Por cerca de dois meses, um prédio antigo no Bom Retiro, região central de São Paulo, fez uma verdadeira viagem pelo tempo e pela história do cinema brasileiro. Entre março e abril deste ano, os coletivos de artistas e grupos de dança do local dividiram espaço com as gravações do seriado “Zé do Caixão”, que mostra os bastidores por trás dos principais filmes do diretor e ator José Mojica Marins.
Com estreia prevista para setembro no canal a cabo Space, o projeto produzido em parceria entre a Turner e a Contente será dividido em seis episódios de 45 minutos sobre seis diferentes filmes de Mojica, que vão desde sua estreia como diretor nas telonas com o “western abrasileirado” A Sina do Aventureiro até a polêmica pornochanchada 24 Horas de Sexo Explícito, passando obviamente pelo seu auge comercial com os títulos (ou fitas, como gosta de falar) sobre Zé do Caixão – confira a lista completa no final da reportagem.
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– Jubileu maldito de Zé do Caixão
O ator Matheus Nachtergaele, conhecido por papéis marcantes em produções como O Auto da Compadecida e Cidade de Deus, foi o escolhido para protagonizar o seriado no papel do icônico cineasta, que completou 75 anos em março deste ano. E, a julgar pelo que a Brasileiros pôde ver durante um dia no set de filmagens, a escolha não poderia ter sido melhor.
“Estou muito curioso para ver como o que a gente fez vai bater nas pessoas. Eu achei um processo especialmente interessante. Foi uma experiência maravilhosa”, afirma Nachtergaele, que revelou até ter sonhado com o cineasta e a sua principal criação, Zé do Caixão.
“Eu sempre sonho com os trabalhos, mas nesse caso foi forte. Porque como o Zé do Caixão é todo envolto em uma aura de mistério e terror, toda vez que eu contava um sonho desses, as pessoas falavam: ‘Ai meu Deus, que arrepiante’. Mas é natural que isso também entre no meu inconsciente. Eu passava o dia vestido como Zé do Caixão.”
Projeto antigo
Como se isso não fosse o bastante, o ator realmente entrou de cabeça no universo do cineasta para fazer a produção. Para isso, assistiu aos principais filmes de Mojica e leu a biografia “Maldito”, de André Barcinski e Ivan Finotti, em que o seriado é baseado. Barcinski, aliás, também atua como roteirista do programa ao lado do diretor Vitor Mafra, que está à frente do projeto desde 2009.
“Sempre tive o Matheus em mente para esse projeto. Desde que comecei a captação para um longa-metragem há cerca de seis anos, o que acabou não dando certo”, afirma Mafra, que enxerga paralelos no projeto do seriado com a história do próprio Mojica, que também sofria para financiar os seus filmes. “Tem tudo a ver. Falar do Mojica significa falar do cineasta brasileiro. Não só pessoalmente, mas de todos, porque é uma coisa heroica”.
Da telona para a telinha
Se há alguns anos talvez não fosse recebida com o mesmo entusiasmo, a mudança do cinema para a TV foi muito bem vista pelo diretor. “Foram seis filmes abordados no total e a cada episódio eu tento flertar com o que o Mojica estava filmando naquela época. Acho que tem essa curva de linguagem, o que é interessante e não seria possível em um longa-metragem. Então é muito legal poder fazer isso na TV.”
A série também permitiu que Mafra e os atores recriassem cenas originais das produções clássicas de Mojica que são abordadas no programa. “Cara, essas foram as partes mais emocionantes, eu confesso. É muito legal refazer as cenas, com o preto e branco, com os cenários muito parecidos com o que ele fazia, da maneira como ele filmava. Porque nessas cenas existia muito isso, algo do tipo ‘Como que o Mojica fez?’. Foi uma honra”, destaca Nachtergaele.
Além dos próprios filmes de Mojica, outros títulos apareceram como influência para Mafra no processo. É o caso do filme Ed Wood, de Tim Burton, em que também são mostrados os bastidores e a produção dos principais títulos do renegado diretor americano que dá nome ao filme e que ficou conhecido por trabalhar com a lenda Bela Lugosi (Drácula) no fim da sua carreira.
“Teve influência com certeza. Até porque o Ed Wood é um filme que eu adoro. E também tem esse lance da comédia dark. Por isso, existe um paralelo sim”, explica Mafra, que é rápido em apontar que as comparações entre os dois diretores param por aí. “Não tem nem como comparar a qualidade do Mojica com o Edwood (nota: o americano já foi chamado de o pior cineasta do mundo).”
O Estranho mundo de Zé do Caixão
Mesmo focado principalmente na obra de Mojica, o seriado também dá destaque para a vida pessoal do cineasta, incluindo as pessoas que sempre estiveram ao seu lado. Entre os pricipais nomes estão o amigo de longa data e produtor Mário Lima, vivido por Felipe Solari, e a ex-esposa Nilcemar, que serviu como base para a criação da personagem Dirce, uma reunião das mulheres de Mojica vivida na produção por Maria Helena Chira.
Para a atriz, o seriado mostrará a importância da ex-exposa na vida profissional e pessoal de Mojica. “A diferença é que a Nilce era a grande parceira artística dele, enquanto que as outras não eram. Por isso, o personagem é mais baseado na Nilce mesmo. Ela é muito madura. Acho que ela é a única pessoa que realmente entende a natureza dele”, afirma Maria Helena, que chegou a conhecer Nilce no início das filmagens.
Apesar de não ter tido a mesma chance de conhecer Mário Lima, que faleceu em 2013, Solari fez um trabalho de imersão no seu personagem e em todo o universo de Mojica, a exemplo de Nachtergaele e de Maria Helena. “Acho que o Mário não era nem o braço direito do Mojica, mas ele era o braçal do Mojica. Era ele que ia fazer as loucuras, ia atrás das mulheres, ia descolar o cachorro para o filme. E o Mojica era o cabeça disso tudo. Eles tiveram bons momentos juntos”, diz Solari, que descreve Mário como um “bruto muito legal”.
Visita e homenagem
Com a saúde debilitada após passar três meses no hospital por problemas renais em 2014, Mojica não se envolveu diretamente com o seriado, mas deu a sua “bênção” ao projeto e até foi assistir a um dia de filmagem.
“Foi emocionante. Ele estava bem fraquinho, não conseguiu falar. Mas eu vi que ele ficou emocionado. Eu fiquei muitíssimo emocionado”, conta Nachtergaele, que se diz “apaixonado” pela figura do cineasta. “Espero realmente que o Mojica goste. O seriado é a cara dele, bem incorreto.”
Filmes abordados no seriado
Episódio 1 – “A Sina do Aventureiro” (1958)
Episódio 2- “À Meia-Noite Levarei Sua Alma” (1963)
Episódio 3 – “Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver” (1966)
Episódio 4 – “O Despertar da Besta” (1969)
Episódio 5 – “Perversão” (1978)
Episódio 6 – “24 Horas de Sexo Explícito” (1985)
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