Tom Jobim, segundo Ruy Castro e Nelson Pereira dos Santos

O contrabaixista Tião Neto, Tom Jobim, Stan Getz, João Gilberto e o baterista Milton Banana, durante as gravações de "Getz/Gilberto" (março de 1963)
O contrabaixista Tião Neto, Tom Jobim, Stan Getz, João Gilberto e o baterista Milton Banana, durante as gravações de Getz/Gilberto (foto: David Drew Zingg, março de 1963)

“Tom Jobim era da área da extrema sensibilidade musical. Escrevia coisas como: ‘… É pau, é pedra / É o fim do caminho’. Repetia isso 20 vezes, uma coisa absurdamente simples, daí vem o Leonard Feather, o maior crítico de jazz americano e decreta: ‘Essa é uma das cem maiores melodias do Século 20!’. Porra, o cara repete duas notas e é uma das cem melodias do século?! Essa sensibilidade que o Tom tinha é algo único. Isso é coisa que só Mozart ou Erik Satie faziam.”

O depoimento acima foi registrado em fevereiro de 2011, ocasião em que o maestro Julio Medaglia concedeu longa entrevista para a edição 43 da Brasileiros (leia). Sofisticado e dono de um rico repertório cultural, Tom Jobim – que nasceu Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim e partiu há exatos 20 anos, completados nessa segunda-feira, 08.12 – foi muito mais do que uma unanimidade entre seus pares de batuta e os círculos restritos dos decanos da crítica de jazz mundial. A influência da obra deixada por ele norteou inúmeros intérpretes e compositores populares ao redor do mundo. Inspiração tamanha que, no final dos anos 1960, sindicatos dos músicos ao redor dos Estados Unidos chegaram a delimitar cotas de brasileiros atuantes no país, por conta da enorme demanda de instrumentistas que dominassem, com  excelência nativa, a síncope da Bossa Nova, muitas vezes indecifrável para os músicos americanos.

Essa “Invasão Brasileira” teve início em 21 de novembro de 1962 quando, ao lado de João Gilberto e do baterista Milton Banana (entre outros músicos que se apresentaram no evento), Tom Jobim subiu ao palco do lendário Carnegie Hall, em Nova York, armado de novos horizontes harmônicos e melódicos e o canto despojado do amigo baiano. Lançados os estatutos da Bossa Nova em terreno estrangeiro Tom emplacou, em 1963, com o convidativo título The Composer of Desafinado Plays (ouça), seu primeiro álbum internacional pela Verve Records. Mas foi ao lado do amigo João e a partir de março de 1964 – quando chegaram às lojas dos Estados Unidos os primeiros exemplares do álbum Getz/Gilberto, produzido por Tom para a Verve – que ele tomou o mundo de assalto.

Embalado pelo sucesso de Garota de Ipanema e Corcovado – ambas na voz sublime e frágil de Astrud Gilberto (leia reportagem sobre ela), então mulher de João – Getz/Gilberto flagra a tensa parceria entre o saxofonista Stan Getz e o genial baiano. O LP tornou-se um clássico e vendeu milhões. Projeção que abriu caminho para que Tom lançasse, nos EUA, outras obras-primas de sua discografia, como Wave (1967), Stone Flower e Tide (1970). O êxito de Getz/Gilberto também contribuiu para um encontro histórico: em 1967 Tom dividiu um álbum com ninguém menos que Frank Sinatra. Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim foi lançado, também pela Verve, naquele mesmo ano (veja os dois em apresentação ao vivo, em novembro de 1967). Embora seja um álbum brasileiríssimo Elis & Tom (1974), outro grande sucesso da discografia do maestro, também foi registrado nos Estados Unidos, em Los Angeles, mas com arranjos de Cesar Camargo Mariano, então marido de Elis Regina (leia perfil do músico).

Ao longo dos anos 1980 e 90, Tom alternou estadias entre seu apartamento em Nova York e o sítio Beira-Rio, na região serrana do Rio de Janeiro. A pequena estrada de terra batida que levava ao refúgio espiritual onde ele compôs Águas de Março foi eternizada na bucólica Dindi.

Amante da natureza e obcecado por pássaros, a ponto de compor odes musicais e poemas à sabiás e urubus, o maestro foi um apaixonado pela vida. Morreu aos 67 anos, vítima de um câncer de bexiga, em 8 de dezembro de 1994 – infeliz coincidência, exatos 14 anos depois da trágica morte de John Lennon, outro grande símbolo de humanismo e sensibilidade artística do século do 20.

Em fevereiro de 2012, o maestro foi homenageado na cerimônia do Grammy 2012 pelo conjunto de sua obra. Ele foi o primeiro brasileiro a conquistar o prêmio. Como Lennon, Tom Jobim segue universal e eterno.

MAIS: 

Em homenagem ao maestro, relembramos a reportagem especial de Ruy Castro Anatomia de um Disco. A matéria trata dos bastidores do álbum Getz/Gilberto, foi capa da edição 9 da Brasileiros e traz fotos exclusivas de David Drew Zingg. Leia também entrevista com Nelson Pereira dos Santos publicada na ocasião em que o cineasta lançou o documentário A Música Segundo Tom Jobim (veja o filme abaixo). Recomendamos também a audição de cinco clássicos da discografia jobiniana.  

Íntegra do documentário A Música Segundo Tom Jobim


Cinco álbuns essenciais da discografia de Tom Jobim: 

Wave (1967)

Tide (1970) 

Stone Flower (1970) 

Matita Perê (1973)

Urubu (1976)

Veja também o maestro se apresentando com o amigo João Donato no programa Steve Allen Show, nos EUA, em 1964 (leia entrevista com o pianista acreano): 

 


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