Rashid lança clipe que retrata “enquadros” do dia a dia

Foto: Reprodução
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Em A Cena, o primeiro single de seu primeiro álbum (após quatro mixtapes, o disco está previso para o ano que vem), o rapper Rashid se baseia em fatos que aconteceram com ele e uma turma de amigo na adolescência para contar o terror de tomar um enquadro policial. Em um trecho, ele destaca uma das ameaças feita pela polícia:

“Nós vamos dar a volta no quarteirão, e quando eu voltar
Não quero ver nenhum dos quatro”
No ouvido, bateu forte, neurose
Tipo a cena do Pulp Fiction, a mina tendo overdose
O seguro morreu de velho, mano
Quem vai ficar pra ver se os caras tavam só brincando? Vamo!

Apesar da letra funcionar como um roteiro, seu clipe lançado nesta quinta (5) escapa do óbvio e procura mostrar outros “enquadros” que muitas pessoas sofrem no dia a dia. “O que mais enquadra uma pessoa? Não é só a polícia, pode ser a política, a opressão, um enquadro financeiro, uma violência doméstica”, conta Rashid. 

Assista o vídeo dirigido por Levi Vatavuk. Na sequência, um papo rápido com Rashid sobre música e violência policial:
 

Brasileiros – Por que levantar o tema do enquadro e da violência policial agora? É um momento importante, urgente? 

Rashid – A verdade é que quando a ideia da música surgiu eu não estava pensando em nada disso, na real. Até porque faz quase um ano que eu escrevi essa música. Quando a gente começou o processo do disco, essa música foi uma das primeiras a nascer. Embora eu não estivesse pensando nisso, no que tá rolando, é um tema sempre atual. O racismo que tá inato com toda a política do sistema policial, enfim, isso é sempre muito atual. Na real, eu só quis trazer à tona uma história verídica  que aconteceu comigo e meus amigos em uma narrativa diferente dentro da minha música. Porque a proposta do meu primeiro álbum é trazer coisas diferentes, coisas que eu ainda não fiz muito na minha carreira. A Cena nasceu dentro desse pensamento. Depois de ter essa ideia é aquela história de “qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência”. Foi uma coisa que aconteceu há quase dez anos e que é muito fiel ao que ainda acontece hoje. 

E como foi encarar na adolescência uma agressão tão violenta de uma instituição pública que deveria te proteger ? A adolescência é um momento de formação, como você entendia o racismo embutido naquele ato?  

É complicado porque é exatamente isso. Em uma época que você tá ali buscando formar seu caráter, que você não tem muita consciência das coisas, consciência política – você não tem consciência nem do seu lugar no mundo… Na verdade, quando você vem da periferia tem que conviver com vários tipos de tragédias e uma realidade que tem põe pra baixo. Essa é a verdade, de certa forma. Embora você conviva com muitas coisas boas, muitas pessoas boas e encontre muitos tesouros na periferia, você nasce em uma realidade que te põe pra baixo. E você tem que aprender tudo isso muito cedo, né? Tem que aprender que a sua condição social é desfavorável, que a sua cor é desaforável no mundo que você vive, em um Brasil onde mais da metade da população é negra ou parda e você tem que aprender que faz parte dessa maioria, porém que essa maioria ainda não tem uma voz ativa – que o grito dessa população não tem o poder tanto quanto da outra parte da população. Você tem que aprender isso meio na marra, do pior jeito. É complicando quando você é adolescente conviver com isso. 

Eu tive o rap, desde muito cedo, que me falava de tudo isso. Então, de certa forma, eu estava me preparando, mas uma coisa é você ouvir aquilo tudo na teoria e outra coisa é aquilo acontecer com você. Você começa ir pra rua e você vê que não é invenção e tal, aquilo tudo acontece. É difícil aceitar, mas você aprende. O rap me ajudou a ter consciência da minha posição, da minha cor, ainda mais sendo misturado, sendo a figura do Brasil miscigenado – filho de pai branco com uma mãe negra – e tendo que conviver com parte da sua família falando que você é “moreninho e não sei o que lá”… É complicado. 

Com A Cena agora você fornece essa ajuda, certo?

Acho que sim. A nova geração do rap é conhecida por ter vindo com a mente aberta, uma abrangência de temas, falar de amor e falar de coisas que até desagradam ouvintes mais antigos e radicais. Mas eu sempre tentei deixar claro na minha música de que não era só isso. Porque as pessoas usam muito isso como cartão de visita da nova geração, mas a nova geração sempre teve um cunho social e crítico nas letras. Eu sempre gostei de trazer isso pra minha música e essa música nova tem um papel importante tanto pro pessoal mais novo que me escuta, exatamente esse pessoal que tá começando a sair de casa, quanto para o pessoal que já está nas ruas, eles vão se identificar. E também vai para os ouvintes que não sofrem com isso, porque é outra marca da nova geração: o público não é segmentado. E as pessoas que não sofrem com isso vão se ligar. Assim como a gente junta essas pessoas no show, acho que a gente consegue ligar uma realidade com a outra, a de quem sofre com a de quem nem sabe que aquilo existe. 


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