É muito difícil solucionar o endividamento das famílias brasileiras, em torno de 44% atualmente, segundo cálculo do Banco Central que leva em conta o total dos débitos dividido pela renda no período de 12 meses. Sem dúvida, esse é um dos grandes problemas da economia nacional e provavelmente o que mais obstrui a retomada do crescimento econômico, pois restringe muito o consumo.
Esses números não são frias estatísticas, pois expressam matematicamente o drama de milhões de brasileiros hoje reféns do mais alto juro real do mundo. Como conciliar o pagamento das contas mensais, da alimentação e das necessidades básicas com dívidas que, no cheque especial, são taxadas em 311,3% ao ano e, no cartão de crédito, 471,3%? Com esses índices, principalmente no crédito rotativo, que é o mais alto, uma dívida de R$ 1.000,00 atingirá R$ 5.713,00 em 12 meses. Os empréstimos pessoais têm juros proporcionalmente menores, mas ainda muito altos para padrões civilizados.
Não basta dar de ombros ao problema e atribuí-lo simplesmente a uma negligência das famílias brasileiras quanto à gestão de seu orçamento doméstico. Essa visão simplista mascara todo o incentivo ao crédito e ao consumo, a festa dos consignados e a facilidade de contratação de empréstimos. Isso foi uma política pública muito clara e bem definida do governo, estimulada por caras campanhas publicitárias do sistema financeiro, em especial entre 2003 e 2014. Foi um processo que se incluiu dentre os fatores que ancoraram o crescimento econômico nacional nesse período.
Vivemos, agora, um círculo vicioso. Os juros estratosféricos, que tornam impossível solucionar a dívida das famílias, são altos em grande parte devido ao grande risco de inadimplência. Ao mesmo tempo, as taxas elevadas vão dificultando cada vez mais a adimplência, num processo corrosivo de retroalimentação do endividamento. Contudo, há outro fator a ser considerado: o governo também contribui muito para que os juros sejam exagerados, ao pagar altas taxas ao mercado financeiro para financiar a sua própria dívida e girar seus papéis.
Na prática, isso significa que as famílias brasileiras endividadas, ao arcarem com juros absurdos, também estão pagando o débito do Estado, este filho pródigo de todos nós. Assim, não há como desvincular a solução do endividamento das pessoas físicas de uma medida eficaz de governo. Este não pode omitir-se, como se nenhuma responsabilidade tivesse na questão. Da mesma maneira que, em distintas gestões federais, estaduais e municipais, em numerosas oportunidades, criaram-se vários programas de refinanciamento das dívidas fiscais e previdenciárias das empresas, já passou da hora de uma solução para o drama que atinge hoje milhões de brasileiros.
Trata-se de uma política de Estado, a ser adotada com urgência. Não estamos falando aqui de uma questão humanitária, como até poderia ser considerada. Referimo-nos a um fator econômico, pois o endividamento das famílias dificultará a retomada do crescimento do PIB, retroalimentará o desemprego e seguirá pressionando as taxas de juros. É preciso que o Estado filho pródigo retorne ao seu papel fundamental nas democracias, que é servir à população e não servir-se dela para financiar-se com os juros mais elevados do planeta e impostos muito altos para o nosso padrão de desenvolvimento.
*Reginaldo Gonçalves é coordenador do curso de Ciências Contábeis da Faculdade Santa Marcelina.
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