O que os museus precisam mudar ou inovar para se tornarem espaços mais atraentes a estudantes, principalmente, é um tema constante nas preocupações do professor espanhol Ricard Huerta, da Universidade de Valência. “Devemos estar sempre atentos às mensagens que as pessoas mais jovens nos trazem. Os museus de ciência têm adaptado suas propostas às atividade interativas e isso tem repercutido com um maior alcance para as novas gerações”. Segundo ele, nos museus de arte, às vezes, a tendência é que se crie barreiras significativas entre as obras e o público. “Existem muitas propostas inovadoras que podem ser aplicar às diferentes realidades”.
Huerta está em São Paulo, onde participou do Seminário Educação em Museus: interpretação e imaginação, realizado pela Casa das Rosas – Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura. No evento, foram discutidos temas como a relação de escolas com museus e centros culturais, e como eles se inserem neste mercado cultural que produz um tipo de ensino através de cursos, oficinas, exposições e atividades lúdicas. Ele se diz impressionado com os museus brasileiros: “O nível é muito bom, e não creio que seja positivo comparar com outras realidades, como a europeia ou estadunidense, porque aqui existe uma personalidade própria”.
“Se Neymar marca gols no Barça, então Neymar se caracteriza como patrimônio catalão ou brasileiro? O patrimônio é migrante, os museus nos ajudam a detectar e desfrutar dessas migrações patrimoniais”
Doutor da Universidade de Valência, Diretor do Departamento de Didática de Expressão Musical e Plástica Corporal e Diretor do Instituto de Criatividade e Inovações Educativas, Huerta também discutiu a questão do patrimônio como essência dos museus, e como ele é migrante para difundir a cultura. Também falou do papel da mídia como propagadora do ensino. O ideal, disse ele, seria que os universitários e os professores pudessem rediscutir formas de ensino pela televisão para a população, propagando a educação para além dos muros acadêmicos.
Na entrevista a seguir, ele aponta caminhos para melhorar a frequência nos museus e o papel dos educadores nesse processo:
Brasileiros – Como é a sua relação com educação e museus?
Ricard Hueta – Minha paixão pelos museus vem de minhas experiências de infância. Quando eu era um menino de oito anos, estudei no Conservatório de Música de Valência. Ao lado do conservatório, encontrava-se o Museu Paleontológico (atualmente já não existe), que se encontrava num edifício histórico chamado o Almudín – o armazém da cidade da época medieval, uma construção do século XV. Essa experiência me fascinou, já que o museu estava cheio de pinturas medievais nas paredes, além da coleção de animais de todo o mundo, que tinha em seu centro um enorme esqueleto de dinossauro. Aquilo foi como entrar em um filme de Steven Spielberg. Mas era real! Eu aproveitava os descansos das aulas de música para ir para o museu. Desde então, tenho sido um grande fã e um frequentador fascinado por museus.
Há quanto tempo trabalha na área?
Desde que comecei a trabalhar como professor, 30 anos atrás, eu sempre levei minhas turmas aos museus. Há 15 anos, administro a Academia de Educação Artística e Gestão de Museus na universidade. E este ano abri “Museari, Museu de l’imaginari” um museu da qual sou diretor. Pode-se visitá-lo gratuitamente no site www.museari.com
Há uma visão preconceituosa ou alguma resistência em relação aos museus como ferramenta complementar na educação?
Alguns dos estudantes podem, no primeiro momento, não encontrar nos museus um lugar tão atraente para desenvolver mil histórias. Mas, depois das visitas e experiência, a maioria deseja aprender e conhecer mais sobre museus.
Os museus brasileiros ainda estão muito defasados em relação aos museus europeus? O que o senhor destacaria neste sentido?
