Essa ideia de que a inspiração não tem hora para surgir pode ser uma construção romântica ultrapassada, mas se trocarmos inspiração por vontade irreprimível de escrever começa a fazer mais sentido.
É o que provavelmente levava a poetisa Emily Dickinson (1830-1886) a aproveitar envelopes rasgados das cartas que recebia para por em ação seu talento único. É possível até imaginar que o conteúdo das cartas “provocasse” os poemas.
Ao ver os manuscritos originais de Dickinson, Jen Bervin, artista visual e poeta, percebeu que havia quebras de linha diferentes das estabelecidas nas edições usuais de seus poemas. E também palavras alternativas, com marcas ao longo do texto para uma eventual troca.
Num primeiro trabalho, como conta Rebecca Mead em texto na New Yorker, Bervin reproduziu em tamanho grande alguns desses manuscritos e costurou em vermelho as indicações normalmente ignoradas pelos editores.
Mais recentemente, com ajuda de Martha Werner, especialista no trabalho de Dickinson, a artista publicou o livro “The Gorgeous Nothings”, com reproduções de 52 de seus últimos poemas, escritos a lápis nos envelopes rasgados e amassados, na frente e no verso.
Para as autoras do projeto, tais procedimentos indicam uma postura ainda mais ousada na poesia de Dickinson – já tida como precursora do modernismo -, que merece, por isso, ser revista.
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