Memória fraturada

Foto: Reprodução/Facebook
Cena do filme “O Outro Lado do Paraíso” – Foto: Reprodução/Facebook

O diretor André Ristum falou sobre o seu pai no documentário De Glauber para Jirges (o pai, Jirges Ristum, era também cineasta e morreu em 1984) e no longa Meu País (2011), o tema da figura paterna veio de forma ficcional. A Ditadura Militar foi abordada em Tempo de Resistência, documentário baseado nas memórias de Leopoldo Paulino, militante, assim como outros companheiros retratados no filme, como José Dirceu e o jornalista Franklin Martins que lutaram contra o Golpe de 64.

O Outro Lado do Paraíso, que estreia hoje nos cinemas de todo país, volta aos dois temas principais dos seus filmes anteriores; a memória paterna e o Golpe Militar de 1964. O filme é inspirado no conto juvenil homônimo de Luiz Fernando Emediato, jornalista e publisher da Geração Editorial, e conta a história da família dele que saiu de Minas Gerais para tentar uma vida  melhor em Brasília, cidade que tinha acabado de ser inaugurada e parecia, pelo menos aos olhos do seu pai, um lugar de oportunidade e prosperidade. “Mesmo sendo um projeto pessoal de Emediato, que é um dos produtores, O Outro Lado do Paraíso perpassa outras temáticas que já trabalhei nos meus filmes anteriores. São temas que gosto de abordar na minha obra”, diz Ristum para a reportagem da Brasileiros.

O filme que ficou pronto há quase dois anos e já tinha passado por festivais de cinema como Gramado, Fest Aruanda, Havana e dentro da Mostra do Distrito Federal do Festival de Brasília (na maioria dos festivais recebeu o prêmio de público) ganhou urgência e atualidade em decorrência dos acontecimentos políticos recentes. O pano de fundo do filme é o Golpe de 64, quando o presidente João Goulart foi deposto pelo militares em 31 de março daquele ano. Agora estamos vivendo novamente um estado de exceção quando uma presidenta eleita pelo voto do povo foi afastada, até ser julgada pelo Senado, por um processo de impeachment que alguns chamam de Golpe, assim como foi o de 64.

Essa triste coincidência não foi planejada pelo produtor de O Outro Lado do Paraíso, Luiz Fernando Emediato e nem poderia. Segundo ele, o filme demorou por falta de grana para o lançamento. “O filme foi orçado em R$ 8,5 milhões e captamos R$ 5,5 milhões. Decidi então fazer com esse dinheiro e esperar captar a outra parte, mas não conseguimos captar mais nada durante esse tempo. Então tive que colocar do meu bolso quase R$ 3 milhões para terminar o filme e lançá-lo. Mas vocês sabem que lançar filme sem dinheiro é difícil, mas não tinha mais como segurá-lo”, explica Emediato.

Tom memorialístico

O filme O Outro Lado do Paraíso é narrado por Nando (David Galeano), em voz off, que lembra os acontecimentos daquele início dos anos 1960, quando família dele (ele, o pai, a mãe e dois irmãos, uma irmã mais velha e o caçula) decide ir tentar a vida em Brasília. O pai (Eduardo Moscovis), um sonhador e nômade, acha que o futuro é a nova capital do país. Chegando lá, a família vai morar em Taquatinga, uma das periferias em torno do Plano Piloto, que já crescia de forma desorganizada e injusta, assim como outras cidades brasileiras. O pai vira operário da construção civil e termina entrando para o sindicato. O momento é de embulição, com as Reformas de Base de Jango e a Marcha da Família Com Deus Pela Liberdade, que queria que o presidente renunciasse.

Nando vai se adaptando a nova vida, agora descobrindo o gosto pela leitura e um namorinho com a filha da professora. Quando a vida estava entrando nos eixos, acontece o Golpe Militar. A vida em Brasília, que era difícil, se torna insuportável para eles. O pai vai preso e a família, com a ajuda de um avô materno, toma a decisão de volta para Minas Gerais.  Passado algum tempo, o pai é solto e voltar para junto deles, agora com os sonhos destroçados.

Contando uma história

O Outro Lado do Paraíso é narrado de forma clássica, com a intenção de contar a história de forma clara e simples, sem apuro na linguagem, o que fez grande parte da crítica não gostar do filme. Por outro lado, o público que o assistiu nos festivais por onde passou, gostou do que viu, sem se importar com o tom algumas vezes melodramático e um simplismo narrativo. “O filme agradou em cheio o público, não somente o daqui do Brasil como em outros países como Itália e Cuba. Inclusive as platéias-testes que fizemos”, revelou Ristum.

O filme trata de um tema universal que é a relação entre pai e filho, têm personagens bem construídos e defendidos por seus intérpretes, especialmente os papéis vividos pelos atores, Du Moscovis e David Galeano, toca num dos momentos mais conturbados da nossa história, que foi o Golpe de 64, traz imagens de arquivo da época e insere no filme trechos de um curta-metragem documental seminal Brasília: Contradições de Uma Cidade Nova, dirigido pelo grande cineasta Joaquim Pedro de Andrade (1932-1988), em 1967. Um documentário corajoso e revelador, pois já denunciava, em plena ditadura, as contradições dos “Projetos Oficiais” da Capital Federal na vida das pessoas humildes (Os candangos de Brasília). O arquiteto Oscar Niemeyer acreditava que a cidade que idealizou, após o Regime Militar, iria cumprir a sua função primordial, socializar os seus habitantes.

Os trechos do curta de Joaquim Pedro imprimem ao filme O Outro Lado do Paraíso, o tom documental que a história necessita, dando veracidade as suas imagens ficcionais. Mas de certa forma essas imagens são diluídas, perdendo seu valor de denúncia de uma realidade de miséria que se aflorava naquele pedaço de “paraíso”, ao se centrar nas descobertas de Nando (namoro, livros, diversões), deixando de se aprofundar na luta daquela gente.


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