“Quando Eu Era Vivo” surpreende Mutarelli

Lourenço Mutarelli dificilmente relê o que escreve. Escritor, quadrinista e ator bissexto, o paulistano de 49 anos já publicou seis livros de ficção. “Cheiro do Ralo”, seu primeiro romance, foi escrito em apenas cinco dias. Os outros levaram cerca de duas semanas. “A Arte de Produzir Efeito Sem Causa” foge à regra: Mutarelli demorou um ano para concluí-lo e já o releu duas vezes. É seu favorito.

Da obra de Mutarelli, o cineasta paulista Marco Dutra também elege “A Arte…” como seu predileto. Desde sua publicação, em 2008, o diretor namora a possibilidade de adaptar o romance. A versão cinematográfica estreia nesta sexta (31) com o título “Quando Eu Era Vivo”. O elenco conta com a participação de Antonio Fagundes e a cantora Sandy.

Cena - QUANDO EU ERA VIVO Crédito: Flora Dias
Cena em que Sênior (Antonio Fagundes) interage com Bruna (Sandy Leah). Crédito: Flora Dias.

Num primeiro momento, Dutra classificou o livro como inadaptável, mas sentiu “uma necessidade quase orgânica” de roteirizá-lo. “Fiquei superintrigado com a relação entre os personagens”, diz. No entanto, a resposta do produtor Rodrigo Teixeira, detentor dos direitos autorais, a essa necessidade, foi categórica: “não tenho interesse”.

Três anos depois, após assistir ao primeiro longa de Dutra, “Trabalhar Cansa” (2011), Teixeira se lembrou da proposta. Convidou o cineasta para realizar o projeto e fez apenas dois pedidos: que ele não alterasse o título e o final do romance. Nenhum foi atendido.

“Quando Eu Era Vivo” é a terceira adaptação da obra de Mutarelli para os cinemas. “O Cheiro do Ralo” (2007) e “O Natimorto” (2009) já ganharam as telas, com direção de Heitor Dhalia e Paulo Machline, respectivamente. Mas é a primeira vez que um livro do autor tem uma adaptação no sentido exato da palavra. O roteiro, assinado por Dutra em parceria com a cineasta Gabriela Amaral Almeida, faz alterações significativas no texto. Transforma recursos essencialmente literários em eficientes soluções cinematográficas, sem desrespeitar, em momento algum, o universo criado por Mutarelli.

Muita coisa mudou na história de Júnior (vivido no longa por Marat Descartes), o personagem que volta para a casa do pai (Antonio Fagundes) após perder a mulher e o emprego. No filme, ele não recebe mais pacotes anônimos pelo correio, que misturam recortes de notícias velhas, pedaços de tecidos e trechos de canções; tampouco enlouquece na tentativa de decodificar a frase “Heir’s pistol kills his wife; / He denies playing Wm. Tell”. Júnior está fixado em desvendar o anagrama que acha atrás de uma partitura deixada por sua mãe. Foi a forma encontrada pelos roteiristas de manter a tensão sem se desvencilhar do núcleo familiar.

Personagens secundários em “A Arte…”, como Lurdinha, a namorada do pai, e Miranda, a vidente e manicure, ganham importantes funções dramáticas, refletindo em suas aparições a progressiva perda de controle do protagonista. A inquilina da casa, Bruna (Sandy Leah), deixa de ser estudante de artes visuais para se tornar aluna de música. “No cinema, ela funcionaria mais cantando do que desenhando”, explica o diretor.

Ao entregar o roteiro a Mutarelli, Dutra teve medo de que ele não se reconhecesse. O autor foi receptivo, dizendo nem ter notado o que havia mudado. Em entrevista à Brasileiros, confessou ter ficado surpreso ao ler o final. Depois, numa visita ao set, entendeu a beleza plástica da cena. “Como vi ‘Trabalhar Cansa’, sabia que o filme seria muito melhor do que o roteiro. Tinha certeza de que viriam surpresas boas”, diz. Durante a pré-estreia, Mutarelli confirmou a impressão; achou que “o filme cresceu”. Ele continuou receoso em relação ao fim. Também não entendeu o porquê da peruca de Marat Descartes. 

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