Temos que aprender a ser índios, diz antropólogo

O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro durante a mesa Tristes Trópicos/ Divulgação
O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro durante a mesa/ Foto Walter Craveiro

Temos que aprender a ser índios, antes que seja tarde. Foi essa a principal mensagem dada pelo antropólogo Eduardo Viveiros de Castro na mesa “Tristes Trópicos”, realizada no sábado, dia 2, na Festa Literária Internacional de Paraty. Segundo o pesquisador, neste momento em que o planeta passa por uma situação de “catástrofe climática” e está sendo transformado em um “lugar irrespirável”, devemos aprender com os povos indígenas “como viver em um país sem destruí-lo, como viver em um mundo sem arrasá-lo e como ser feliz sem precisar de cartão de crédito”. “O encontro com o mundo índio nos leva para o futuro, não para o passado”, disse ele.

Viveiros de Castro dividiu a mesa com o também antropólogo Beto Ricardo, fundador do Instituto Socioambiental (ISA), e com a mediadora Eliane Brum. Em discurso afinado, os dois denunciaram a dura realidade vivida pelos índios brasileiros atualmente e disseram haver uma “campanha” em voga no Congresso para retirar os direitos que estes povos conquistaram com a Constituição de 1988. “Hoje os índios estão mais visíveis do que nunca, mas mais vulneráveis do que nunca. O Congresso tem uma maioria de proprietários de terra em uma ofensiva final contra os índios”, disse Viveiros de Castro, que também criticou o governo federal pelo trabalho quase nulo na demarcação de terras.

O antropólogo, célebre mundialmente por sua teoria do perspectivismo ameríndio, comparou a situação dos índios no Mato Grosso do Sul com a dos palestinos na Faixa de Gaza. Segundo ele, os guaranis do Estado vivem ou nas beiras de estrada ou confinados em reservas mínimas, das quais são frequentemente expulsos pelas pressões do agronegócio: “O Mato Grosso foi transformado em um nada, a custa de que se possa plantar ali soja, cana e botar gado para exportação, para alimentar os países capitalistas centrais. Devia chamar Mato Morto, ou ex-Mato”. E continuou: “Os índios estão vendo o céu cair em suas cabeças. Mas dessa vez vai ser na cabeça de nós todos.”

O antropólogo Beto Ricardo/ Divulgação
O antropólogo Beto Ricardo/ Foto Walter Craveiro

Beto Ricardo criticou também a cobertura dada pela imprensa à questões como essa no País. “Quantos nomes de grupos indígenas você conseguiria pronunciar de memória? A imprensa brasileira consegue pronunciar pouquíssimos. Fala em um índio genérico”, disse ele. Ao apresentar a série de publicações intitulada Povos Indígenas no Brasil, o antropólogo aproveitou para cutucar inclusive o público: “Quem quiser não só decorar os nomes das capitais do Brasil, mas os nomes dos povos, pode ler esses livros”. “Os índios tem muito a colaborar para um país mais democrático e diverso”, concluiu.

A última intervenção de Viveiros de Castro, após as perguntas do público, foi talvez a que mais chamou atenção pela dureza e aparente pessimismo, mas foi muito aplaudida. O antropólogo disse sentir vergonha de ser brasileiro quando vê o que se fez com os povos originários dessa terra, ou ainda quando lembra que o Brasil foi o último país no mundo a abolir a escravidão (com exceção da Mauritânia). Para ele, no entanto, o sentimento de vergonha deve ser preservado, já que é também o que gera o sentimento de intimidade com o país: “Se eu fosse francês, teria vergonha do que a França fez na Argélia, na Indochina, na África. Ou seja, ser brasileiro não é especialmente vergonhoso. Ser de qualquer país é vergonhoso, porque todo país é construído em cima da destruição de povos”, explicou. 

Livro de Cabeceira

No domingo, na tradicional mesa de encerramento da Flip intitulada “Livro de Cabeceira”, Viveiros de Castro esteve mais uma vez entre os participantes, e fechou com brilho sua passagem pela festa literária. Ao lado de alguns dos convidados de maior destaque do evento, como Andrew Solomon, Fernanda Torres e Juan Villoro, o antropólogo escolheu ler o trecho de um sermão de Padre Antonio Vieira em que o religioso ressaltava a dificuldade de conversão dos índios brasileiros: “Como diz o Vieira: ‘A gente dessa terra é a mais bruta, a mais ingrata, a mais inconstante, a mais avessa, a mais trabalhosa de ensinar de quantas há no mundo. Outros gentios, outros pagãos, são incrédulos até crer. Os Brasis, ainda depois de crer, continuam incrédulos.’” E Viveiros de Castro concluiu: “Ou seja, esse tema, a ideia de que os índios tem uma inconstância essencial, passou a ser uma espécie de traço definidor do caráter ameríndio, consolidando-se como um dos estereótipos do nosso imaginário nacional. A saber, o imaginário do índio mal convertido, que à primeira oportunidade manda deus, a enxada e as roupas ao diabo e retorna feliz à selva. E eu diria, para concluir, que é graças a isso que os índios continuam a salvo dos seus salvadores”.  


