Quando passou a visitar o Brasil com certa frequência, a partir da década de 1990, o historiador francês Roger Chartier decidiu aprender português. Percebeu que a tradução simultânea de suas palestras, ainda que feita por especialistas, alongava por demais a sua fala. Por isso, fez um esforço para se comunicar diretamente com o público brasileiro, responsável pelo interesse das editoras em traduzir vários de seus livros para a língua portuguesa.
Esforço compensado. Nos dias 4 e 5 de junho, o titular da cadeira Escrita e Culturas na Europa Moderna, no tradicional Collège de France, Paris, esteve novamente no país, falando para cerca de 500 pessoas, em duas participações na 18ª edição da Feira Pan-Amazônica do Livro, em Belém do Pará. O tema central foi a prática da leitura, assunto que domina suas obras, entre elas “A aventura do livro: do leitor ao navegador” (Editora Unesp), que integra a bibliografia básica de historiadores, comunicadores e educadores.
Em entrevista coletiva, indagado sobre o confronto entre cultura digital e impressa, Chartier se vale de uma expressão recorrente: ambivalência. Para ele, os meios materiais onde a escrita se manifesta precisam ser avaliados em suas múltiplas dimensões, uma vez que não se excluem, ao contrário, completam-se na função social de informar, difundir e promover o pensamento crítico.
Para o historiador, ainda que a cultura digital tenha colocado abaixo a hierarquia das publicações impressas, fazendo o leitor tornar-se um autor, ao ter a possibilidade de editar o conteúdo recebido, é preciso que essa tecnologia seja tomada criticamente no que diz respeito à qualidade da informação. Uma tarefa na qual as escolas precisam ser protagonistas.
Em relação aos movimentos sociais que derrubaram as ditaduras no mundo árabe ou que ainda contestam o aparato e a censura do Estado, no caso da China, Chartier também vê uma dinâmica parecida. Observa que a tecnologia, mesmo vulnerável ao controle estatal, pode forjar um espaço público para que leitores e escritores ajudem “a construir uma opinião e a desenvolver uma crítica” no estabelecimento de um debate político.
Roger Chartier nasceu em Lyon, em 1945. Integra a mais nova geração da chamada Escola dos Annales, responsável pela guinada historiográfica francesa no final da década de 1920. É professor visitante de diversas instituições pelo mundo, inclusive no Brasil. É autor de, entre outro, “À beira da falésia: a história entre certezas e inquietudes” (Editora da UFRJ), “A história cultural: entre práticas e representações” (Bertrand Brasil) e “Práticas da leitura” (Estação Liberdade).
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