A beleza que se põe à mesa

O presidente do Boticário Artur Grynbaum, fala à Brasileiros - Foto: Luiza Sigulem
O presidente do Boticário Artur Grynbaum, fala à Brasileiros – Foto: Luiza Sigulem

O setor de perfumaria e cosméticos tem um mantra: “Mesmo em crises, você pode não ter dinheiro para comprar uma geladeira, mas não resiste a um batonzinho novo”. A citação é de Artur Grynbaum, presidente do Grupo Boticário, que não demonstra temor de uma temporada de maus resultados da economia brasileira.

Sediado em São José dos Pinhais (Paraná), o grupo é líder do setor no Brasil. O conglomerado celebra cinco anos de existência neste mês de março e tem quatro negócios: O Boticário; Eudora; Quem Disse, Berenice? e The Beauty Box.

Tudo começou pelas mãos de Miguel Krigsner, no ano de 1977, em uma lojinha no centro de Curitiba que aviava receitas. Grynbaum, cunhado do fundador e hoje sócio do Grupo com participação de 20%, foi o propulsor do sistema de franquias a partir de 1986. Uma cliente que revendia produtos Boticário na Embaixada da França, Laura Oliveira, foi a primeira franqueada da marca, em 1979, com uma loja no aeroporto de Curitiba. 

A falta de água não assusta Grynbaum por que os estados do Paraná e da Bahia, onde estão situadas as unidades fabris do grupo, não vêm sofrendo com a escassez hídrica. Mesmo no ano passado, ruim para os negócios, o grupo deve ter crescido de 16% a 18% e faturado R$ 9,3 bilhões. A seguir, os principais trechos da entrevista que Grynbaum concedeu à Brasileiros.

Brasileiros – Quando foi fundado O Boticário?
Artur Grynbaum: Meu cunhado e hoje sócio (Miguel Krigsner) fundou a primeira loja em 1977, em Curitiba. Era um pequeno laboratório de manipulação de receitas.

Ele já começou fazendo produtos cosméticos?
Miguel começou com a aviação das prescrições médicas dos clientes. Mas, desde o primeiro momento, teve um olhar muito diferenciado sobre o negócio. A própria cultura de onde viemos determinou o caminho. Meus pais passaram pelo período da guerra (Segunda Mundial), foram para a Bolívia, sempre transitando pelo mundo dos negócios. Naquele tempo, a pessoa levava a receita até a loja e esperava ficar pronta. Miguel fez um ambiente confortável, com lugar para sentar, ar-condicionado, cafezinho. Com a clientela crescente, ele passou a oferecer três produtos: um shampoo de algas marinhas, um creme e uma fragrância chamada O Boticário. As pessoas não só gostaram como indicaram os produtos e voltaram para fazer mais compras.

Quais eram os competidores nessa época?
Só para a gente ter a ideia de cronologia, comecei a trabalhar na empresa em 1986. A farmácia foi fundada em 1977 e a primeira loja fora do centro de Curitiba foi aberta em 1979, no Aeroporto Internacional Afonso Pena, próximo à capital. Em 1982, construiu-se a primeira fábrica, em São José dos Pinhais (PR). Nos anos 1980, não havia muitas opções de produtos de qualidade no mercado. Encontravam-se itens em farmácias, marcas bem mais populares, e algumas melhores vendidas porta a porta.

Como Avon?
Justamente. Aí começaram a surgir empresas com modelos parecidos com o nosso, após decidirmos abrir franquias. Nosso primeiro piloto franqueado foi em Brasília. A história é boa. Uma das nossas clientes da loja do aeroporto de Curitiba era funcionária da Embaixada da França: Laura Oliveira. Ela revendia bem nossos produtos. E foi nossa primeira franqueada na capital do País, em 1980. A partir de 1986, formatamos oficialmente a franquia e passamos a ter somente lojas exclusivas. Nossos competidores, à época, eram empresas como Água de Cheiro e L´acqua di Fiori.

Quantas lojas existem hoje?
No Grupo Boticário, são 3.912 lojas.

