Festival Choro Jazz movimenta Fortaleza

Foto: Marco Aurelio Olimpio.
Bandão Choro Jazz, banda formada por alunos das oficinas do festival. Foto: Marco Aurelio Olimpio.

É a quinta edição do Festival Choro Jazz Jericoacoara que, pelo segundo ano, inicia em Fortaleza uma prévia de seis shows em três dias antes de aportar no Parque Nacional de Jericoacora, praia protegida pelas dunas, 300 km da capital cearense, com uma estrutura capaz de receber visitantes de todos os cantos do mundo.  

Pela estrada, que se transforma em caminho de areia, chegaram grandes músicos vindos de diferentes partes do Brasil, Estados Unidos e Itália. Todos agradecidos por iniciarem aqui, mais uma vez, importantes tarefas para além dos shows: ensinar nas oficinas diárias, encontrarem-se em rodas de choro e jam sessions para praticar, apresentar novas composições e pedirem a bênção em conjunto aos mestres do choro e do jazz. Repetem aqui a programação de Fortaleza e mais três dias de programação. São seis dias respirando música em cada esquina da pequena vila.

Foi em 2009 que tudo isto começou pelas mãos do produtor Capucho que trabalhou, ao longo de vinte anos, com músicos como Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti e Naná Vasconcelos. Hoje, no quinto ano de bravura nesta empreitada homérica de conseguir apoios e patrocínio para realizar o festival, Capucho reflete sobre esta edição: “Os shows, como sempre, se estabelecem pela qualidade, que é o que eu mais prezo. E o intercâmbio que está se abrindo, eu vi muitos americanos vindo para fazer oficina, conhecer a nossa música. (…) A Escola Choro Jazz continua firme e cresceu, agora está também levando a música instrumental até um vilarejo aqui próximo: Sambaíba. É muito trabalho e muita alegria”.

Aguardado com ansiedade, o espetáculo de abertura reúne Tulio Mourão, pianista integrante do Clube da Esquina e o cearense Nonato Luiz no violão. Juntos, temperam com gotinhas poderosas da pimenta nordestina composições próprias e clássicos da música popular brasileira em choro, blues, jazz e bossa. Com virtuosismo instrumental, Tulio e Nonato entusiasmam o público.

Terence Blanchard. Foto: Marco Aurelio Olimpio.
Terence Blanchard. Foto: Marco Aurelio Olimpio.

Depois de um breve intervalo, o norte americano Terence Blanchard sobe ao palco com seu trompete introduzindo o maravilhoso e livre mundo do jazz vindo de onde o estilo musical delineou suas primeiras formas: New Orleans. O potente quinteto colore as raízes jazzísticas munido de um fôlego vivíssimo em excelentes performances que deixam transparecer também influências de outros suingues, como o nosso aqui do Sul. Primeiro dia intenso que informou aos amantes da música mais distraídos a que vieram.

Na jam session que segue o show Jericoacoara vê o jazz de pés descalços na areia. Os americanos juntam-se aos músicos brasileiros em interpretações de Tom Jobim e Hermeto Pascoal, improvisando misturados ao público durante umas boas três horas madrugada adentro.

O segundo dia do festival nos traz o pianista Gilson Peranzzetta e o saxofonista Mauro Senise no primeiro show do dia. O entrosamento do duo reflete anos de trabalho em conjunto no repertório dividido em composições próprias como o baião de Gilson Peranzzetta Paisagem Brasileira e compositores que ajudaram a construir a história da música brasileira como Jacob do Bandolim, Garoto e Pixinguinha.

Sizão Machado.
Sizão Machado.

Sizão Machado faz o show da sequência. Com seu sexteto, o contrabaixista homenageia o maestro Moacir Santos tocando suas composições robustas, enveredando pelo jazz americano e pelas raízes brasileiras como a famosa Nanã, que foi um grande sucesso na voz de Wilson Simonal nos anos 60. Como bem disse Vinícius de Moraes no Samba da Bênção: “A bênção, maestro Moacir Santos. Não és um só, és tantos como o meu Brasil de todos os santos”.

O festival é enriquecido também com as ilustrações de Paulo Caruso feitas ao vivo, comentando e registrando os shows aos moldes do que faz no programa Roda Viva, da TV Cultura e três exposições: os artistas locais Bin Lata e Zinho e o grande ilustrador Alcy Linares com a série de caricaturas inspiradas pela última edição do festival: Chorões na Praça. Tudo em volta comunica música.

 É Luciana Rabello que abre o terceiro dia. A cavaquinista toca com o pianista Cristóvão Bastos que assina a primeira música em parceria com Paulinho da Viola. Celsinho Silva no pandeiro e o violonista Maurício Carrilho chegam para complementar Matutando, autoria de Luciana. Então, inicia-se uma sequência de outros grandes compositores da história do choro: Nelson Alves, Nazareth, Jonas Pereira da Silva, interpretados à risca pelo grupo e Paula Borghi. A jovem violonista os acompanha a altura, convidada por Luciana: “É muito importante o que vem acontecendo aqui, também o trabalho de educação. Foi numa dessas oficinas que conhecemos a Paula”.

