Madison McFerrin conquista público do Festival Música em Trancoso

O pianista, compositor e arranjador Cesar Camargo Mariano e a cantora Madison McFerrin (Foto: Baobá / Festival Música em Trancoso)
O pianista, compositor e arranjador Cesar Camargo Mariano e a cantora Madison McFerrin interpretam Garota de Ipanema no Festival Música em Trancoso (Foto: Baobá / Festival Música em Trancoso)

Principal atração da quinta edição do Festival Música em Trancoso, o cantor e compositor Bobby McFerrin teve de cancelar sua participação, dias antes do início do evento realizado na cidade do litoral Sul da Bahia, devido a problemas de saúde. Claro, a notícia frustrou os fãs do artista norte-americano, no entanto, a solução para o imprevisto veio do próprio núcleo familiar do cantor. Na noite de ontem (7), a terceira do festival, sua filha, Madison McFerrin, encantou o público ao subir ao palco do Teatro L’Occitante durante a segunda metade da primeira de duas apresentações anuais de Cesar Camargo Mariano, em noite dedicada a bossa nova, no Música em Trancoso.

Célebre por extrair de seu canto timbres de diversos instrumentos musicais, McFerrin consagrou-se em registros como seu segundo álbum, The Voice, lançado em 1982. Se o pai já acumula quase quatro décadas de reverências do público e da crítica musical, Madison tem pela frente um longo caminho de afirmação e consagração de seu grande talento.

Formada em Canto e Composição, em 2014, pela Berklee College of Music, a legendária escola de música sediada em Boston, Madison atua como backing vocal da Spirityouall, banda liderada por seu pai, e já emprestou a voz para ícones da música negra norte-americana como a Rainha da Soul Music, Aretha Franklin, o excêntrico líder do Funkadelic e do Parliament, George Clinton, e o trio de rap De La Soul, grupo surgido no final dos anos 1980 com 3 Feet High And Rising (1989), álbum que estabeleceu novos rumos para o hip-hop com sua fusão de gêneros e sua atmosfera psicodélica, sugerida desde o título.

Também marcada por experimentações de gêneros musicais, a faceta autoral de Madison pode ser conferida em dois projetos, a banda de funk e soul Cosmodrone, da qual é uma das fundadoras, e o duo de hip-hop eletrônico Binary Sol, formado por ela e o cantor e multi-instrumentista Jarred Barnes, que a conheceu em Berklee, cujo EP de estreia, Dark Matter, foi lançado em 2015.

Claro, o que foi visto ontem em Trancoso nada tem a ver com funk, soul ou hip-hop. O repertório escolhido por Cesar, para fazer jus ao epíteto “Noite da Bossa Nova”, incluiu clássicos como Samba de Uma Nota Só (Tom Jobim e Newton Mendonça) e Garota de Ipanema (Tom Jobim e Vinicius de Moraes) cantadas por Madison – com sutileza reverente à tradição da bossa – em inglês e em bom português. Além de joias da canção brasileira, a apresentação reuniu standards da música popular norte-americana em roupagem bossanovista, como Fever (Otis Blackwell e Eddie Cooley) e Lullaby of Birdland (George Shearing). No final da apresentação, Madison, Cesar e banda, arrebataram o público com uma deliciosa versão de Mas, Que Nada, de Jorge Ben Jor.

Joined
Grata surpresa da primeira parte do programa da noite de ontem, Cesar apresentou ao público seu novo projeto, intitulado Joined, que em breve lançará CD e DVD. Formado pelo quarteto original do pianista paulistano – Cesar radicado nos EUA, Conrado Goys (violão), Sidiel Vieira (contrabaixo), Thiago Rabello (bateria) – Joined também conta com a presença de três estrelas da música clássica mundial, o violinista alemão Rüdiger Libermann, músico da Orquestra Sinfônica de Berlim que atua nos grupos Berlin Philharmonic String Sextet e Berlin Baroque Soloists, o clarinetista alemão Walter Seyfhart, professor da academia da Orquestra Filârmonica de Berlim, e o flautista francês Benoit Fromanger, diretor artístico e regente titular da Orquestra Sinfônica de Bucareste.

