O intervalo de nove anos desde Os Sonhares (2003), do italiano Bernardo Bertolucci, um dos grandes cineastas do século 20 ainda em atividade, se deve à precariedade de sua saúde. Um problema grave de coluna o mantém acamado, e ele apenas circula em cadeira de rodas. No ano passado, porém, ele surpreendeu no Festival de Cannes, ao superar essas limitações e lançar Eu e Você, que chega só agora ao Brasil. Trata-se de um drama de temática adolescente forte, adaptado do romance homônimo de Niccolo Ammanitti (recém-lançado em português pela Bertrand-Brasil).
O filme tem como protagonista Lorenzo (Jacopo Olmo Antinori), um jovem de 16 anos tímido, antissocial e neurótico, além de sensível, meticuloso e perspicaz, mas com dificuldade de se comunicar com o mundo juvenil e adulto. Como não consegue se enturmar na escola, ao saber que seria obrigado a passar uma semana esquiando com os colegas, arma um plano aparentemente infalível: pega o dinheiro do passeio, compra mantimentos, simula a viagem, dribla o porteiro e se refugia no porão do próprio prédio onde mora com a mãe, divorciada, em um apartamento aristocrático. Ele parece feliz quanto à vida que escolheu para si, deitado no sofá, bebendo muita Coca-cola, comendo atum em caixinha e lendo livros de terror. Tudo caminha para dar certo, sempre na companhia de seu computador e muito rock de primeira qualidade, com The Cure e David Bowie. Até que sua meia-irmã do lado paterno, a revoltada e viciada Olivia (Tea Falco), um pouco mais velha que ele, aparece para pegar velhos objetos que a mãe do garoto havia guardado e descobre seu esconderijo.
Os dois se odeiam. Ela o despreza por supostamente ter roubado o amor de seu pai. Ele parece indiferente, embora incomodado com sua presença. Olivia sai, mas retorna completamente drogada e ali decide permanecer, contra a vontade de Lorenzo, que cede mediante chantagem. Ela precisa se manter “limpa” por 15 dias para que um antigo namorado a aceite de volta. As crises violentas de abstinência e o desespero que advém daí acabam por amolecer a relação entre os dois, que vão, aos poucos, criando afeição. Não, eles não acabam namorando nem fazendo sexo. A partir de um roteiro enxuto, costurado com diálogos econômicos e eficientes, além da direção impecável, Bertolucci constrói uma atmosfera densa e pessoal, a marca registrada de uma filmografia fundamental na história do cinema, marcada por clássicos como O Último Tango em Paris (1973) e O Último Imperador (1987).
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