Boas surpresas e uma decepção no terceiro dia da Flip

Solomon durante a mesa. Walter Craveiro/ FLIP.
Solomon durante a mesa. Walter Craveiro/ FLIP.

Ainda que tenha sido aplaudido de pé pelo público que lotava a Tenda dos Autores na Flip, o norte-americano Andrew Solomon, autor de dois livros ambiciosos e importantes, O Demônio do Meio-Dia, sobre a depressão, e Longe da Árvore, decepcionou. Não pelo conteúdo de sua fala, mas pela forma burocrática, apressada e pouco espontânea com que falou. Para desconforto evidente do mediador Otávio Frias Filho, Solomon despejou as palavras sem dar margem para apartes ou perguntas. Parecia que tinha ligado o automático na velocidade máxima.

Quando finalmente parou para a água e o respiro, meia hora depois, respondeu às perguntas de forma mais ou menos previsível e um tanto melosa, a despeito do louvável humanismo e clara disposição para a empatia. A maioria delas se referia a aspectos diversos da depressão e ao universo diversificado do livro mais recente, o mencionado Longe da Árvore, que trata de famílias com filhos que têm distúrbios sociais, culturais ou mentais, como autismo, nanismo, esquizofrenia, propensão ao crime, surdez, Síndrome de Down, ou cujas identidades fogem à norma, como transexualismo.

É preciso dizer, porém, que seu livros são magníficos e necessários. A qualidade da palestra de autor não tem relação direta com a qualidade de sua escrita. Há escritores ruins bons de papo e excelentes autores que gaguejam e mal conseguem olhar para a plateia. Solomon está no time dos que são tão requisitados, que acabam se rendendo à repetição, mais cômoda, aos invés de se reinventar a cada nova circunstância.

Alguns momentos saíram um pouco do óbvio, quando, por exemplo, recebeu uma pergunta de pessoas que perderam seus filhos na tragédia de Santa Maria, e de como poderiam lidar com esse luto. Ou mesmo quando chamou para a plateia seu filho biológico de cinco anos, fruto de uma doação de óvulo de uma amiga lésbica. Uma atitude algo circense, populista, mas de efeito relevante, no sentido de ressaltar a defesa do direito de um casal gay ter filhos e criá-los sem sofrer interferências do Estado ou qualquer tipo de discriminação.

O oposto

Mesa "Livre como um táxi", com Antonio Prata e Mohsin Hamid. A mediação foi de Teté Ribeiro. Walter Craveiro/ FLIP.
Mesa “Livre como um táxi”, com Antonio Prata e Mohsin Hamid. A mediação foi de Teté Ribeiro. Walter Craveiro/ FLIP.

 

Já a mesa anterior, reunindo o cronista Antonio Prata e o escritor paquistanês Mohsin Hamid, com mediação da simpática Teté Ribeiro, editora da revista Serafina, da Folha de S. Paulo, foi em tudo divertida. Claro, os assuntos tratados, em geral, eram bem mais leves. Mas, acima de tudo, os três mostraram estar em sintonia e muito à vontade entre si.

Prata arrancou gargalhadas da plateia em vários momentos, ao falar de seu livro mais recente, Nu, de Botas, reunião de crônicas sobre sua infância, e do já bem conhecido Meio Intelectual, Meio de Esquerda. Já começou dizendo que, ao ler os livros de Hamid, O Fundamentalista Relutante e Como Ficar Podre de Rico na Ásia Emergente, sentiu “que sempre fui paquistanês”.

Ambos soltaram boas definições do ato de escrever e da própria literatura. Hamid: “Escrever um romance é estar perdido, e encontrar o caminho é uma libertação.” Ao mencionar sua sátira aos livros de auto-ajuda, disse: “O problema com a auto-ajuda é que ela se derrota a si mesma. O que precisamos é de auto-transcendência. E é a literatura que nos permite sair de nós mesmos”. Prata: “A gente vive num mundo photoshopado. A literatura é o lugar em que a gente encontra a vida como ela é, com estrias e celulite.” E, ao referir-se à tão propalada autoficção, declarou: “Acho bobagem achar que falar de si próprio é falar de si próprio. Falar do seu pai é falar de pais.”

Hamid, que disse querer escrever um livro infantil e ter tentado, sem sucesso, se aventurar no mundo da ficção científica, proporcionou um dos melhores momentos da conversa ao contar de seu colega de quarto brasileiro na universidade nos EUA, onde estudavam direito. “Ele ouvia essa música maravilhosa chamada Taj Mahal e a cantava loucamente. E eu reconhecia os personagens islâmicos míticos da minha cidade, Lahore, misturados a Krishna, do hinduísmo. E pensava: é isso aí, vou ao Brasil e só vou falar Krishna, Krishna.”

Millôr

Foto: Walter Craveiro/ FLIP.
Foto: Walter Craveiro/ FLIP.


O homenageado da Flip está por toda parte em Paraty, para alegria dos visitantes. Está em pinturas de artistas ambulantes, no rótulo de cachaças premiadas, em mesas e palestras e em duas boas exposições, uma na Casa do IMS, por conta do lançamento do livro 100+100 Desenhos e Frases, e uma, mais completa, e muito bem montada, na Casa de Cultura, celebrando os “90 Anos de Nós Mesmos”. Além disso, a curadoria da Flip, a cargo do jornalista Paulo Werneck, distribui diariamente o impagável (até porque é gratuito) folhetim Daily Millôr, com seleção de algumas de suas melhores frases e desenhos.


Comentários

Uma resposta para “Boas surpresas e uma decepção no terceiro dia da Flip”

  1. Avatar de Liana Lessa
    Liana Lessa

    Andrew Solomon decepcionou principalmente porque sua forma burocrática era nada menos que o exato texto de outras apresentações. Bastou assistir antes do evento à sua apresentação num TED pra saber todo roteiro de sua fala na FLIP.
    Uma pena.

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