Comentários

12 respostas para “Temos que aprender a ser índios, diz antropólogo”

  1. Avatar de Joaquim Filipe
    Joaquim Filipe

    Parece-me que já é tarde, isto já não tem volta este ser humano cada vez tem mais ganancia e cada vez mais consome, quem que quer ir viver para a mata

    1. Avatar de rubens antelmo
      rubens antelmo

      é q a ficha ainda não caiu para alguns privilegiados, mas vai cair e mesmo que pareça tarde, com toda desgraça, será a vez do novo….

  2. Avatar de Max Müller
    Max Müller

    Temos que aprender a ser índios, se quisermos sobreviver à destruição capitalista incivilizada.

  3. Avatar de Rubens Cunha
    Rubens Cunha

    Foram vários os tipos de violência cometidos contra os índios no Brasil, algumas menos explicitas, como no caso do meu bisavô: que nasceu Tupinambá, mas teve que retirar o seu nome indígena, quando no seu registro na sua certidão de nascimento no cartório, pois precisou conseguir emprego na capital, Belém do Pará, e como índio era considerado inimputável, mas também incapaz e assim não conseguia trabalho formal. Tendo o seu sobrenome alterado para Cunha (por conta da referencia? ao colonizador Português, Aires da Cunha). Dai nós, seus descendentes termos este sobrenome.

  4. Avatar de antonieta zaccarelli
    antonieta zaccarelli

    Está bien dicho. “Tenemos que aprender a ser indios” Mejor dicho tenemos que re conectarnos. Y en el momento que esto ocurre, nuestra vida cambia, nuestra genetica, pensamiento y evolución. Empezamos a necsitar el agua límpia y pura, la tierra para nuestrao alimentos, el aire y el fuego, así empezamos el sendero, que comenszamos en los 60 y ahora se ha transformado en el mensaje de supervivencia, de miles y millares de jovenes y abuelos de esa época. Y esto lo tenemos que agradecer a los profetas y nativos originales, que fueron los primeros en enseñarnos, a vivir una vida integrada, amada y experimentada en su totalidad.
    Gracias por el mensaje de la pagina

  5. Parabéns a esses antropólogos! merecem todo o meu respeito …pessoas evoluídas e que tenha coragem de denunciar a realidade como eles que o mundo precisa cada vez mais … pq tudo isso é devido a ganancia o egoismo e ignorância do ser humano. Por isso não podemos ser alienados e comodos , tapando os olhos para a realidade … e não ficar apenas resumidos a mídias falsas e interesseiras. Realmente temos que seguir o exemplo dos verdadeiros “donos da terra” pq eles sim possuem sabedoria e compaixão por todos os seres… é somente isso que precisamos para tentar amenizar um futuro caótico para a humanidade.

  6. Avatar de henrique serrano
    henrique serrano

    “os Brasis ainda depois de crer, continuam incrédulos” Devem ter deixado o Vieira maluco! Mas essa me parece a lógica da coisa: é mais fácil mudar o biológico do q o cultural. Ainda mais quando a moeda de troca é um Deus raivoso e vingativo

  7. Avatar de walter craveiro
    walter craveiro

    Por favor, o crédito das fotos é obrigatório.
    Obrigado

  8. Avatar de Meca Meireles
    Meca Meireles

    Grande apresentacao a do antropologo Viveiros de Castro. Mostrou clareza quanto ao genocidio indigena, a falta de respeito dos congressistas em relacao a nossa CArta Constitucional.

    E preciso comecar uma campanha tambem pelos recem contatados indios do Peru q estao buscando sobreviver do lado brasileliro(Acre).

    Ja passou do tempo de ficarmos apenas falando, a Belo Monte e tantos outros projetos de destruicao estao em curso em toda Amazonia, e uma vergonha que eles continuem com dinheiro publico e privilegiando cada vez mais as grandes empreiteras.

  9. Avatar de suelane moraes
    suelane moraes

    Acredito de verdade neste retorno à mãe natureza. N vejo outra saída p nós. Meu ser almeja esse futuro.

  10. Avatar de Maria Aparecida da Silva Corrêa de Oliveira
    Maria Aparecida da Silva Corrêa de Oliveira

    Excelente artigo…Precisamos mesmo a aprender a nós defender e a defender nossos índios….
    Melhor que sejam duros a quem chega paradesteui-los..
    Parabéns….

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.