Moraes Moreira e Davi Moraes em “Acabou Chorare”

Foto que virou a imagem de capa do disco "Acabou  Chorare"
Os Novos Baianos em foto que virou a capa do disco “Acabou Chorare”

Moraes Moreira, 66, costuma brincar que produziu Acabou Chorare na mesma época em que estava “produzindo” o filho Davi Moraes. Se não foi exatamente assim, foi quase. O disco dos Novos Baianos – considerado um dos mais importantes da história da música brasileira – foi lançado em 1972 (leia aqui reportagem), Davi nasceu no ano seguinte. E, agora, aos 41, é ele quem divide o palco com o pai na série de shows comemorativos dos 40 anos de Acabou Chorare, em projeto que começou em 2012 e segue em turnê pelo País. Juntos, pai e filho ainda devem lançar este ano o primeiro álbum em parceria, em trabalho que já foi gravado e está em processo de mixagem.

Brasileiros conversou brevemente com os dois antes do show realizado na última quarta-feira em São Paulo, no Teatro Bradesco. Nesta sexta, dia 6, eles repetem a dose na festa Sexta Básica (no Grand Metropole) – e se o show levantou das cadeiras o público tranquilo do teatro, promete ser catártico na casa noturna paulistana. “Tem muita gente que não teve a oportunidade de ver esse repertório ao vivo, só em disco, e quer assistir agora”, diz Davi Moraes, seguido pelo pai: “O legal é que quem está se manifestando de maneira mais forte nesta celebração é a juventude, que inclusive canta todas as músicas. Não ficou só naquele público saudoso, que quer ver porque viveu a época”.

De fato, Acabou Chorare atravessou as décadas angariando novos admiradores e sem jamais soar datado. Em 2007, inclusive, figurou em primeiro lugar na lista da revista Rolling Stone dos 100 maiores discos da música brasileira. Talvez por essa atemporalidade do álbum, revisitar o repertório não soa nostálgico, segundo Moreira: “Continua vivo, vivíssimo. Toda vez que a gente toca é um prazer enorme. Aqueles arranjos são tão definitivos… Acho que o Acabou Chorare é tipo um oráculo, que a gente sempre volta para consultar. Quando eu tenho alguma dúvida, eu ouço ele de novo”. O músico ainda defende que, assim como a bossa nova ou a tropicália, Novos Baianos poderia ser considerado um movimento. E, se assim fosse, o disco Acabou Chorare seria o manifesto (conheça também o disco Ferro na Boneca! aqui).

Novos Baianos em imagem tirada na cobertura do prédio em Botafogo, no Rio de Janeiro. alegria, descontração e arte faziam parte do clima do grupo
Novos Baianos em imagem tirada no Rio de Janeiro

Davi, parte de uma geração que se formou musicalmente nos anos 1980 e 1990, concorda com o pai. “Nas décadas seguintes chegaram os sintetizadores, bateria eletrônica, depois midi, sampler, e eu gosto muito. Mas as coisas vão e voltam de moda, e esse som cru, natural, dos instrumentos, em que o grande trunfo é a assinatura dos músicos, os arranjos… isso fica”, afirma. “Quando eles gravaram não tinham esses recursos tecnológicos todos, então o recurso era passar aquela coisa visceral direto para a fita, na raça. E isso acho que é uma das coisas que faz o disco não ficar datado.”

Dentro do álbum – que inclui nada menos que Preta Pretinha, Besta É Tu, Um Bilhete para Didi, A Menina Dança e Swing do Campo Grande, entre outras (todas estão no show) –, Moreira ressalta o papel de Brasil Pandeiro como o “manifesto do manifesto”. “Porque você chegar em uma época em que tem ditadura, que o País está cabisbaixo, com censura, repressão, exílio, e dizer: ‘Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor’… é muita ousadia.” A famosa história de que a música foi sugerida para o álbum por João Gilberto é relativizada pelo cantor, em tom de brincadeira: “Ele cantou um dia e a gente se apaixonou. Cantou já de propósito, mas não falou: ‘É pra vocês gravarem’. Ele é sutil, não fala. Se você pegou a mensagem, pegou”. E completa “João Gilberto é o produtor espiritual do disco”.

A influência do criador da bossa nova no disco foi tamanha que a própria faixa título foi composta a partir de uma história contada por ele, em uma das rodas de violão com o grupo. A história do dia em que sua filha Bebel Gilberto, ainda criança – quando moravam no México – levou um tombo, machucou os joelhos e começou a chorar. Quando correu para acudi-la, o pai, preocupado, ouviu da pequena Bebel: “Não papai, acabou chorare”. Luiz Galvão gostou da história e escreveu a letra da canção, musicada por Moraes Moreira.

Os músicos no show na última quarta, em São Paulo
Os músicos no show na última quarta, em São Paulo

Encontro de gerações

Se sempre será associado à imagem do pai, Davi Moraes trilhou seu próprio caminho de modo independente e consistente no cenário da música brasileira. Isso fica claro no show de celebração, em diversos momentos em que o músico rouba a cena com solos pesados de guitarra que, sem ser idênticos aos de Pepeu no disco, são fieis à tradição do guitarrista dos Novos Baianos. Guitarrista, aliás, sempre lembrado por Davi: “O Pepeu, quando pegava o cavaquinho, tocava com aquela linguagem de guitarra. E às vezes era o contrário, pegava a guitarra e tocava com a linguagem de bandolim”. E o pai completa: “Sim, transferia as linguagens e misturava elas todas. Era a falta de fronteira total, a gente ia invadindo”. De Assis Valente a Jimi Hendrix, tudo foi digerido por aqueles jovens baianos.

No fim da conversa, perguntado se tem um pouco de receio com uma certa nostalgia do passado – Moraes acaba de lançar também uma caixa com seus discos solo dos anos 1970 – o baiano se mostra tranquilo: “Não estou nem aí. Eu adoro, porque estamos mostrando isso para gerações e gerações, que estão gostando. E ao mesmo tempo estou com disco de inéditas, e carreira solo, fazendo coisas novas. Tá tudo certo. E agora tem uma novidade. Finalmente eu e Davi estamos acabando o nosso disco!”.

Para além das canções de Acabou Chorare, a dupla – acompanhada por Augusto Albuquerque (baixo), Marcos Molleta (guitarra, guitarra baiana), Cesinha (bateria) e Repolho (percussão) – segue o show com uma série de músicas clássicas e dançantes, em estilo quase carnavalesco. No Teatro Bradesco, por exemplo, entraram Lá vem o Brasil Descendo a Ladeira, Eu Também quero Beijar, Festa do Interior, Vassourinhas, entre outras. Para completar o encontro de gerações, a noite tem ainda os DJs Thiagão (residente), Samuca (Bafafá) e Tutu Moraes (Santo Forte). 

Serviço – 40 anos de Acabou Chorare na Festa Sexta Básica
Sexta-feira, dia 6, às 23h
GRAND METRÓPOLE – (Av. São Luis 187 – Centro)
Ingressos a R$ 60 online, e R$ 80 na hora (se tiver disponibilidade)

 

 


Comentários

Uma resposta para “Moraes Moreira e Davi Moraes em “Acabou Chorare””

  1. Avatar de Gato Felix
    Gato Felix

    Bacana somos e seremos sempre NOVOS BAIANOS

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