Como é a vida escolar em um país em situação em guerra? É difícil visualizar estudantes felizes ou esperançosos, certo?
O fotógrafo norte-americano Ruvan Wijesooriya foi atrás dessa resposta quando propôs produzir um anuário de uma escola do Afeganistão, projetada por uma organização sem fins lucrativos em Mir Bacha Kot, cidade bastante afetada pela guerra civil que assola os afegãos há 30 anos. Por lá não encontrou as respostas mais óbvias. O que encontrou foram turmas esforçadas em um espaço ainda precário, embora inclusivo e em crescimento. E mais: encontrou várias crianças felizes e esperançosas dispostas a sorrirem, muitas pela primeira vez, para uma câmera.
Além de fotografar todos os estudantes e professores, dos mais novos aos mais velhos, Ruvan fotografou o dia a dia da escola e também deixou que os próprios alunos fotografarem a rotina escolar. Também perguntou para alguns quais eram suas matérias favoritas e quais eram seus objetivos e sonhos. Realizado em 2011, o projeto ganhou vida online recentemente, em um site onde é possível visualizar todo o material produzido. Para acessá-lo, clique aqui.
Brasileiros conversou com o Ruvan para entender melhor o processo:
Brasileiros – Uma das coisas mais legais do seu projeto são as fotos tiradas pelos próprios estudantes. Como essa ideia surgiu e o que você achou dos resultados?
Ruvan Wijesooriya: Nos anuários americanos, geralmente tem uma seção onde os estudantes colocam fotos que eles tiraram da vida ao redor da escolar. Essa foi minha maneira de fazer isso. Não é uma ideia nova, mas é bonito e funciona no sentido de se obter a perspectiva deles sobre a vida escolar. Eu amei demais os resultados, você pode imaginar minha alegria e surpresa quando recebi os filmes de volta.
O país está em guerra há 30 anos. Eu não podia ficar muito tempo na escola e fiquei no Afeganistão por duas semanas. Foram as duas semanas mais longas da minha vida. Eu mal dormia porque havia tanto para se fotografar e eu estava sempre andando. Por conta de um protesto em Kabul, no dia que estava fotografando para o projeto, eu estava sob muita pressão e tive que fazer todas as 250 fotos em 2 horas e meia.
Li que você escolheu fotografar com filme de 35mm para deixar o trabalho atemporal. Você tem um trabalho focado na fotografia analógica, pode falar sobre isso?
Eu acho que a fotografia analógica responde melhor. É a diferença entre o muito bom e o excelente. O digital é, de longe, muito melhor quando se documenta coisas inanimadas. Acho que tem a ver com a luz e como o filme captura a luz, enquanto o digital “escaneia” a luz. Além disso, o filme tem granulação e a granulação é redonda. Pixels são quadrados, poucas coisas na natureza são quadradas….
Você teve algum retorno das crianças? Se passaram quatro anos das fotos, o que elas comentaram?
É muito perigoso e um pouco difícil ir até lá. Para esta viagem eu tive ajuda da Roots of Peace, uma instituição sem fins lucrativos da Califórnia que ajudou a construir a escola. Toma muito tempo, dinheiro e organização voltar lá e não estou em condições para isso. Fui capaz de mandar as fotos de volta para os estudantes, o que foi uma parte importante e crucial do projeto, mas perdi o contato de onde eles estão, já que a maioria vive em condição de pobreza e tem limitados recursos de comunicação, fora a questão da língua. Mas eu acredito que essa experiência, no geral, é algo que eles não esquecerão, assim como não esqueci o meu primeiro retrato na escola. Eu certamente não esquecerei a experiência de fotografar eles.
Você pretende repetir essa experiência em outro lugar?
Meu objetivo é fazer mais anuários pelo mundo para que nos próximos anos tenhamos como comparar e ver de um novo ponto de vista questões como a desigualdade de gêneros – coisas que podemos ver visualmente no yearbook, onde temos um número igual de menino e meninas na classe 1, poucas meninas na classe 4 e nenhum garota na classe 9. De diversas maneiras, este projeto tem camadas de significados, e eu acredito que alguns deles apareceram como tempo. Se essa minha ideia estiver ok, fará mais sentido voltar a escola daqui a dez anos para ver se a desigualdade de gêneros mudou.
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