Nada entusiasma mais o empresário Flávio Rocha que falar da democratização da moda e das transformações vividas pelo País nos últimos dez anos. O fato de as duas coisas estarem intimamente ligadas parece questão acessória. Nascido em Recife (PE) há 56 anos, mas criado em Natal, Rocha preside a lojas Riachuelo, do Grupo Guararapes. À frente da maior rede do varejo de moda brasileiro, Rocha discorre com empolgação sobre a descoberta da moda pelo consumidor emergente e vice-versa. “Acreditamos que esse conceito de castas na moda é uma coisa absolutamente ultrapassada”, afirma.
Com esse foco, a Riachuelo abriu no final do ano passado, embaixo de muito barulho por parte da mídia e também dos consumidores, sua primeira unidade em um endereço considerado “chique” para uma rede cujo tíquete médio é de R$ 150 divididos em cinco prestações: a esquina das ruas Oscar Freire com Haddock Lobo, em São Paulo. De candidata a estranha no ninho em pleno endereço apontado como “o mais fashion do Brasil”, a unidade da Oscar Freire – que vende exatamente os mesmos produtos de toda a rede – tornou-se a de melhor desempenho comercial do grupo. No fim de maio, a empresa inaugurou mais uma unidade, desta vez na avenida Paulista, com grande expectativa em relação ao desempenho. Em 2013, o grupo Guararapes lucrou R$ 420,6 milhões, 15,1% mais que no ano anterior, com faturamento líquido de R$ 4 bilhões (14,8% maior). Só no primeiro trimestre deste ano o lucro já cresceu 173%.
Eleita a mais valiosa marca da moda brasileira e a 33ª do País em 2013, a Riachuelo possui cerca de 215 lojas – e pode ter aberto algumas mais, enquanto você lê esta entrevista, concedida em São Paulo na manhã do dia 23 de maio. A média tem sido de 45 inaugurações por ano, para cumprir a meta de dobrar de tamanho em quatro anos e ter o mesmo volume de lojas abertas desde que seu pai e seu tio, Nevaldo e Newton Rocha, deram início às atividades empresariais da companhia, em 1947, em Natal.
Para dar conta do recado, a empresa criou um plano de investimento de R$ 2 bilhões em quatro anos – iniciado em 2013. Não só para abrir pontos de venda, mas também para abastecê-los com a produção própria de roupas de sua estrutura supervertical – ou integrada, como prefere o empresário – em que tudo é produzido em casa. A liderança é assegurada por uma grande operação financeira, que sustenta o negócio até que o cliente pague sua última parcela de compra no cartão – um ciclo que pode durar longos 400 dias.
Com a maior base de cartões próprios do varejo brasileiros, 23 milhões, a empresa começa uma operação para trocar ao menos metade deles por cartões co branded, ou seja, com a marca da loja e as bandeiras Mastercard e Visa, aceitos por todo o varejo. Com isso, atende a dois anseios: o do consumidor de classe média emergente, sequioso por um cartão de crédito, e o de ver o nome Riachuelo cada vez mais exposto.
Esperançoso em relação ao futuro da economia brasileira, Rocha, ex-deputado pelo Rio Grande do Norte, considera o custo Brasil como o grande problema econômico do País, mas acredita que ele será combatido pela mudança de visão do brasileiro em relação ao funcionamento do Estado. E o consumidor emergente, o mesmo que catapultou o desempenho da Riachuelo, é um dos principais agentes desse debate ao exigir cada vez mais eficiência e respeito por parte do serviço público.
Otimista em relação à Copa do Mundo – “acho que temos grande chance de ganhar” – esse torcedor do Corinthians revela-se um viciado em musculação. Pratica de segunda a sábado, pela manhã. Gosta tanto que vez ou outra malha escondido aos domingos, contrariando a orientação do personal trainer de descansar ao menos um dia por semana. As sessões de natação e de caminhada na esteira, ao contrário, ficam restritas a quando sobra tempo no fim do dia. O que não quer dizer que o trabalho consuma seu tempo tanto assim. Costuma sair de sua casa nos Jardins pela manhã e chegar aos escritórios da empresa, na Casa Verde, zona norte de São Paulo, às 9h. Deixa o trabalho entre 18h e 18h30 sem culpa. “A fórmula do workaholic não é boa”, explica. “A felicidade está no prazer de vir trabalhar de manhã com a alegria de voltar para a casa à noite, ter o tempo da família.”
