entregadora de café, apesar da origem humilde, Erlon foi criança prodígio e teve a sorte de poder explorar ao máximo seu potencial artístico.

Aos 2 anos e meio, ele já se apresentava cantando em programas de rádio como o Clube do Papai Noel, da Rádio Difusora de São Paulo. Aos 7, começou a estudar piano no Conservatório Musical Carlos Gomes. Pouco depois, já explorava as teclas pretas e brancas do instrumento na TV Tupi de São Paulo – além de também começar a ler e escrever as primeiras partituras.

Em 1950, aos 17 anos, Erlon concluiu sua formação de pianista e passou a tocar na noite paulistana em boates e gafieiras. Em paralelo, estudou Harmonia com os maestros Luís Arruda Pais, Renato de Oliveira e Rafael Pugliese, e entrou para o cast da TV Excelsior, da qual, inclusive, foi autor do jingle.

Em 1959, pela RCA Victor, ele lançou seu primeiro álbum Erlon Chaves e Sua Orquestra em Tempo de Samba (ouça). Mas a guinada para um reconhecimento popular de grandes êxitos deu-se com sua partida para o Rio de Janeiro em 1964, quando passou a colaborar para a TV Tupi e a TV Rio, na qual foi diretor musical e ganhou, inclusive, um programa intitulado Embalo. Em 1965, Erlon, que já havia assinado os arranjos de inúmeros LP’s, lançou seu segundo álbum autoral Sabadabadá, um dos clássicos da discografia do samba-jazz, sub-gênero instrumental derivado da bossa nova.

O maestro paulistano foi também um dos idealizadores da primeira edição do Festival Internacional da Canção que, entre os anos de 1966 e 1972, serviu de vitrine para talentos como Milton Nascimento, Nana Caymmi, Tuca, Geraldo Vandré, Maysa, Ivan Lins, Gonzaguinha, Trio Ternura, Tony Tornado e a dupla baiana Antonio Carlos e Jocafi.

Na edição 1970 do FIC, Erlon protagonizou história das mais tresloucadas e sintomáticas do clima de opressão instaurado no País pós-AI-5. Liderando a Banda Veneno, supergrupo formado por mais de 40 integrantes entre músicos e coral, com o qual Erlon lançou cinco álbuns com releituras de sucessos, o maestro concorreu no festival defendendo uma canção inédita de Jorge Ben Jor, o sambalanço Eu Também Quero Mocotó (ouça). Entre outras provocações, Erlon apresentou-se cercado por um grupo de loiras, que dançavam lascivamente em torno de seu corpo e o beijavam. Mal suspeitava o maestro que agentes da ditadura Médici estavam infiltrados no festival e acataram o pedido da mulher de um general que, da plateia, afirmou que alguém precisava conter aquele “negro abusado”.

Reportagem de Amiga TV Tudo, relembra a trajetória do maestro (na foto à esquerda, Erlon Chaves e Vera Fischer, sua namorada, no carnaval de 1970)
Reportagem de Amiga TV Tudo relembra a trajetória do maestro (na foto à esquerda, Erlon Chaves e Vera Fischer, sua namorada, no carnaval de 1970)

A insolência do maestro afrontava muita gente. Afinal, ele era figura de grande visibilidade, por conta de sua participação no programa A Grande Chance, de Flávio Cavalcanti, e namorava à época ninguém menos que a Miss Brasil Vera Fischer. A farra hedonista no palco do FIC resultou na prisão de Erlon, sob a acusação de atentando ao pudor e assédio moral. Libertado horas depois, o maestro ficou proibido de exercer suas atividades por um mês e recebeu a recomendação, não acatada, de sair do País. Os trinta dias de silêncio foram premonitórios do que viria a seguir. A partir desse episódio, Erlon sofreu diversos boicotes da indústria fonográfica até a sua morte precoce, em 1974, em episódio até hoje mal esclarecido.

Aos 40 anos, Erlon sofreu um infarto fulminante quando comprava uma vitrola para dar de presente ao amigo Wilson Simonal – à época preso, em decorrência do episódio de agressão a seu contador, que explicitou o envolvimento do cantor com a ditadura e também fez sua carreira definhar. A versão perpetuada nesses 40 anos é a de que Erlon infartou ao exaltar-se numa discussão em que defendeu Simonal, parceiro de inúmeras incursões musicais. Mais de 3 mil pessoas compareceram ao enterro do maestro, entre as quais estrelas como Erasmo e Roberto Carlos e o próprio Simonal, escoltado por policiais.

Fato ou factoide, temos hoje apenas uma certeza: naquele 14 de novembro de 1974 a música popular brasileira perdeu uma batuta de ouro. Parafraseando e corrompendo o bordão de Flávio Cavalcanti: “Um instante de reverência, maestro Erlon!”   

MAIS: 

Em 1968, Elis Regina excursionou pela França na companhia do maestro. Assista vídeo raro com a Pimentinha interpretando Upa, Neguinho, de Edu Lobo. Erlon está em pé, tocando vibrafone. No vídeo, é possível perceber também a presença de outros grandes músicos, como o baterista Wilson das Neves e Roberto Menescal, que toca guitarra.  

Em 1971, liderando a Orquestra St. Moritz, ele lançou a cultuada trilha sonora da pornochanchada Procura-se Uma Virgem, de Paulo Gil Soares. Ouça a íntegra.

Detentor do espólio do maestro, o primo Cacau Franco promete lançar em breve biografia, songbook e realizar concertos em homenagem à Erlon Chaves. O cineasta Alexandre Gamo está finalizando e deve estrear em breve o documentário Erlon Chaves, o maestro do veneno. Assista abaixo o teaser do filme. 

ERLON CHAVES, O MAESTRO DO VENENO! from Alessandro Gamo on Vimeo.


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