Conheça Jaiyah Saelua, o primeiro jogador transgênero a disputar uma partida da Fifa

A seleção masculina de futebol de Samoa Americana, um minúsculo arquipélago no Oceano Pacífico, ganhou notoriedade após sofrer a maior goleada já registrada em uma partida oficial da Fifa. O time perdeu por 31 a 0 da Austrália, nas eliminatórias da Oceania para a Copa do Mundo de 2001. Durante 10 anos ocupou o último lugar do ranking mundial – sem nenhuma vitória e com dois gols marcados. O time, no entanto, tem outra singularidade: o primeiro jogador transgênero a disputar uma partida internacional.

A zagueira Jaiyah “Johnny” Saelua é “fa’afafine”- conceito próprio da cultura polinésia, que na tradução literal significa “feminino”. De acordo com Jaiyah, o termo se refere a um “terceiro gênero”. Uma pessoa que nasce com o gênero masculino, mas se identifica mais com seu lado feminino. “A família pode optar por aceitar e alimentar esse sentimento para que a pessoa cresça à vontade consigo mesma. É assim que normalmente acontece na cultura samoana. É por isso que os fa’afafine são aceitos na sociedade e têm oportunidade de serem bem sucedidos em qualquer área profissional. Na cultura ocidental é um pouco complicado de entender, mas na Polinésia o terceiro gênero é algo normal”, disse Jaiyah, em entrevista exclusiva à Revista Brasileiros.

Jaiyah começou a jogar futebol aos 11 anos. Sequer tinha o hábito de assistir a partidas pela televisão, mas esse era o único esporte oferecido na escola. Habilidosa, com 14 anos já foi chamada para jogar no time júnior da seleção nacional. Foi aí que Jaiyah começou a levar o futebol a sério.

A sexualidade da atleta nunca trouxe qualquer dificuldade ao longo de sua carreira – até que disputou a primeira partida internacional, nas eliminatórias da Copa do Mundo de 2011. “Em casa nunca foi um problema. Faziam piadas no começo, mas isso faz parte do humor de Samoa. Hostilidade de verdade só senti de outros países. Os jogadores da seleção das Ilhas Cook, por exemplo, ficaram me xingando. Tentaram afetar minha performance, me desestabilizar, mas não funcionou. Quando fico brava, jogo melhor ainda”, conta aos risos.

Os colegas de seleção sempre a trataram como uma irmã, diz Jaiyah. Protetores, nunca a deixam sozinha quando o time está em um país diferente. 

Nas eliminatórias de 2011, Samoa Americana conquistou a primeira e única vitória da equipe, contra Tonga, por 2 a 1. Jaiyah ainda se emociona ao lembrar da partida. “A gente jogava e sempre perdia. Me sentia uma perdedora. Depois que vencemos, minha vida passou a ter um propósito, senti que finalmente estava fazendo algo pelo meu país. Não conseguia parar de chorar nem para dar entrevista”.

Depois do jogo, a zagueira foi cercada por ávidos jornalistas. Só então se deu conta do papel que poderia exercer no futebol mundial, na luta contra a homofobia. “Me perguntaram como era ser o primeiro transgênero a disputar uma partida internacional. Não acreditei quando ouvi aquilo. Como é possível que no mundo inteiro só tivesse eu? Fiquei estarrecida. O lema da Fifa não é o amor pelo jogo? Isso não significa que o jogo deveria ser acessível a todos?”.

Jaiyah foi pesquisar como os transgêneros eram tratados em outros países, o que a fez desistir da ideia de tentar uma carreira internacional. “Me senti honrada por vir de um país tão tolerante”. Até então, pensava em jogar na liga dos Estados Unidos. Seu jogador preferido, no entanto, é Cristiano Ronaldo. “É quem eu mais gosto de assistir. Até porque ele é um homem maravilhoso. Ainda seremos namorados um dia, mas ele não sabe disso ainda”, brinca. Namorado de verdade, Jaiyah diz ter dois – ambos militares havaianos. Mas apenas um dos relacionamentos é oficial. 

Com o lançamento do documentário “Next Goal Wins”, que conta a história do time de Samoa Americana, Jaiyah ganhou repercussão mundial. Morando no Havaí, deixou de trabalhar como guarda de uma empresa de segurança privada em fevereiro de 2014 para poder viajar na divulgação do filme. Segundo ela, a maioria dos jogadores de futebol em Samoa tem outros empregos. Mesmo quando recebem salário de algum clube,  a remuneração não costuma ser suficiente.

O último jogo de Jaiyah será disputado neste ano, nas eliminatórias para a próxima Copa do Mundo. Depois disso, pretende passar pela cirurgia de mudança de sexo, o que a impedirá de jogar pelo time masculino. “Só adiei até agora por causa da minha paixão pelo jogo. Mas mesmo depois da cirurgia, vou continuar sendo fa’afafine para sempre. Nossa cultura nos ensina a ter orgulho de quem somos”. Jaiyah também não quer atuar pela seleção feminina. “Seria injusto com as mulheres samoanas que lutam para conseguir um lugar no time. Já consegui no time masculino, não vou tirar vaga de outra pessoa”.

Jaiyah vai pendurar as chuteiras, mas não pensa em abandonar o esporte. Quer ajudar a fortalecer o futebol em Samoa Americana e a combater a homofobia mundo a fora. Para acabar com o preconceito no futebol, Jaiyah acredita que os primeiros passos tem de ser dados pela Fifa. “Não acho que o Joseph Blatter esteja muito preocupado com a questão, mas se a luta for travada, tem de ser levada para a Suíça em primeiro lugar”.


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