Há algum tempo, seu livro de cabeceira é Capitalismo Consciente, do varejista americano, John Mackey, fundador da Whole Foods, e do acadêmico indiano Raj Sisodia. Autor do prefácio da edição brasileira (HSM Editora, 348 páginas), Rocha conta que o livro mudou sua visão. “É um livro transformador, seminal”, diz. Segundo ele, a tese que permeia a obra é de que empresa que consegue superar a visão do capitalismo tradicional e ter um propósito que envolva de forma equânime acionista, cliente, trabalhadores, fornecedores, comunidade e meio ambiente consegue resultados melhores que aquela que atua na “visão ultrapassada” de que o lucro é o mais importante. “Confesso, constrangido, que acreditei nisso boa parte da minha vida”, diz, sorrindo.
Brasileiros – Qual o objetivo de abrir unidades em endereços como rua Oscar Freire e avenida Paulista?
Flávio Rocha: Toda a estratégia que está por trás dessa transformação na Riachuelo parte da quebra de um paradigma, de desafiar aquela regra número 1 do marketing, de que é preciso segmentar, escolher para quem não vender. Acreditamos que esse conceito de castas na moda é uma coisa absolutamente ultrapassada. Segmentação é um conceito ultrapassado. A informação se universalizou e com ela se universalizaram as aspirações. A informação é instantânea, varre toda a pirâmide social, de A a Z. Fundamentamos nossa estratégia em esvaziar essa premissa e essa visão preconceituosa e levar às últimas consequências a missão e o propósito da empresa, que é alargar as portas da moda. Transformar o que sempre foi um instrumento de exclusão e de preconceito em uma porta de inclusão. Democratizar a moda só é possível por um modelo de negócio absolutamente original e revolucionário, que Harvard Business School batizou de fast-fashion.
O que é o fast-fashion?
Nada mais é que a exploração sinérgica e integrada de todos os elos da cadeia têxtil. Isso, longe de significar uma mera verticalização, que é uma coisa ultrapassada e pesada nos balanços, representa integração, indústria e varejo embaixo do mesmo guarda-chuva acionário. Isso dá baixíssimo custo, que é fundamental para incluir esse imenso contingente que está agora descobrindo moda, dezenas de milhões de brasileiros, e dá velocidade, porque o mundo é dinâmico. Outro paradigma que o fast-fashion quebrou foi esse negócio de coleção de inverno e de verão. No máximo atende-se aí a uma coleção de alto verão.
Como funciona?
Na Riachuelo, lançamos 100 modelos por dia, 35 mil por ano. É uma mutação permanente, e que obrigou os lançadores tradicionais de moda a se repensarem, porque ficar seis meses com a mesma coleção na loja é a monotonia. Toda essa estratégia que parecia impossível, foi até questionada no começo, se confirmou na prática, com a inauguração da Oscar Freire e da avenida Paulista [na última semana de maio]. Quatro dias antes da Oscar Freire, inauguramos uma loja no que deve ser o endereço mais popular do Brasil, a Rua Nova, de Recife. É um formigueiro humano, parecido com a 25 de Março, em São Paulo, só que um terço ou metade da renda per capita. Foi a 35ª inauguração de 2013 e recorde de volume de vendas na inauguração. Quatro dias depois inauguramos no extremo oposto da pirâmide social, ou, agora, do losango social, o que alguns órgãos da imprensa batizaram de “a esquina mais fashion do Brasil”: Oscar Freire com Haddock Lobo. A loja da Oscar Freire arrebatou o recorde de Rua Nova e é até hoje a maior venda por metro quadrado da empresa. Se alguém tinha dúvida sobre o quanto estava ultrapassado esse medieval regime de castas, esse episódio mostrou que moda é uma aldeia global e, se existe alguma segmentação no mundo de hoje, é ente os com estilo e os sem estilo.
220%: Foi o crescimento das vendas nos setores de moda e beleza, ao passo que o crescimento da renda ficou em torno de 40% no mesmo período
Qual é o volume de vendas por metro quadrado da loja da Oscar Freire?