Ainda conheço pouco sobre a realidade dos museus no Brasil. Li muitos trabalhos de Ana Mae Barbosa relacionados com as práticas educativas em museus. Contudo, apesar do pouco tempo que estou em São Paulo, pude comprovar que há uma poderosa engrenagem educacional que parte dos grupos de pesquisa de universidades, como as equipes educativas de museus que me fascinam: a Pinacoteca, o Museu de Arte Contemporânea (MAC) ou o Centro Cultural Correios. O nível é muito bom, e não creio que seja positivo comparar com outras realidades, como a europeia ou estadunidense, porque aqui existe uma personalidade própria.
Para o leigo, como o conceito de arte-educação poderia ser aplicado nas escolas e museus?
Se os professores tivessem uma hora por dia em todos os canais de televisão para explicar o que fazemos, todo o mundo saberia estas questões.
Em São Paulo, os dois museus que mais conseguiram atrair público exploraram muito recursos midiáticos, como o Museu da Língua Portuguesa e o Museu do Futebol. Como o senhor vê isso?
Os colegas daqui têm recomendado o Museu da Língua Portuguesa e quero realmente conhecê-lo. A interação é fundamental e é muito atraente para os jovens que estão acostumados a interagir com tecnologia. Na Espanha, o museu mais visitado é o Museu do Barça. No caso do futebol não há muito mérito, já que é um esporte que dispõe de muitas horas diárias de exibição televisiva, facilitando-se seu contato com o público.
Há uma ideia equivocada de que os museus são apenas espaços com objetos antigos, raros e pouco atrativos.
Acredito que devemos difundir a ideia do patrimônio como a essência dos museus, da cultura e da educação. Nós inventamos o conceito de “Patrimônios Migrantes”. Por exemplo, se Neymar marca gols no Barça, então Neymar se caracteriza como patrimônio catalão ou brasileiro? O patrimônio é migrante, os museus nos ajudam a detectar e desfrutar dessas migrações patrimoniais.
Como conciliar isso com ferramentas tecnológicas e outros recursos para atrair público?
Um abraço é muito mais emotivo do que mil twittes. Um beijo é uma recordação que deixa mais significado do que uma centena de curtidas no Facebook. A tecnologia é um meio, não um fim. A sensação de ver as Meninas, de Velasquez, ao vivo é mais rica do que vê-las numa tela.
O senhor fará uma palestra nesta segunda-feira cujo tema é “Educação em Museus: interpretação e imaginação”. Poderia nos explicar o sentido deste tema?
Minha palestra faz parte de um programa preparado pela Casa das Rosas no qual participará gente muito importante, como Ana Mae Barbosa, Rejane Coutinho, Lilian Amaral e outros colegas que admiro e aprecio. Minha palestra tratará sobre a capacidade dos mediadores para transmissão de experiências significativas. Eu confio nas pessoas e acredito na humanidade. Os educadores, tanto nas escolas como nos museus, merecem toda minha confiança. Trata-se de explorar novas estratégias para melhorar as propostas. Como pesquisadores universitários, somos obrigados a gerar essa inovação.
A formação do educador para museus, como deve ser feito?
Desde a universidade, unindo-se o potencial educativo com os modelos de gestão e especialização de cada museu. Em Valência optamos por preparar aulas com profissionais especializados, cuja experiência é comprovada em cada campo do saber.
Como aproximar professores dos museus? O que o senhor sugere? Está ai o segredo?
É uma das chaves. Evidenciar o professorado. Que se sintam à vontade nos museus. Que se sintam participantes de cada atividade. Que se crie sinergias entre os mediadores e professores. Se tivéssemos uma hora por dia em todos os canais de TV para explicar estas questões, tudo seria mais fácil. Estou cansado de reality shows, e do desrespeito com os usuários da televisão. Docentes devem reivindicar uma hora diária na televisão para explicar aquilo que fazem e que gostariam de fazer.
A inclusão dos museus como atividade escolar na grade curricular pode ser um caminho?
Nos lugares onde isso tem sido realizado, comprovou-se um resultado positivo. Mas insisto, se o currículo é um dos nossos instrumentos de atuação, também precisamos nos expressar nos meios de comunicação. Os alunos adorariam ver seus professores na televisão.
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