Qual foi o investimento inicial do negócio?
Miguel adora contar essa história. Ele pegou US$ 3 mil emprestados do pai.

A primeira fábrica foi construída em São José dos Pinhais (PR) e agora há uma na Bahia (Camaçari), inaugurada no fim de 2014. Por que a Bahia?
Porque queríamos estar mais próximos de um grande mercado consumidor do País. 

Isso se relaciona com a ascensão das classes C, D e E?
Sim, mas também tem a ver com a natureza das pessoas. Por causa do clima, elas tomam banho várias vezes ao dia, passam creme, se perfumam. Logisticamente, passamos a atender Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Por que o senhor escolheu o modelo de venda em lojas físicas e não a opção porta a porta, com revendedoras?
Naquele momento, não era atraente usar o modelo de revendedoras. Hoje, dentro do Grupo temos a Eudora, multicanal, cujo principal canal é o porta a porta. Nosso modelo principal é ter um local físico mesmo. É muito comum fora do País haver produtos espalhados em lojas de departamento. Mas consideramos que, em um ponto de venda exclusivo, é possível contar muito mais sobre os valores da marca e da sua história. E vivenciar os produtos sensorialmente. A consultoria das vendedoras também é muito importante, que faz toda a diferença, porque elas sabem profundamente as características de cada produto.

Os senhores realizam treinamentos com as vendedoras?
Nós treinamos toda a rede de franqueados, os gestores de negócios, as consultoras nas lojas e as que trabalham porta a porta, para que investiguem qual a necessidade de nossos consumidores.

Quando houve a abertura de produtos importados no governo Collor, em 1992, qual foi a estratégia de vocês?
Nós nunca tivemos problema com a concorrência de bons produtos. Temos uma qualidade altamente percebida pelos consumidores aqui e no exterior. O que aconteceu nessa época foi uma invasão de produtos baratos sem tanto valor agregado. Por incrível que pareça, aumentamos as vendas naquela época. Por exemplo, nossa maquiagem era de qualidade muito melhor. Além disso, fomos a primeira empresa brasileira a ir atrás a atributos de embalagem. O primeiro design, do Floratta, fomos buscar na França. Em vez de nos encolhermos e esperarmos o ataque, fomos realçar o visual dos produtos para poder competir em bases iguais.

O senhor considera que há a questão da fidelidade ao produto de beleza?
Há diversos tipos de consumidor. Costumo brincar que meu pai usava uma única loção pós-barba. A gente conhecia a pessoa pelo cheiro. Hoje, não. O perfume ou a maquiagem estão relacionados ao que você vai fazer. É normal combinar a roupa com a fragrância. É comum ainda usar um perfume para o trabalho e outro para uma festa.

Qual a vantagem de se franqueador?
O principal atrativo é ter várias pessoas inteligentes pensando em um único negócio; a experiência e o interesse de pessoas que trabalham no mesmo negócio. Não é só investimento: é operar a marca, vivenciá-la, puxar as questões relevantes e melhorar a empresa. Eu, como franqueador, sou um contador de casos de franqueados que tiveram boas ideias. Converso e faço sugestões de gestão que me foram passadas por outros da nossa equipe. Isso é inteligência de rede.

Como a desaceleração da economia em 2014 afetou O Boticário?
Afetou todos os setores de bens de consumo. Chove pra todo mundo. A questão é como se está preparado para enfrentar a chuva. Mas nós temos grande resiliência a crises: é o efeito batom. Você pode não ter dinheiro para comprar uma geladeira, mas um batonzinho você vai querer comprar. De todo modo, é um setor que depende da renda disponível para consumo. Quanto menos o País cresce, menos o setor crescerá.

Quanto o grupo cresceu em 2104?
Deve ter crescido de 16% a 18%. O grupo faturou cerca de R$ 9,3 bilhões.

