Outro Escritor na Mira Fundamentalista

Kamel Daoud - Foto: Arquivo Pessoal/ Facebook
Kamel Daoud – Foto: Arquivo Pessoal/ Facebook

O romance Mersault, Contre-enquête (Mersault, Contra-investigação), de Kamel Daoud, foi lançado em 2013 na Argélia, sem maiores repercussões. Publicado na França, no ano seguinte, recebeu críticas entusiasmadas e por pouco não venceu o Goncourt, principal prêmio do país. Foi o suficiente para atrair não apenas os holofotes para seu autor, mas também a ira de grupos islâmicos fundamentalistas – um Iman Salafista (grupo ultraconservador) chegou ao extremo de pedir sua execução pública numa página no Facebook, no dia 16 de dezembro, logo bloqueada.

Com a condenação (conhecida por fatwa), o livro, que é uma espécie de continuação de O Estrangeiro, o clássico de Albert Camus (1913 – 1960), virou sucesso absoluto na Argélia e deve ser lançado em 13 países. Mas o custo de tanta exposição é alto. Daoud cancelou entrevistas e palestras e vive fechado em sua casa em Oran, segunda maior cidade da Argélia, onde trabalha como jornalista. O governo condenou a ameaça, mas não ofereceu proteção. Há grupos de direitos humanos batalhando para que as autoridades assumam uma posição mais enérgica.

O motivo de tamanha discórdia é, claro, a religião, repetindo em parte o que aconteceu com o autor hindu-britânico Salman Rushdie, em 1989, depois do lançamento de seu Versos Satânicos. A situação é um pouco diferente, pois há quem diga que tal Iman não tem legitimidade para lançar uma verdadeira fatwa. Ainda assim, a ameaça permanece.

Profundamente influenciado por Camus, que o teria feito “trocar” a religião pelo existencialismo, Daoud imaginou em seu breve romance como seria a história do árabe sem nome assassinado pelo anti-herói Mersault em O Estrangeiro, e coloca como narrador o irmão da vítima.

O escritor acredita que possa estar sendo pressionado para se exilar por conta das fortes opiniões políticas expressas em sua coluna no Quotidien D’Oran. Nascido em 1970, Daoud viveu intensamente a guerra civil que assolou o país de 1992 a 2000, em que mais de 80 mil pessoas foram mortas no confronto entre as forças governistas e a Frente Islâmica de Salvação.


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