No escurinho da telinha

Estrelado por Alice Braga e Daniel de Oliveira, Latitudes, de Felipe Braga, foi lançado em três formatos - Foto: Reprodução
Estrelado por Alice Braga e Daniel de Oliveira, Latitudes, de Felipe Braga, foi lançado em três formatos – Foto: Reprodução

O movimento é mecânico: pular na cama, entrar debaixo do cobertor, ligar o notebook ou o tablet e digitar o nome do site. A página é carregada. Uma extensa lista de filmes ficcionais, documentários e séries surge diante dos olhos. Ao rolar a página, o usuário é sempre acometido pela mesma dúvida: “O que vou ver hoje?”.

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Nos últimos anos, o hábito de consumir vídeos na internet passou por grandes transformações. O serviço de video on demand (VoD), ou vídeo sob demanda, se popularizou. Cada vez mais, gastamos nosso tempo assistindo a filmes, programas e seriados. Em uma semana, o brasileiro passa em média cinco horas e meia conectado a esse tipo de mídia, duas horas a mais do que há quatro anos. O Brasil está bem perto da média global, que é de seis horas. É o que aponta o estudo TV & Media da Ericsson, multinacional sueca de telecomunicações, que analisou as evoluções desse mercado entre 2011 e 2014.

Atualmente, cerca de um terço do conteúdo em vídeo consumido pelos brasileiros vem do on demand. Segundo Júlia Casagrande, gerente de marketing da Ericsson, o crescimento das transmissões reflete a importância de três fatores para os espectadores: bom conteúdo, flexibilidade e uma boa experiência.

Outro grande diferencial é que o usuário tem total controle sobre o que quer assistir. Ele pausa o filme quando quer, pode ver vários episódios de uma mesma série em sequência e, o melhor, tudo sem comerciais.

“A sala de cinema é um lugar de convivência social da modernidade e isso não se perderá”

Gisela Castro, doutora em Comunicação, professora e pesquisadora do Programa de Pós Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo – PPGCOM-ESPM, afirma que esse tipo de conteúdo alcança um público maior e mais diversificado. “Até quem mora em locais com fartura de programação cultural muitas vezes opta por ver filmes em casa por razões como comodidade e preço.” No entanto, o fato de metade da população brasileira ainda não ter acesso à internet é uma barreira, bem como a qualidade da banda larga no País.

Ela também destaca o fato de que, ao mesmo tempo que vê o filme, boa parte dos usuários fala sobre ele nas redes sociais, uma forma de consumir conteúdo audiovisual que amplifica e modifica nossa experiência. 

Além de serviços como Hulu, iTunes e Google Play, também existem operadoras de televisão com atuação no on demand, como o Net NOW, HBO GO e Sky Online. O Netflix, que chegou ao Brasil em 2011, é o mais badalado. Possui mais de dois milhões de assinantes no País e conta com um catálogo variado de filmes e séries, com preços acessíveis (os pacotes vão de R$ 20 a R$ 30). Em 2015, a empresa deve faturar R$ 500 milhões, com lucro superior ao de emissoras como Band e RedeTV!.

Uma nova plataforma de vídeo com tecnologia aberta também está em desenvolvimento e permitirá que o conteúdo seja transmitido via streaming de forma muito mais ágil por qualquer tipo de dispositivo. O projeto é da Alliance For Open Media, organização sem fins lucrativos criada em setembro por Google, Microsoft, Netflix, Intel, Amazon, Mozilla e Cisco. Ainda não se sabe quando a novidade chegará ao mercado nacional, mas a expectativa é grande.

Além da tela
A ascensão do on demand também pode representar oportunidades para os produtores locais de conteúdo. Segundo Alfredo Manevy, diretor da Spcine, empresa paulista de fomento ao audiovisual, o Brasil tem condições de se posicionar de forma estratégica como um polo produtor e exportador desse conteúdo. “Se houver estímulos, podemos ser ponta de lança na criação de webséries e novos formatos.”

Mas não será por causa do on demand que o costume de ir ao cinema deixará de existir. Para Manevy, um hábito complementará o outro. “A sala de cinema é um lugar de convivência social da modernidade e isso não se perderá.” Ele também defende que os filmes de nicho terão espaço cada vez maior nos modelos online, porque, neles, é possível alcançar público segmentado de qualquer lugar do mundo.

Já existem empresas com enfoque nesse tipo de conteúdo. A distribuidora VOD O2 Play, braço da produtora O2 Filmes, foi criada há dois anos como uma representação do iTunes no Brasil. De acordo com Igor Kupstas, diretor da marca, é preciso adaptar o conteúdo para cada público. “O principal trabalho é torná-lo relevante, explicar onde ele está disponível e convencer as pessoas a consumi-lo.”

Um dos trabalhos da O2 Play foi Latitudes, filme de 2013, de Felipe Braga e estrelado por Alice Braga e Daniel de Oliveira. Teve a mesma história contada em plataformas distintas. No YouTube foi uma série em episódios; no canal TNT, série acrescida dos bastidores das gravações; e na versão da O2 Play, um longa-metragem que chegou aos cinemas e ao on demand. Para Fábio Lima, diretor da Sofá Digital, que trabalha com plataformas como Google Play e YouTube, o produto on demand tem uma relação atemporal. “No cinema, o espaço é curto para que o resultado tenha êxito. Já no VoD, em cinco anos pode atingir o mesmo número de pessoas.”

Fita Errada
As últimas duas décadas de consumo de filmes foram marcadas por estabelecimentos comerciais hoje à beira de extinção: as videolocadoras. Estantes com prateleiras lotadas levavam as pessoas a passar bastante tempo escolhendo qual filme levariam para casa.

Mas esse mercado mudou drasticamente. Segundo estimativa do presidente do Sindicato das Empresas Videolocadoras do Estado de São Paulo, Luciano Tadeu, restam apenas duas mil delas em todo o Brasil. Em 2007, o número chegava a 4.700. Tadeu afirma que a evolução da internet e as locações online foram os principais motivos para a bancarrota geral. As locadoras que mantêm sobrevida, comenta ele, trabalham com um público mais direcionado, que consome filmes raros, difíceis de serem encontrados na web.

Uma das locadoras mais tradicionais de São Paulo é a 2001, que já chegou a ter oito filiais na cidade e hoje mantém apenas duas. Na loja de Pinheiros, bairro da zona oeste da capital paulista, encontram-se estantes abarrotadas de caixinhas de filmes. Muitas delas à venda. A locação de uma unidade tem preço salgado, R$ 14, e o cliente pode ficar com a fita no máximo por três dias. Ainda assim, não é incomum ver gente sair da loja com DVD na mão. Questão de gosto.


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