O grupo está planejando investir neste ano?
Nós fizemos ciclos de investimento muito fortes no passado recente. No ano da crise mundial, em 2008, fizemos um grande investimento: R$ 175 milhões. De 2010 até agora, investimos cerca de R$ 850 milhões, para a abertura de um novo centro de pesquisa e desenvolvimento, de uma fábrica em Camaçari (BA) e de um centro de distribuição. Estamos sempre preparados para investir. Em anos de crise é que aparecem as oportunidades.

O senhor investe com recursos próprios da empresa ou usa linhas bancárias?
Com recursos próprios e também linhas de longo prazo do BNDES ou do Banco do Nordeste.

Na região de Curitiba, não há crise hídrica…
Graças da Deus, não. A produção segue normal.

Há regiões prioritárias para o Grupo Boticário?
Todas as regiões são prioritárias para nós. O que decidimos foi construir uma fábrica em Camaçari (Bahia), para atender às regiões Norte e Nordeste, porque a de São José dos Pinhais atendia bem às regiões Sul e Sudeste. Temos dois centros de distribuição nas duas áreas: um em Registro (SP) e outro em São Gonçalo dos Campos (BA). Com eles, atendemos o País todo.

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, disse que vai elevar a taxação de produtos de beleza no atacado. Como isso afeta o Grupo Boticário? O senhor chegou a conversar com o governo sobre isso?
Afeta a todos nós do setor e tira nossa competitividade. Teremos um produto internacional que não gera empregos e renda no nosso País com condições mais favoráveis do que o nacional. Nossa interlocução com o governo se dá por meio de associações: Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec), Associação Brasileira de Franchising (ABF) e Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV) – esse último ajudei a fundar há dez anos.

O Boticário está presente em oito países (Angola, Colômbia, Estados Unidos, Japão, Moçambique, Paraguai, Portugal e Venezuela). Como foi a decisão de internacionalização?
Em 1983, havíamos feito algumas tentativas aqui na América do Sul, em países de fronteira. Mas a experiência para valer aconteceu em 1986, em Portugal.  Naquele momento, achávamos que esse país era a porta de entrada para os demais na Europa, por uma questão de proximidade, língua e cultura. Chegando lá, vimos que isso não existia. Tudo era muito diferente. Mas decidimos manter a operação e hoje somos a maior rede de varejo de Portugal: temos 55 lojas lá. A partir dessa experiência, fomos a outros países, com modelos flexíveis para adaptação local. A mais recente foi a abertura, no fim de 2014, de uma loja na Colômbia, país que passou por várias reformas políticas, institucionais e econômicas e parece ter um belo futuro. 

São quatro marcas dentro do guarda-chuva do Grupo Boticário: Boticário; Eldora; quem disse, Berenice?; e Beauty Box. Quais são as características de cada uma? Por que houve essa segmentação?
Começamos a fazer a segmentação a partir da criação do Grupo Boticário, há cinco anos. Antes disso, claro que pensávamos em diversificar. Mas optamos por fortalecer O Boticário enquanto franquia. Não queríamos perder o foco. Queríamos fazer de O Boticário um exemplo mundial de como ser a melhor franquia, dar atendimento de ponta ao franqueado e ao consumidor. Por exemplo, nossa comunicação com o franqueado é via satélite. As lojas recebem informações simultaneamente, independentemente de sua localização geográfica. Mas nosso time de trabalho tem espírito empreendedor; gosta de novidades. E todas as ideias não cabiam no espírito de O Boticário. Entre 2006 e 2007, chegamos à conclusão de que tínhamos boas competências internas: elaboração de marcas, distribuição, logística, matéria-prima… Conhecíamos um pouco de cada coisa. Avaliamos que o Brasil, mesmo com a crise de 2008, apresentaria um bom desempenho. Trabalhamos novas marcas para dar robustez ao grupo e oferecer às pessoas mais opções de consumo. Nosso mercado é muito aberto a novidades; gosta de experimentar produtos. Nós não abrimos outras marcas porque O Boticário estava estagnado. Ao contrário.

