Joao Sicsú: “O governo está criando um ambiente econômico propício para graves crises políticas”

Para presidenta, falta de divergência só no cemitério - Foto: EBC
Para presidenta, falta de divergência só no cemitério – Foto: EBC

Depois de três reuniões com sua equipe econômica nos últimos dois dias, o governo federal anunciou nesta segunda-feira (14) nove medidas para cortar R$ 26 bilhões do Orçamento Geral da União. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), Saúde e reajuste dos servidores são os setores mais afetados. Para Joao Sicsú, professor de economia da UFRJ e ex-diretor de Políticas e Estudos Macroeconômicos do IPEA , “o governo anunciou mais do mesmo”.

De acordo com o economista, o ajuste fiscal conduzido pelo governo Dilma está fadado ao fracasso: “Quando a gente quer equilibrar as contas públicas, temos que fazer a economia crescer e não deprimi-la, como o que está sendo feito”. Sicsú diz que essa experiência já foi realizada em diversos países, inclusive no Brasil durante o governo Fernando Henrique Cardoso. “Nunca deu certo. O que o governo está fazendo é criar um ambiente econômico propício para graves crises políticas”.

Revista Brasileiros: O que o senhor achou das novas medidas anunciadas pelo governo?

Joao Sicsú: Achei que o governo anunciou mais do mesmo. Cortes na saúde, em investimento, no funcionalismo público e volta da CPMF com alíquota de 0,2%. Só em cima do funcionalismo são R$ 7 bilhões. Quando vai tributar o andar de cima, fica em R$ 2,9 bilhões, que é a soma do mecanismo de juros de capital próprio e ganho de capital. Olha que desequilíbrio. Os milionários e bilionários, que são quem pagariam juros de capital próprio, são 70 mil pessoas no Brasil. A faixa dos mais ricos vai pagar um ajuste de R$ 2,9 bilhões e o funcionalismo, R$ 7 bilhões. E aí tem cortes na saúde, nos investimentos e a volta do CPMF. O CPMF é um imposto muito injusto porque tem a mesma alíquota para todos, é regressivo. Precisamos mesmo é voltar com a tributação sobre lucros e dividendos, que sob o governo do FHC se tornou isenta. Temos que fazer uma distribuição de carga tributária de acordo com o que cada um pode pagar.  Esses impostos lineares são ruins, assim como o ICMS, todos esses impostos indiretos. O bom é ter impostos diretos, sobre a renda e o patrimônio, com alíquota diferenciada. A CPMF é um completo absurdo no sentido de justiça tributária.

E quanto ao ajuste fiscal como um todo? Como o senhor avalia?

O governo Dilma fez esse ajuste fiscal desde o ano passado de uma forma atabalhoada e de forma que não daria certo. Quando a gente quer equilibrar as contas públicas, tem que fazer a economia crescer, aumentar a arrecadação, e não deprimir a economia. Foi feito um movimento para deprimir a economia, é obvio que a arrecadação caiu e é obvio que o orçamento não seria equilibrado. Tem uma despesa que não vai fazer nunca as contas públicas se equilibrarem, que é a taxa de juros.

De cada R$ 5 reais que pagamos de imposto, mais que R$ 1 é pago na forma de transferência de juros aos rentistas, que são principalmente banqueiros. O ajuste começou de uma forma atabalhoada e não funciona porque a principal despesa a ser cortada é a de juros. Estamos com déficit de 8,81% e a nossa despesa de juros foi de 7,92%, ou seja, 90% do nosso déficit é despesa de juros. Cada 1% de juros que é aumentado pelo Banco Central, dá em torno de R$ 20 bilhões de gastos adicionais do Orçamento. É um movimento muito desastroso.

O governo Lula, entre 2007 e 2010, fez o melhor movimento para consolidar as contas públicas – e não foi com corte de gastos, foi com crescimento. É isso que precisamos. Com a economia cada vez mais deprimida, não vamos equilibrar as contas e vamos ver anunciarem mais cortes de gastos. Essa forma de agora não é eficiente do ponto de vista fiscal e macroeconômico e ela causa uma extrema crise social. Os programas sociais estão sendo abalados e agora o funcionalismo público vai pagar a conta mais do que os ricos.

Por que se insiste nessa política econômica suicida?

Porque essa é uma questão ideológica. Os conservadores querem ter o Estado mínimo e o mercado máximo, uma tese completamente ultrapassada pela realidade. Temos que ter um Estado proporcional a um mercado forte e grande. É assim que aconteceu nas experiências de desenvolvimento do pós-Guerra, nos países nórdicos. Onde a economia vai bem e a sociedade tem bem estar, tem equilíbrio entre mercado e Estado. No Brasil, tentam aplicar essa tese conservadora e liberal. Tudo que está sendo feito agora já foi feito no governo Fernando Henrique Cardoso. E não deu certo. Já foi feito na Argentina, no Peru, no Chile, e estão fazendo de novo. Em muitos desses casos, abriu-se caminho para graves crises políticas. O governo está criando um ambiente econômico muito propício para graves crises políticas.

Nem ao mercado interessa esse desaquecimento da economia. Por que apoiam e cobram isso do governo?

Não interessa ao mercado de bens e serviços. Ao mercado financeiro interessa e muito. Na verdade o ministro da Fazenda é oriundo do mercado financeiro. A grande mídia é comandada por idéias do mercado financeiro e o que interessa a ele? Taxas de juros elevadas e um governo com finanças capazes de honrar o pagamento de juros da divida pública.

O Paulo Skaf, presidente da Fiesp, apoiou a nomeação de Levy.

Não sei se ele de fato é dono de uma alguma empresa. O verdadeiro industrial, que não está carregando títulos da dívida pública, esse está sentindo. Aquele que tem uma empresa, mas que na verdade aposta muito mais nos ganhos não operacionais do mercado financeiro, apoia o ajuste do Levy. Os milionários rentistas apoiam completamente. Economizar para pagar juros, é isso que eles querem. As despesas de juros nunca estiveram tão altas durante os últimos 12 anos. O que precisa mesmo é de dinheiro para pagar juros e é por isso que está fazendo tudo isso.


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