A expectativa era grande. Afinal, Eduardo Galeano é um desses escritores que parecem tão grandes quanto sua obra. Difícil encontrar alguém que não admire sua verve combatente, seu senso de humor, e sua atenção permanente para com os desvalidos.
Bastante pautada pela política, com seminários debatendo os 50 anos do golpe militar, leituras teatrais e mostras de filmes tratando do assunto, a II Bienal Brasil do Livro e da Leitura de Brasília acertou em cheio ao chamar o autor de As Veias Abertas da América Latina para abrir o evento.
Aplaudido de pé no auditório lotado do Museu Nacional da República, Galeano encaminhou-se para o púlpito com a firmeza possível de seus 73 anos. Sua voz tem algo de beatífico, mas sempre deixa entrever uma brecha de ironia. Ele leu em bom português trechos de seu novo lançamento, Filhos dos Dias, alguns deles concernentes ao Brasil. Muitos arrancaram gargalhadas, outros emocionaram, vários provocaram ambos efeitos.
Sua fala foi breve. Galeano dá as pausas e ênfases de quem está acostumado a encantar grandes plateias ou pequenos grupos de amigos numa conversa de bar. Inicia um texto dizendo que vai ser muito dramático e pode sensibilizar os fracos de coração; e a seguir conta, com ironia, dos restaurantes do McDonald’s que foram fechados na Bolívia, para delírio do público: “O amor ao atraso da Bolívia impediu que se atualizassem com a comida de plástico, com a missão civilizadora de multiplicar os gordos. As empanadas caseiras venceram o progresso.”
Sobre o racismo, leu o famoso poema Homem de Cor, do senegalês Léopold Senghor, e contou a história do jogo entre Treviso e Genova, do campeonato italiano de futebol. Akeem Omolade, jogador africano do Treviso, sofria com gritos racistas a cada partida. Mas naquele dia “houve silêncio. Os outros dez jogadores do time pintaram a cara de negro. Era uma maneira de dizer: todos somos você.”
Galeano contou anedotas de Noel Rosa e do artesão Vitalino. E, para risada geral, lembrou o episódio do Bispo Sardinha, “que levava o destino no nome, e teria sido o involuntário fundador da gastronomia nacional.”
Militante, não deixou de mencionar alguns de seus heróis: Che Guevara, Rosa Luxemburgo (falou de forma comovente sobre seu brutal assassinato, em 1919) e Emiliano Zapata, entre outros.
Ao final, quando foi novamente aplaudido de pé,reproduziu um comentário do médico Drauzio Varella: ” Ele percebeu que o mundo investe cinco vezes menos em pesquisas para buscar a cura do Mal de Alzheimer do que para novos estímulos sexuais para a masculinidade e silicones para a beleza feminina. Daqui a alguns anos teremos senhoras de tetas grandes e velhos com seus paus duros, mas nenhum deles se lembrará para que servem.”
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