“Sou uma mulher de esquerda” diz Ana Moser, com a mesma determinação que fez dela um dos maiores nomes da história do vôlei no Brasil. Vencida pelo massacre dos dois joelhos, submetidos a quatro cirurgias ao longo da carreira no esporte, Ana se aposentou das quadras há 15 anos. Pouco tempo depois, criou o Instituto Educação e Esporte. “Sempre soube que, se não estivesse bom para todos, não estaria bom para mim.”
O projeto social, que atende a mais de dez mil crianças e três mil professores por ano, tem como objetivo universalizar a prática do esporte no Brasil. São mais de 20 núcleos esportivos espalhados pelo País, nos quais são providos professores, uniformes e materiais, em parceria com escolas e clubes públicos. Também é feito um trabalho com gestões municipais. “Juntamos formação pedagógica, dinâmica de mobilização e esporte.” A prioridade do projeto não é formar atletas profissionais, mas levar acesso ao esporte e aprimorar metodologias de ensino. “Queremos usar o esporte também como ferramenta de mobilização e cidadania.”
Habilidosa, Ana começou a jogar vôlei quando criança em Blumenau (SC), cidade onde nasceu. Aos 16 anos, ela e sua irmã se mudaram para São Paulo, chamadas para jogar em um dos primeiros times profissionais de vôlei feminino do Brasil, o Transbrasil. Foi convocada para a Seleção Brasileira infanto-juvenil e passou para a equipe adulta no ano seguinte, no qual foi titular nos Jogos Olímpicos de Seul, em 1988. Mas a inédita medalha de bronze foi conquistada antes, em 1996, na Olimpíada de Atlanta. Contra as expectativas, Ana se recuperou a tempo da primeira cirurgia no joelho, foi convocada e subiu no pódio.
Idealista, como ela se autodefine, e inteligente, Ana naturalmente assume o papel de protagonista. Em 1993, participou do boicote ao então treinador Wadson de Lima e ficou fora da seleção durante quase todo o ano, só retornando quando Bernardinho assumiu o time – período no qual figurou como uma das melhores jogadoras de vôlei do mundo.
Ana foi uma aluna aplicada na escola. Mas o calendário de competições de um atleta não costuma ser conciliável aos estudos. Completou o Ensino Médio fazendo prova na mesa do diretor durante as férias e desistiu das duas faculdades que começou: Educação Física e Administração. “Educação formal faz uma falta tremenda para a vida do atleta e não há o menor cuidado com isso, nem durante nem depois da carreira.”
A ex-jogadora estudava inglês e traduzia livros para passar o tempo durante viagens e concentrações com a Seleção Brasileira. A busca pelo conhecimento é tida como algo natural para ela. “Peguei uma questão do esporte que tem a ver com gestão, educação. Fui descobrindo esse caminho quando parei de jogar, mas sempre fui de olhar para um problema e tentar solucioná-lo.”
Talvez por isso tenha sido a vencedora do programa televisivo de Roberto Justus, Aprendiz Celebridade, no qual era a única celebridade de fato. Como prêmio, recebeu cerca de R$ 700 mil para investir no instituto, além de um show de Chitãozinho e Xororó e uma participação de Sabrina Sato para uma campanha publicitária do projeto social. A nova sede do instituto, um casarão no Morumbi, bairro nobre de São Paulo, foi adquirida com o dinheiro do prêmio.
Sobre a experiência de participar do reality show, Ana diz: “Sei lá, cara…foi super estranho”. O mais difícil foi ficar confinada em um hotel por dois meses e meio com os outros participantes. “Topei porque tinha o prêmio para a instituição.”
Outro projeto que Ana ajudou a criar foi o Atletas pelo Brasil, com outros 60 esportistas, como Raí e Magic Paula. O grupo conseguiu aprovar uma Medida Provisória para mudar a Lei Pelé, que limita gestões de dirigentes esportivos, exige maior transparência em contratos e contas e aumenta a participação de atletas em instâncias deliberativas. “A gestão esportiva é familiar, conservadora, não eficiente porque há desvios de recursos. O escândalo da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) foi o último. Mas também não basta a lei para garantir mudanças. Para conseguir maior participação de atletas e técnicos, precisa de cultura. O sistema é tão tutorial que não deixa nem o atleta estudar. É um sistema que não tem oposição, só situação. Ou você está no esquema, ou é alijado do esquema. Na CBV (Confederação Brasileira de Voleibol), o código de ética para a Seleção Brasileira prevê uma multa para quem fizer críticas na imprensa. Todo mundo nasce nessa cultura, tem que criar outra”.
O Atletas pelo Brasil também conseguiu um acordo setorial com empresas que financiam o esporte, que deve ser lançado no primeiro semestre de 2015. As empresas combinarão critérios de funcionamento das entidades para fornecer patrocínios.
Ana sempre se interessou por política e pretende estudar Ciências Sociais. Já recebeu convites para sair como candidata por partidos como PT, PSDB e PCdoB, mas não aceitou nenhum. Sua única passagem pelo poder público foi como gestora do setor olímpico na gestão de Marta Suplicy na Prefeitura de São Paulo, como substituta de Magic Paula. “Tenho uma função importante no lugar onde estou: na sociedade civil organizada. Não faço parte da política partidária, mas faço política todos os dias”. Apesar de ter sido atleta de alto rendimento durante boa parte da vida, a visão de Ana não se prende à meritocracia de uma competição. “Não trabalhamos pelos melhores, mas pelo bem comum”.
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