A apresentação do Joined reuniu três composições, Tristeza de Nós Dois (Durval Ferreira, Mauricio Einhorn e Bebeto Castilho), célebre na gravação do segundo álbum do Tamba Trio, Avanço, de 1963, Bebê, um dos clássicos do repertório de Hermeto Paschoal, e Trilhos, composição de Cesar inspirada em Trenzinho Caipira, de Heitor Villa-Lobos. Mais que especial, sobretudo pelos diálogos de frases e solos entre piano, violino, clarinete e flauta transversal, a apresentação do Joined foi precedida por dois temas subvertidos por grandes arranjos de Cesar, Incompatibilidade de Gênios (Aldir Blanc e João Bosco) e Blues Walk, um dos  maiores standards do jazz norte-americano, composto por Lou Donaldson. A apresentação de Cesar também contou com a participação dos músicos Armando Marçal (percussão), Josué dos Santos (saxofone tenor e flauta), Walmir Gil (trompete e flugelhorn). Noite memorável.  

Música na rua
A apresentação noturna foi precedida por um belo concerto de câmera apresentado ao ar livre às 12h30, na Praça do Bosque, por parte dos músicos da Orquestra Experimental de Repertório – OER, de São Paulo, sob regência do maestro Carlos Moreno.

Gratuito, o concerto teve programa especialmente voltado ao público com menor acesso a música clássica. Com narração de Carlo Lovatelli, um dos idealizadores do festival ao lado de sua mulher, Sabine Lovatelli, fundadora e diretora do Mozarteum Brasileiro, a OER apresentou Pedro e o Lobo, de Prokofiev. “Esse é um dos grandes clássicos das fábulas musicais com intenção didática. Uma obra encomendada ao Prokofiev, em 1936, para levar às escolas pequenas orquestras e, de forma lúdica, apresentar às crianças a música clássica ao associar o som dos instrumentos com os sons do passarinho, do gato, do pato. É uma obra genial – e difícil de tocar”, disse Moreno à reportagem de Brasileiros ao final do concerto, que reuniu dezenas de moradores, de todas as idades, de Trancoso.

Orquestra e opereta
A quinta edição do Festival Música em Trancoso teve início em grande estilo no sábado (5) com uma apresentação da OER, regida por Moreno e acompanhada de dois solistas de peso, o clarinetista Walter Seyfhart e o pianista polonês Maciej Pikulski, especialista em obras de Rachmaninoff, Liszt e Chopin, que já se apresentou em mais de 30 países. No repertório, composições de Mendelssohn, Mozart e Weber levaram o público a aplaudir os músicos, de pé e efusivamente, por longos minutos.

Na segunda noite do festival, realizada no domingo (6), a programação foi dedicada a operetas e contou com a apresentação de três grandes estrelas internacionais, a violonista alemã Elena Graf, primeira violinista da Ópera Estatal de Stuttgart, o jovem cantor barítono austríaco Rafael Fingerlos e sua ex-professora, a cantora austríaca, mezzo-soprano, Angelika Kirschschlager, reconhecida como uma das maiores intérpretes de Strauss e Mozart. No programa, operetas de Strauss, Léhar, Stoltz, Von Suppé e Concerto Para Violino, de Tchaikowsky.  

Carregada de emoção e descontração, a noite foi marcada pelo discurso comovido do maestro Carlos Moreno, que pediu uma salva de palmas para os jovens da OER, composta por músicos que têm faixa etária média entre 16 e 25 anos, muitos deles vindos de comunidades periféricas de São Paulo, “grandes vitoriosos”, segundo Moreno. Ao final da apresentação, o vão entre o palco e a primeira fila da plateia e a apresentação foi transformado em espécie de salão de dança, com pares vindos dos assentos para deslizar sob o chão de concreto ao som de valsa.

Também idealizado pelos empresários Reinoldd Geiger, Carlos Eduardo Bittencourt, o Calé, e pelo arquiteto Fraçois Valentiny, autor do projeto do Teatro L’Occitane, o Festival Música em Trancoso é mantido pelo Groupe L’Occitane e, nesta edição, tem patrocínio de Rede, Itaú, Clé Reserva Contemporânea e Mondelli. O festival tem atividades diárias até o próximo domingo (13). Confira a programação dos próximos dias.


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