Finalizado com um choro forrozado de Sérgio Régis, experienciamos o rigor musical do show mesclado com a descontração das rodas de choro numa atuação detalhista e requintada. Uma reverência à tradição do choro.

Como reza a tradição do festival, segue o grande homenageado da noite: Laércio de Freitas. Capucho entrega o troféu ao grande pianista ressaltando a sua importância para a música brasileira, para a música do mundo: “Devemos entregar flores aos vivos, agradecer por tantos anos de um trabalho de muito valor”. Antes de sentar-se ao piano, Laércio agradece emocionado e toca para a plateia atenta.  Em seguida fala um pouco sobre o poder do encontro do festival: “A ideia de compartilhar o que sabemos deveria ser uma coisa permanente”.

Laércio e Capucho. Foto: Marco Aurelio Olimpio.
O músico Laércio de Freitas e o produtor Capucho. Foto: Marco Aurelio Olimpio.

Laércio de Freitas convida Arismar do Espírito Santo para juntar-se a ele com seu violão. A conversa musical entre os dois inclui a plateia cheia que, em silencio, retribui com efusão. É neste cenário que o clarinetista Alexandre Ribeiro entra. Formado o trio, o repertório composto por músicas como Camundongo, do próprio Laércio, e Ternura, de K-ximbinho, é preenchido com o seguimento da conversa em improvisos marcados pela escuta atenta numa sintonia que emocionou. Aos três e a plateia. 

Laércio, Arismar e Alexandre. Foto: Marco Aurelio Olimpio.
Laércio, Arismar e Alexandre. Foto: Marco Aurelio Olimpio.

O quarto dia do festival recebe Louise Woolley Septeto e Gianluca Littera tocando harmônica junto ao Trio Curupira.  Aos 28 anos, terceiro ano de festival e primeiro participando, Louise chega de São Paulo com seu som maduro muito bem acompanhada para apresentar seu primeiro cd. O público esteve sempre atento e assim seguiu com a entrada de Gianluca Littera e o Trio Curupira. Depois de uma maravilhosa interpretação de Folhas Secas, de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito, passearam por épocas e estilos, trouxeram a influência de Astor Piazzolla, Giacomo Puccini e uma composição contemporânea italiana chamada Chorinho. Assim como foi boa a surpresa de conhecermos Gianluca, cada vez mais próximo do Brasil, o mesmo podemos dizer do Trio Curupira, ainda não tão difundido como a altíssima qualidade de seu trabalho promete.

É o penúltimo dia do festival, as oficinas fecham seus trabalhos, Paulo Garfunkel lança seus livros Chão de Fábrica e Três Fábulas de Ésopo cercado por dezenas de crianças que saem abraçadas aos livros. Logo depois Paulo Caruso faz caricaturas na praça baseadas no super-herói preferido de cada uma. A roda de choro da tarde parace guardar mesmo o lamento pela proximidade do fim.

Antes do primeiro show, a cantora Paula Santoro, ministrante da oficina de canto, rege os participantes numa linda interpretação de Ponta de Areia, de Milton Nascimento e Fernando Brant. Esta primeira pontada de emoção só aumenta ao longo da noite com o primeiro show do Bandão Choro Jazz: mais de vinte jovens ligados à Escola Choro Jazz Jericoacoara encabeçados pelo violonista Giuliano Eriston (16 anos), Vinícius Matos na bateria (18 anos) e o arranjador e pianista Jânio Silva (23 anos), três jovens e talentosíssimos músicos elogiados por todos os nomes do festival.

João Bosco. Foto: Marco Aurelio Olimpio.
João Bosco. Foto: Marco Aurelio Olimpio.

A beleza desta apresentação foi sentir a segurança do grupo que cresceu muito musicalmente, dando aulas na escola e aproveitando ao máximo cada oficina do festival ao longo dos anos. Os músicos (e professores nas oficinas) Mauro Senise, Gilson Peranzzetta e Arismar do Espírito Santo fizeram participações no show. Cléber Almeida do Trio Curupira também tocou com eles.  “A turma toda é muito talentosa, impressionante. Eu fiquei realmente muito surpreso com o nível dos alunos, muito bom!” diz Mauro Senise.

O bandão prova que o festival também é educação, formação. Permite que meninos deste pedaço do país possam conhecer e aprender com mestres da música instrumental. 

É esta praça entusiasmada com o talento de seus meninos, super lotada e eufórica, que acolhe João Bosco. O público acompanhou músicas como Balacobaco, Coisa feita, Ronco da cuica e O bebado e a equilibrista. “Acho que este festival tem tudo de maravilhoso pra ser um marco na agenda dos festivais do Brasil. Esse lugar é lindo, a viagem é maravilhosa, estar aqui já é uma forma de você viver a música” diz João Bosco, parecendo compartilhar a gratidão com o público que cantou durante todo o espetáculo e logo já dançava.

E o último dia reserva ainda o gaúcho Renato Borguetti e quarteto com Alegre Corrêa como convidado especial. Encerrando o festival o trombonista Zé da Velha, chorão da antiga. O dia final promete ser tão grande e tão valioso quanto os que o sucederam.


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