Não divulgamos por loja, porque é uma informação estratégica, mas ela tem sido a maior venda por metro quadrado.
Essa estratégia de lojas em lugares menos óbvios está sendo repetida em outros lugares?
Sim, está. Inclusive a loja da Oscar Freire não é uma loja premium. Ela tem o mesmo mix e os mesmos preços de todas as outras. Senão, estaríamos contradizendo essa crença de que não existe mais segmentação. Tudo que está na Oscar Freire, que é uma espécie de laboratório em que testamos o novo logotipo, o novo uniforme, novos equipamentos, design de loja, porque lá é o cliente sabidamente mais exigente do Brasil, mas tudo está sendo replicado na rede. Nossa loja não exclui ninguém: rico, remediado, baixa rende, não exclui gordo, nem magro. É uma loja de inclusão.
Qual é o ticket médio da Riachuelo?
Por volta de R$ 150,00. Isso tipicamente dividido, na maior parte das vendas, em cinco vezes, pelo cartão Riachuelo, que é outra ferramenta de inclusão. Esse é outro diferencial do nosso modelo. Os grandes cases de sucesso no varejo de moda no mundo são as empresas integradas. As mais icônicas são a Inditex, Zara, H&M, Topshop… A Forever 21, que implementou com sucesso esse modelo integrado nos Estados Unidos, inclusive ressuscitando uma atividade econômica que estava extinta desde 1996, que é a confecção movida a operário americano, a Uniqlo, japonesa. Essas são as integradas que estão puxando o crescimento da cadeia têxtil. Aqui além da integração do varejo com a potente operação têxtil, que vai do fio até a confecção, nós adicionamos um instrumento importantíssimo de democratização que é a operação financeira. Temos a maior carteira de cartões de crédito private label do varejo brasileiros, com 23 milhões.
Inclusive está ocorrendo a substituição do cartão da loja por cartões de crédito com bandeira, não é isso?
Exato. A Midway [financeira criada pelo grupo Guararapes em 2008 para dar sustentação à operação de crédito via cartão Riachuelo] nasceu com o cartão private label, que valem dentro da loja. A partir de agora se intensifica a operação de conversão dessa abundante e preciosa matéria prima para fazer o produto que é a bola da vez do mercado financeiro, que é o cartão de crédito para a classe média. Estamos acelerando esse processo e nossa meta é converter metade dessa base em cartões co branded, ou seja, Visa-Riachuelo e Mastercard-Riachuelo. São dois acordos comerciais que nós temos.
Isso vai agregar mais vendas?
O grande objetivo é transformar o sonho da moda, da inclusão, em uma prestação que caiba no bolso. Dentro dessa filosofia da cadeia integrada, eliminar os enormes conflitos entre o industrial e o varejista, que são visões em conflito e se transformam em sinergias. Os conflitos entre varejista e banqueiro são ainda mais nítidos, ainda mais profundos. Colocamos tudo isso embaixo do mesmo guarda-chuva, eliminando as armadilhas da visão de ótimo local, ou seja, a visão do industrial, do comerciante e do banqueiro. Isso se transforma em eficiência.
Comentou-se que a abertura da Riachuelo na rua Oscar Freire teria levado outras lojas a cogitarem se mudar do local. O senhor tem conhecimento disso?
O que eu tenho visto, inclusive de depoimentos de vizinhos de outras lojas, de marcas bastante fortes, é que a Riachuelo trouxe uma enorme oxigenação à região. Pode perguntar a qualquer vizinho se as vendas dele não subiram para outro patamar depois da inauguração da Riachuelo. Quem fez isso deu um grande passo em falso, sem falar na visão preconceituosa. A vinda da Forever 21, pode perguntar a qualquer lojista do Morumbi Shopping ou do São Conrado Fashion Mall traz uma oxiginação das vendas…
R$ 150: É o valor médio gasto pelos consumidores nas lojas da rede Riachuelo. A maior parte das aquisições é financiada em cinco vezes no cartão
Mas justamente a vinda da Forever 21 ao Brasil provocou reações do público. Houve muita reclamação dos consumidores desses shoppings, principalmente no Rio de Janeiro…
Sim… Mas o que é fato é que a Riachuelo trouxe para a Oscar Freire um aumento de vendas e de público, de todos os segmentos. Cada vez que vou à Oscar Freire, outros lojistas me dão seguidamente esse depoimento.