Qual foi a cronologia da criação das marcas?
A primeira foi a Eudora, destinada àquela mulher poderosa, que trabalha muito bem a sua sensualidade. Escolhemos, na plataforma multicanal, que a marca usasse a venda direta, por meio de catálogos. Isso foi em 2011.  Em 2012, lançamos quem disse, Berenice? É a marca especialista brasileira em maquiagem. Nesse projeto, a gente deixa a mulher ousar. Questionamos tudo: Por que não usar batom vermelho durante o dia? Por que não usar uma cor de esmalte nas mãos e outra nos pés? É um espírito mais livre, jovem. A Beauty Box foi uma alternativa para o consumidor ter uma marca internacional em seu portfólio: cerca de 80% dos itens comercializados na Beauty são internacionais. Temos hoje uma oferta ampla para todos os tidos de gostos.

Quanto é vendido online e quanto nas lojas físicas?
O online é pequeno ainda. Não chega a 10% do total das vendas. Usamos este canal mais para relacionamento e conhecimento dos consumidores.

Quantos produtos existem no portfólio do grupo?
Fazemos dois mil desenvolvimentos por ano e temos nove mil no total.

De onde vem a matéria-prima para os produtos?
Temos uma grande parte que vem fora do País, mas usamos bastante uma base de fornecedores que produz a fragrância que precisamos a partir dos nossos briefings.

Algo é originário da Amazônia?
Não. Nossa proposta não é esta. Nosso fornecedor busca a matéria-prima e nós fazemos a escolha a partir da oferta dele.

O Boticário tem uma preocupação muito grande com sustentabilidade. O que é esse conceito para o senhor?
Antes era um valor que tínhamos e não sabíamos muito bem como traduzi-lo. Lá atrás, nos anos 1980, quando havia enchentes no Sul, doávamos produtos para a arrecadação de roupas e alimentos. Em 1990, criamos o Grupo Boticário de Proteção à Natureza, porque queríamos contribuir para a causa do meio ambiente. Para nós, não é meramente um jargão: sustentabilidade é um jeito de olhar a sociedade e como trabalhamos diante da realidade.

O que os senhores têm de iniciativa?
Temos várias. Dentro de casa, a sustentabilidade é inserida no modelo de O Boticário. Ao abrir uma loja, por exemplo, o franqueado tem de usar lâmpadas econômicas e madeira certificada. Fazemos um trabalho com todos os gestores do grupo, no qual elaboramos um plano de 20 anos para a sustentabilidade. Enfocamos o ciclo de vida dos produtos (seus componentes, a matéria-prima), ecoeficiência e canais de venda. Estamos criando indicadores para que nossas empresas possam se balizar e criar mais valor para a sociedade.

Vocês apoiam atividades culturais?
Temos a Fundação Boticário que apoia projetos como de fauna e flora. Do lado mais corporativo, apoiamos a dança, porque ela expressa a alegria e permite a participação de comunidades mais carentes na arte. Realizamos um Festival Boticário de Dança, que presta apoio a diversos grupos locais. Isso no Brasil todo. Também damos especial atenção às comunidades no entorno. Temos um programa de apoio às gestantes e cursos profissionalizantes para preparar as pessoas para serem nossos futuros empregados.

O grupo pretende abrir capital em Bolsa?
No curto e médio prazo, não. Nosso modelo, apesar de familiar, tem uma gestão profissional e somos muito bem-sucedidos.

Quantos funcionários tem o grupo?
Temos 900 franqueados. O grupo Boticário emprega diretamente sete mil pessoas. Acrescentando a rede de franquias, mais 25 mil. As quatro unidades de negócio têm 3.912 pontos de venda (160 abertos em 2014) e, ao todo, estão distribuídos em 1.750 municípios brasileiros.


Comentários

2 respostas para “A beleza que se põe à mesa”

  1. Avatar de Ana Florencia
    Ana Florencia

    Realmente somos pessoas muito vaidosas. Eu também adoro me cuidar e saber das novidades da área estética. Recentemente fiz uma hidratação facial na Montenegro Cirurgia Plástica e gostei muito do resultado. Indico a clínica para quem tiver interesse.

  2. A marca chama Eudora, e não Eldora, como publicado.

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