Peça de João Paulo Lorenzon adentra relação ambivalente e violenta de casal

Divulgação Arieta Corrêa e João Paulo Lorenzon

Jovem ator e diretor de destaque no cenário do teatro nacional, João Paulo Lorenzon, 34, construiu sua trajetória basicamente em cima de monólogos. Foram cinco desde 2007, nos quais pôde desenvolver suas pesquisas e aperfeiçoar técnicas e linguagens; o processo culminou inclusive na indicação ao Prêmio Shell de Melhor Ator em 2012, com Eu Vi o Sol Brilhar em Toda a Sua Glória. A nova peça de Lorenzon, portanto, representa uma mudança significativa na carreira do ator: em Holher Mumen, em cartaz em São Paulo, ele divide o palco com a atriz Arieta Corrêa, propondo um embate intenso de um casal que se afasta e aproxima, se odeia e se ama, se deseja e repudia.

“Em Eu Vi o Sol Brilhar em Toda a Sua Glória eu fechei um ciclo. Acho que ali usei todas as forças que fui descobrindo nas peças anteriores: a violência do Funâmbulo, a delicadeza do primeiro Borges [Memória do Mundo], uma certa contenção etc. Então esse passo agora, fora dos monólogos, é novo, mas ao mesmo tempo continua mantendo uma autoria, um olhar sobre o teatro”, diz Lorenzon. Além disso, segundo ele, todas as suas peças, solo ou não, estão unidas por um olhar constante para o que chama de “anestesia social” – um tipo de apatia, falta de pulsão de vida –, e a tentativa de combatê-la.

De fato, em Holher Mumem (escrita pelo ator) a dinâmica conturbada do casal é tudo, menos apática. Em um lugar e tempo indefinidos, dando a entender que ali estão sendo tratadas questões humanas universais, ele e ela (sem nomes definidos) são movidos por uma relação ambivalente, cheia de possíveis leituras. Há solução para aquele casal que se ama, mas se odeia? Há caminho possível após tanto desejo, mas tanta brutalidade? “Eu tenho um olhar esperançoso. Entendo completamente que possa ser visto como um lugar sem saída; que quando se chega num nível de violência com o outro, a coisa não tem fim. Mas acho que essa brutalidade é um chacoalhar rumo a uma vitalidade maior.”

Divulgação Os atores em cena

Tudo se passa em um ambiente quase escuro, com pouca cenografia e o piso coberto de terra. Os movimentos e jogos de corpo – característicos das peças de Lorenzon – somados ao uso preciso da luz e ao efeito da poeira que sobe do chão, criam imagens fortes, ao mesmo tempo delicadas e intensas. Mais violentos são os momentos em que o casal tenta enterrar um ao outro, mas mesmo neles Lorenzon enxerga possibilidades de construção, não apenas de destruição: “É a terra buscando trazer um primitivismo, desse lugar em que eu me desnudo das minhas proteções, das minhas culturas, e encaro o encontro como uma oportunidade de dar sentido para a existência”.

Sujos de terra, os dois se assemelham cada vez mais, e a fusão entre eles – já proposta no título da peça – se torna ainda mais perceptível. A destruição da singularidade é perigosa, ressalta Lorenzon, mas enquanto houver essa intensidade na relação, haverá vida e possibilidades. “Acho que a grande morte mesmo é a apatia. Pessoas que não se olham, não se abraçam, não conversam. Relacionamentos que vão se destruindo às vezes pela falta de luta. Para mim, o que não tem saída é quando o ser já está em um lugar meio natimorto, e não tem mais desejo de conhecer, buscar, olhar, tocar, abraçar. Acho que enquanto está na luta, tem ainda uma possibilidade de revida”, conclui o ator.

Serviço –Holher Mumem
Segunda e terça, às 20h; última semana (dias 28 e 29)
Sesc Consolação – Espaço Beta (rua Dr. Vila Nova, 245)
De R$ 2 a R$ 10; 14 anos 


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