Fica claro que essa ascensão social ocorrida nos últimos anos no Brasil afetou positivamente seu negócio. Como isso afetou a maneira como a empresa enxerga o mercado?
Foi incrível a transformação demográfica ocorrida no Brasil. Foram duas as transformações. A primeira, anterior à ascensão social, foi o processo igualmente importante que é a democratização da informação. Existiam historicamente, dois segmentos muito estanques e herméticos: o topo da pirâmide, que tinha renda e informação, e uma gigantesca base sem renda e sem informação. O topo eram os consumidores típicos de moda. A base, os consumidores de preço. Com a democratização da informação, passou a surgir, crescer, e foi no que a gente apostou, um terceiro segmento, dos que tinham informação, mas continuavam sem renda. Foram picados pela mosca azul da moda. Felizmente foi o segmento que mais cresceu e o que mais vem crescendo, complementado agora pela renda. A democratização da moda é consequência da junção desses dois fatores.
Esse consumo mais exclusivo, que no Brasil tem um status muito grande, muito mais importante que em outros países, tende a perder a espaço?
Não. Acho que sempre vai existir espaço para o chamado consumo de luxo. A maior demonstração disso é o fenômeno do hi-lo, característico da nossa época, você ver a cada festa do Oscar passar pelo tapete vermelho atrizes, mulheres maravilhosas, com US$ 500 mil, US$ 1 milhão em joias e um vestido da H&M ou ta Topshop de US$ 69,90. E fazem questão de dizer disso. O modelo fast-fashion tem um atributo que os lançadores tradicionais de moda não conseguem proporcionar através da velha cadeia de suprimento empurrada. Tradicionalmente, era criada uma coleção e empurrada goela abaixo do consumidor, como era toda a cadeia industrial em todos os setores, até os anos 1980. O fast-fashion virou essa lógica de cabeça para baixo. A velocidade é tão grande que, dentro de um período de uma estação, os vários ciclos de aprendizado acontecem, principalmente em função das sinalizações do consumidor, que estão sendo farejadas por narizes eletrônicos, que são os leitores de código de barra. Enquanto o ciclo de aprendizado na moda tradicional é de seis meses, no fast-fashion é de dez dias. E isso acontece várias vezes dentro da estação. No fast-fashion, os DNAs vencedores, aquelas tendências que agradam, reatroalimentam novos lançamentos. Na medida em que a estação avança, a proporção de mix de alta performance [de vendas] vai aumentando.
Trabalhando em um setor tão dinâmico, com tantas novidades e tanto por fazer ainda, a Riachuelo pensa em diversificar e investir em outros setores além da moda?
Não. Estamos absolutamente focados. Estamos na maior aposta em termos de expansão da empresa nesse formato. Somos ainda um embrião. Apesar de sermos a maior empresa de moda do Brasil, com 40 mil funcionários, nós somos o embrião de um grande negócio no futuro. Temos 1,5% de market share. Temos, pela originalidade e pela superioridade do nosso modelo de negócio, teremos uma participação no mercado bem maior. Para isso estamos investindo R$ 2 bilhões em quatro anos, desde 2013, com o intuito de duplicar o número de lojas.
O investimento maior será na expansão da rede?
O nosso modelo é complexo e pesado, porque não representa apenas abrir loja. Cada loja que se abre tem de abrir fábrica, tecelagem, aumentar a capacidade de financiamento de nossa operação financeira, porque é um modelo que vai do fio à 18ª prestação depois da venda. É um ciclo financeiro de 400 dias, que requer capital intensivo e talento intensivo.
Esse embrião será o que dentro de cinco ou dez anos?
Em qualquer país relevante do mundo o líder do mercado nesse setor tem participações de 10%, 15%, às vezes até 20% de market share. Existe um gigantesco espaço para crescimento. Paralelamente a isso, todo um contingente de consumidores que passam a ser tocados pela varinha mágica da moda. Essa mudança comportamental tem aumentado e muito o outlet share de despesas que a gente chama de relacionadas ao espelho: moda e beleza. Enquanto a renda, em um período estudado pelo Data Popular, cresceu 40% os gastos com moda e beleza cresceram 220%.
