A revolução, a experiência radical, a autenticidade, a modernidade. São conceitos que, de uma forma ou de outra, pautaram os desejos da jovem Beatriz Sarlo e seus eventuais companheiros quando partiram para diversas aventuras pela América Latina. Mochila nas costas, botas nos pés, pouca comida e muita disposição, foram ao Peru, à Bolívia, à Patagônia, a Brasília. Eram tempos de tensão política, subdesenvolvimento e miséria. Daí o aspecto ideológico e de aprendizado das viagens.
“Acreditávamos percorrer aquele que seria o continente da revolução. Nossa percepção sobre o que desconhecíamos era ideológica no sentido mais amplo: anterior à experiência empírica, ou seja, víamos as coisas como achávamos que elas deviam ser. Ao mesmo tempo, descobríamos um mundo que nos era totalmente estranho, desde as comidas até como começar uma conversa com desconhecidos”, diz, por e-mail.
Autora cultuada de ensaios sobre assuntos os mais diversos, que vão da literatura argentina a política, cultura urbana e videoarte, Sarlo produziu aquele que é possivelmente seu livro mais pessoal. Para ela, “somos filhos de viagens anteriores às que fizemos: as viagens dos imigrantes, as que nos foram contadas, as que estão nos livros, as recordações trazidas de longe, os postais, fotografias, objetos”. Tudo isso compõe o livro, que trafega saborosamente da sua infância no interior árido da Argentina até uma visita como jornalista às Ilhas Malvinas, no dia do referendo que determinou sua permanência sob o domínio britânico.
Em algumas das viagens, o aperto foi grande. Mas o desânimo nunca parece tê-la dominado. “O esforço físico, o frio, a falta de ar eram parte de nosso tributo à América Latina. Não se tratava apenas de um desafio ‘esportivo’, por assim dizer, mas de submeter nossos corpos às penúrias por que passavam os camponeses e mineradores, como se estivéssemos cumprindo um ritual de iniciação no qual não podia faltar o sofrimento. De alguma forma, o sofrimento nos conduzia a uma experiência plena.”
Um dos capítulos mais interessantes trata de sua viagem pelo rio Paraná, a bordo de um barco de pescadores pobres, em meio à natureza rica das águas e das margens, que depois é contraposta à amplidão vazia e silenciosa da praça dos Três Poderes, na nossa ainda jovem capital. “Se acreditávamos encontrar a revolução na Bolívia, foi porque a buscamos e tivemos a ilusão de reconhecê-la a todo momento, em cada camponês, em cada dirigente sindical, em cada trecho da paisagem. Já ao Brasil fomos movidos por outro desejo: o do modernismo, a mais alta modernidade que a América podia nos oferecer.”
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