Um combatente das palavras

Marcos Ana ficou preso durante 23 anos e foi condenado à morte duas vezes pelo governo de Francisco Franco. Foto: Vidas Ajenas
Marcos Ana ficou preso durante 23 anos e foi condenado à morte duas vezes pelo governo de Francisco Franco. Foto: Vidas Ajenas

Aos 19 anos de idade, em maio de 1939, o poeta comunista Marcos Ana foi preso pela ditadura do presidente Francisco Franco. Responsável pelo golpe de estado que deflagrou a Guerra Civil Espanhola, Franco ficou no poder de 1936 a 1973. Quando pego pelos militares, Ana ainda se chamava Fernando Macarro Castillo. Na prisão, resolveu homenagear seu pai, Marcos, e sua mãe, Ana, fundindo seus nomes. A mãe também havia sido capturada pelo regime. A alegação para a prisão foi que ele participava das Juventudes Socialistas Unificadas, uma fusão das juventudes do Partido Comunista de Espanha (PCE) e do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE). 

Durante os 23 anos que Ana ficou preso, foi condenado à morte duas vezes. Todos os dias, exceto aos domingos, às seis da manhã, prisioneiros eram fuzilados. Eram chamados nome a nome ao longo da madrugada todos aqueles que seriam executados com o nascer do Sol. As condenações eram calcadas em acusações de três assassinatos e de escrever um jornal comunista.

As decisões, que antes eram pela morte de Ana, acabaram se convertendo em um total de sessenta anos de prisão. Ao sair do julgamento, o poeta gritou de felicidade: era a certeza de que sobreviveria e que ficaria livre. Afinal, havia um decreto que dizia que os prisioneiros poderiam ficar encarcerados por, no máximo, 20 anos ininterruptos.
 
Os rascunhos de seu primeiro livro, Poemas de Cárcere, foi trazido por amigos para o Brasil e publicado em 1960, pela editora Brasiliense. Espremia os versos em papeis de enrolar cigarro, escrevendo com a cabeça de um alfinete. Sua escrita mobilizou Rafael Alberti, Salvador Allende e Pablo Neruda na luta pela sua soltura. Após a liberdade, em 1962 – conseguida por meio de intervenção da Anistia Internacional –, Ana passou a dedicar sua vida à lutar pela anistia de todos os presos políticos. Para isso, usou as palavras, tornando-se um símbolo cultural da resistência. Sem nada de posses, passou a viajar por todo o mundo e se intitulou “Cidadão da Via Láctea”.

Seu poema mais conhecido, Diga-me Como é uma Árvore – também título de um de seus livros –, narra o legado de um eu lírico que, com tantos anos em cárcere (22 na época), não sabia mais qual eram coisas simples da vida. O último verso dá conta de mostrar que Ana escrevia às escondidas: “Não posso continuar [a escrever o poema]/ escuto os passos dos funcionários”, encerra. 

O poeta, natural de Salamanca, morreu no último dia 24. Tinha 96 anos, mas Ana defendia uma cronologia particular para si: subtraia 23 anos sempre que falava de sua idade, porque não contava os anos que ficou na prisão. Pode-se considerar, então, que faleceu aos 73 anos em Madri, deixando órfãos de sua literatura e de seu ativismo. No sábado, 26, aproximadamente 1200 pessoas se reuniram no auditório madrilenho Marcelino Camacho para se despedirem do poeta. Entre intelectuais, artistas, políticos e ativistas, destacaram-se nomes como o cineasta Pedro Almodóvar e Pablo Iglesias, líder do Podemos.

Emocionado, Pablo publicou no Twitter uma foto de um presente que Ana deixou para ele: um livro com dedicatória, reiterando o orgulho que tinha por serem parceiros de luta pela liberdade. Alberto Garzón, coordenador da Izquierda Unida também recebeu um exemplar, com os dizeres “Sempre na luta”. Com iniciativa do Podemos, a Comissão da Cultura do Congresso homenageou o poeta na terça, 29. A atividade seguiu com a leitura do poema Pequena Carta Ao Mundo. Ao final, todos bateram palmas menos Toni Cantó e Félix Álvarez, deputados do partido de oposição, o liberal Ciudadanos. 
 


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