Uma parte importante da operação da empresa é crédito. De onde vem o funding para isso e que parcela das vendas é financiada?
Pelo cartão Riachuelo, em torno de 50%. E tem crescido. Houve um declínio. Nós esperamos ter operação financeira madura para fazer o nosso embandeiramento. Enquanto isso o cartão de outros emissores cresceram em nossa rede. Mas agora que estamos preparados para emitir o cartão de terceiros, que o cliente está almejando, um cartão de bandeira, nós imaginamos que esses 50% possam voltar a crescer. Nós já tivemos 75% de participação no cartão Riachuelo. Agora com o cartão embandeirado, talvez não volte a esse patamar, mas deve crescer significativamente.
Juros mais altos e crédito mais apertado no país não comprometem o funding da empresa?
Não. A empresa é uma forte geradora de caixa. Também com a parceria do BNDES, que viu no modelo do nosso negócio um alto impacto social. Cada emprego que se gera na loja, gera cinco nos fornecedores. E como o nosso fornecimento é predominantemente brasileiro e predominantemente nas nossas fábricas, que ficam no Nordeste, têm um altíssimo e saudável impacto social. O único parceiro que a gente tem é o BNDES, que participa com algo em torno da metade dos novos investimentos. O resto é tudo feito com capital próprio.
A chegada de concorrentes internacionais, como a Forever 21, preocupa?
Não. É um saudável indício de algo que pelo qual a gente lutou muito e vem lutando no IDV, o Instituto de Desenvolvimento do Varejo, que eu presido. Nós queremos a formalização e não a clandestinização. No varejo têxtil é talvez onde exista a maior predominância da informalidade, mas a vinda dos players estrangeiros, que até demorou, porque já estão em praticamente em todos os países da América do Sul e chegam tardiamente aqui pela complexidade do ambiente de negócios. O fato de chegar de chegarem três players importantes para o Brasil no ano passado, empresas planetárias, isso traz uma concorrência ética, em cima da mesa. O concorrente que realmente nos assusta e o aético, da sonegação, da clandestinidade, do contrabando. No ambiente ético nós temos a certeza de nossa capacidade de competir. Graças a Deus as coisas estão evoluindo na direção da vitória das empresas éticas e formais.
O varejo brasileiro é maduro?
O varejo brasileiro tem dois mundos antagônicos. Existe o de alta performance, com um nível de eficiência e de tecnologia equivalente aos melhores do mundo, e ainda um resquício, em alguns setores até majoritário, do que existe de pior. Um varejo que pouco mudou, precarizado, que depende da sonegação, da violação de leis fitossanitárias. Violação de todo tipo de regulamentação. É uma cadeia de ilegalidade que vem em bloco, desde o escoamento de mercadoria roubada, de violação de leis autorais. Felizmente esse quadro está mudando. A formalização é visível pela nota fiscal eletrônica e a maior penetração dos pagamentos eletrônicos, substituição tributária em alguns setores. Tudo isso está fechando o cerco em alguns setores, com ganho de eficiência não só no varejo, mas para toda a cadeia.
A economia brasileira é frágil como costumam dizer os críticos?
Eu sou absolutamente otimista com a perspectiva futura do Brasil. Acho que nos falta um referencial de país. Vivemos um conflito. A pergunta para uma criança é “o que você vai ser quando crescer?”. É muito importante para uma criança se identificar e se enxergar num adulto que ela admira. Essa referência está confusa, no caso brasileiro…
O Brasil não sabe o que quer ser quando crescer?
Que tipo de país nós queremos ser? Cuba, Venezuela, Estados Unidos? Isso está nebuloso. Até dentro do governo existem diferentes correntes. A falta dessa sinalização é ruim para o país. Assim como uma empresa como a Riachuelo tem um propósito muito nítido, que tira os 40 mil colaboradores da cama de manhã todos os dias, e eu me incluo nisso, uma pessoa tem que ser os seus modelos, os seus referenciais, é ruim estar nebuloso esse tipo de país que nós queremos ser. E vejo uma questão que todos os países já superaram, do debate ideológico, socialismo versus capitalismo, os meios de produção nas mãos do povo ou do Estado, a gente ainda perdendo tempo, tendo dúvidas, nesse debate que o mundo já respondeu. Para minha profunda preguiça, vejo voltar à mesa o mesmo debate que eu tinha no tempo da faculdade. Mas é uma questão que precisa ser resolvida no Brasil.
