“Você gosta de poesia?” A pergunta que tanto se ouve pelos bairros boêmios das cidades brasileiras, feita por vendedores ambulantes de livros e livretos, soa quase como uma piada em Paraty, durante uma edição da Flip que privilegia justamente a poesia. Ainda assim, não deixa de ser feita a cada esquina, por poetas que vêm de várias cidades do País para vender seus versos durante a Festa Literária. Paraty está lotada, e não parece haver lugar melhor para estes vendedores estarem do que na Flip.
Com a chegada do fim de semana, não é só a Tenda dos Autores – onde acontecem os principais debates – e as casas onde ocorrem os eventos paralelos que estão cheios, mas também as ruas e estabelecimentos da cidade fluminense. Com as praças cheias, livrarias, lojas, bares e restaurantes lotados, música sendo tocada por todos os cantos e vendedores de doces e artesanatos espalhados pelas calçados, o cenário é efervescente e deixa Paraty ainda mais interessante. É uma pena que seja necessário olhar para o chão a maior parte do tempo, enquanto alguma solução não for dada para a (quase impossível) mobilidade nas ruas de pedra da cidade histórica. Como lembrou Jairo Marques em artigo na Folha de S.Paulo deste sábado, até o Coliseu romano, milenar, tem elevador e uma rota de passeio acessível.
Seja como for, o clima é de festa. Um jovem músico, chamado Caetano, que toca acordeom perto da ponte, conta que tirou R$ 20 em pouco mais de dez minutos trabalhando. Após tocar o tango Por una Cabeza, de Carlos Gardel, ele diz: “Tem umas músicas que não tem erro. A trilha da Amelie Poulin, por exemplo, o povo aqui adora. Baião e forró também”.
Mas nem tudo é perfeito em Paraty, como há muito já se sabe. Para além das questões de violência urbana – que, como é de costume, afetam mais as periferias e áreas pobres da cidade –, outros problemas ficam explícitos para quem circula nas ruas. As dificuldades vividas pelas comunidades indígenas locais são escancarados quando centenas de crianças guaranis precisam trabalhar vendendo artesanato ou cantando (aliás, lindos cantos) pelas calçadas.
Questões referentes à educação (há uma escola ocupada em Paraty), discutidas na sexta-feira em mesa com Christian Dunker e Paula Sibilia na Tenda dos Autores, também ganharam as ruas do centro histórico neste sábado, com uma manifestação que reuniu cerca de 50 pessoas entre estudantes e apoiadores, munidos de instrumentos e cartazes. “Acorda sociedade, educação é prioridade” e “o professor é meu amigo, mexeu com ele mexeu comigo” foram alguns dos cantos entoados.
O “fora Temer” ouvido em saraus, debates e shows ao longo dos dias também não ficou de fora. Um grupo, que circulou com cartazes contra o presidente interino e a favor das demarcações de terras indígenas, se concentrou em frente a Casa Folha e puxou gritos como: “A verdade é dura, a rede Globo apoiou a ditadura – e ainda apoia”.
A Flip segue até domingo, ainda com algumas das mesas mais esperadas, como as que recebem a ucraniana Svetlana Alexievich, ganhadora do Nobel da Literartura, a que reúne Kate Tempest e Ramon Nunes Mello – com mediação do editor da CULTURA!Brasileiros Daniel Benevides –, a mesa que discute a Síria, com Abud Said e Patrícia Campos Mello, entre outras. Tão importante quanto elas, uma mesa paralela da Flipmais discute, neste sábado às 18h30, os direitos das comunidades caiçaras, o turismo predatório e a especulação imobiliária em Paraty. Há que se celebrar e viver a festa literária, mas há também que se pensar o que queremos para as nossas cidades. Felizmente, não são coisas excludentes.
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