Da santíssima trindade do cinema japonês, KenjiMizoguchi (1898-1956) é o menos conhecido no Brasil. Os outros dois são Yasujiro Ozu (1903-1963) e Akira Kuroswa (1910-1998). Ozu era um mestre em compor histórias mágicas das relações familiares. Kurosawa deu grandiosidade ao cinema de seu país com épicos históricos e filmes de artes marciais. Também deixou obras-primas humanistas como Viver (1952). Definido por Jean-Luc Godard como “o maior cineasta japonês ou, simplesmente, um dos maiores cineastas” e alguém que “é capaz de rodar em três meses os filmes para os quais um Robert Bresson precisaria de dois anos”, Mizoguchi construiu uma obra original.
Suas histórias são contadas sem as lentas – e geniais – cenas de contemplação dos outros dois mestres compatriotas. Daí o apelido de cineasta da ação. Ele explora uma espécie de inquietação natural que conduz as atitudes de suas mulheres – a maioria de suas personagens é do sexo masculino –, em mundo nada justo, já que vivem à margem do sistema. Filmes bem feitos, realizados em pouco tempo, podiam esconder sua obsessão com a técnica de contar histórias nas telas. Além disso, destaca-se o jeito pessoal – e autoral – de ver o mundo, as pessoas e as relações, de modo tão tangível que o espectador pode se olhar diante de um espelho. Não por acaso, portanto, que alguns especialistas identificam em seus filmes influências do contemporâneo movimento italiano do neorrealismo.
Ao contar histórias do cotidiano, esse filho de carpinteiro, que teve uma irmã vendida pelo pai para se tornar gueixa, queria se fazer entender como mestre da narrativa. O episódio envolvendo sua irmã afetou profundamente sua visão de mundo e o fez criar filmes que tratam do universo das mulheres de modo intenso e militante. Por isso, é chamado de o primeiro grande diretor feminista. Para ele, a mulher era humilhada e oprimida na sociedade japonesa. Por outro lado, defendeu que ela era capaz de maior nobreza entre os sexos. É o que se percebe em cinco de seus clássicos produzidos entre 1936 e 1954, que saem no Brasil em uma luxuosa caixa pela Versátil, com uma série de extras.
A coleção inclui “Contos da Lua Vaga”, de 1953, eleito pela crítica um dos maiores filmes da história, sobre dois irmãos que tomam caminhos duvidosos para satisfazer seus desejos. O melodrama “Oharu: Vida de uma Cortesã” (1952) mostra a trajetória da bela Oharu: da corte no palácio do imperador à prostituição. “As Irmãs de Gion” (1936) conta a história de gueixas de personalidades diferentes que vivem no bairro de Gion, em Kyoto. “Os Amantes Crucificados” (1954) narra o trágico romance proibido entre a esposa de um rico comerciante e um dos empregados do marido. “Senhorita Oyu” (1951) explora um triângulo amoroso na alta sociedade japonesa.
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