Eventos como Copa do Mundo e depois Olimpíada ajudam a economia brasileira?
A visibilidade que esses eventos trazem sem sombra de dúvida, outros exemplos mostram que quando bem aproveitados podem trazer muitos benefícios. É lógico que eu compartilho da indignação do custo desse evento. Mas isso não é exclusividade dos estádios. Os estádios custaram o dobro, porque tudo no Brasil custa o dobro. O custo Brasil está presente em tudo. Temos o arroz e feijão mais caro, a carne mais cara, o iPhone mais caro, o Big Mac mais caro, quando olhamos o índice Big Mac. Agora mesmo temos o índice Zara, que é uma cesta de 14 produtos de 86 países em que a Zara opera. Mais uma vez o mais caro é do Brasil. É o grande desafio do momento. O custo Brasil é o inimigo público número 1. Isso tem que ser debatido. Nós queremos ter a lei trabalhista mais restritiva, mais engessada do mundo? Queremos ter uma taxa de extração tributária de em média 40%? Isso implica controles serviços. Nós temos gerado nos últimos vinte anos trinta leis tributárias por dia. As nossas leis trabalhistas geram o absurdo de 3 milhões de ações na Justiça por ano.
Na sua opinião, por que esse debate sobre o custo Brasil não é feito?
Eu estou vendo, com grande otimismo, se formar um saudável consenso em torno desse inimigo público número 1. Foram os consensos que moveram o Brasil para frente. O consenso em torno da democracia. Em torno da estabilidade da moeda. Em torno da desigualdade. Foram os três grandes passos. E vejo agora se formar, para minha alegria, graças ao eleitor, que está melhorando, está evoluindo. As mudanças demográficas não serão impunes. Elas vão gerar e já estão gerando desdobramentos políticos, um eleitor melhor. Toda mudança se dá a partir das urnas. O próximo consenso é esse, de reinserir o Brasil no jogo competitivo. Se esse passo não for dado, estarão comprometidas as conquistas anteriores.
Em que medida as manifestações que ocorrem no País desde o ano passado contribuem para isso?
Justamente esse patamar superior de cidadania se manifestando. Qual era o fiel da balança de dez ou quinze anos atrás. O fiel da balança eleitoral era 60% de pobreza na base da pirâmide. Esse era o contingente eleitoral que decidia qualquer parada. Esse contingente vota muito mais com o estômago, e isso é totalmente compreensível, do que com o cérebro ou o coração. O que mudou? Esses 60% da base da pirâmide viraram os 60% da cintura do losango. As expectativas, as aspirações desses dois contingentes em relação ao Estado são completamente diferentes. Os 60% da pobreza são reféns da caridade estatal. O nível de cidadania são submetidos a essa condição. Os 60% da cintura do losango que passam a ser o fiel da balança têm uma visão diferente, vê o Estado como prestador serviços como outro qualquer, cobrando o mesmo nível de eficiência e qualidade que se cobra de uma operadora de TV a cabo, de telefonia celular ou ainda da TV que você comprou no varejista. Isso é uma grande notícia. É o trampolim para um grande salto que pode mudar completamente o papel do Estado. O povo não está cobrando mais Estado. Está cobrando eficiência.
Os protestos atrapalham o varejo?
Atrapalham a visão estreita do curto prazo. Mas eu acho que há algo maior em jogo, que é mudar, melhorar o País. Esse é o preço a pagar. Com relação à Copa do Mundo, não podemos, as autoridades não podem permitir que uma minoria ponha tudo a perder, já que o Brasil fez esse gigantesco investimento para ter os olhos do mundo voltados para cá. Não podemos aceitar que minorias ou pequenos grupos possam aproveitar essa oportunidade para fazer sua chantagem localizada. Para isso tem de haver uma disciplina em benefício da grande maioria e da oportunidade história que o Brasil vive.
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