A terceira mesa desta quinta-feira (31) escalou um time inusitado: juntou a norte-americana filha de turcos Elif Batuman, autora de Os Possessos, livro em que conta, com humor, de suas aventuras como estudante de russo, ao escritor da terra de Tchékhov, Vladímir Sorókin, cuja peça Dostoiévski-Trip, acaba de ser lançada no Brasil. O mediador foi o professor e tradutor – de russo – Bruno Gomide, que lembrou que é apenas a segunda vez na história que um autor russo importante vem ao Brasil – o primeiro foi Joseph Brodski.
Apesar dos interesses comuns, os escritores pareciam, num primeiro momento, quase opostos: ela, jovem e simpática, vestida de preto, falando num tom leve, de bate-papo; ele, todo de branco (inclusive os cabelos e a barba), surgiu de cara amarrada, falando de forma pausada, lapidar (tanto no sentido de frio, quanto de memorável), mas foi se soltando aos poucos.
Citando uma frase de Ortega Y Gasset, Sorókin disse que “a literatura é como um tiro silencioso, que te atinge sem que você perceba e te transforma em alguém que quer descrever o mundo à sua volta”. Opositor ferrenho do governo atual (e dos anteriores), ele escreveu no período soviético sob censura pesada, às vezes conseguindo publicar no exterior. Num dos momentos mais aplaudidos, declarou que “Putin vem e volta, mas o romance fica.”
Curiosamente, os pais de Batuman, que hoje vive em Ancara, foram aos Estados Unidos por causa da Guerra Fria. No inevitável fla-flu entre Tolstói e Dostoiévski, ela ficou com o primeiro e citou um trecho divertido de seu livro em que especula, para espanto das pessoas ao seu redor, se ele não teria sido assassinado. Sobre o humor, diz que se aferrou a ele de tanto ouvir as histórias trágicas de seus pais médicos. Já Sorókin, do time de Dostoiévski, disse que para suportar a vida na Rússia é preciso duas coisas: humor e vodca.
Jovens e velozes
A mesa seguinte manteve a qualidade da mediação, dessa vez com o escritor e professor José Luiz Passos, e dos convidados, ambos muito jovens, muito bem-sucedidos e oriundos de países com pouca tradição literária – ao menos em termos de fama. Eleanor Catton, mais jovem vencedora do Man Booker Prize, com seu catatau Os Luminares (quase 900 páginas), é canadense radicada na Nova Zelândia. Seu primeiro livro, O Ensaio, surgiu de uma tese de mestrado em escrita criativa. Ela mesma é professora na área. Joël Dicker, por sua vez, é suíço de Genebra e teve cinco livros recusados antes de A Verdade sobre o Caso Harry Québert, um best-seller instantâneo no mundo inteiro.
Ambos os livros são de mistério. Um se passa na corrida do ouro num vilarejo da Nova Zelândia, em meados do século 19; o outro numa pequena cidade norte-americana, envolvendo dois escritores. Para Catton, o sucesso, quando chega cedo, pode ser perigoso: “o maior inimigo do escritor é a complacência”. Dicker, num discurso ligeiramente demagógico, disse que o sucesso não vale nada diante do prazer de formar um público leitor – e citou visitas a escolas pobres na França: “temos de pensar o que podemos fazer para que as próximas gerações continuem lendo e sonhando”. Foi muito aplaudido.
Sobre a realidade histórica, Catton declarou que “o livro é uma aventura, não é feito para buscar fatos, mas para encontrar a verdade.” Foi sua vez de ser muito aplaudida.
Por aí
A Flip mudou sua arquitetura e infraestrutura. Está melhor, mais leve, mais fluente. Assim como os eventos “off” Flip. As mesas reunindo os cronistas Antonio Prata e Tati Bernardi na Casa Folha e logo depois a mesa com o lançamento da nova obra de nosso mais letrado Don Juan, Xico Sá, não à toa intitulada O Livro das Mulheres Extraordinárias, lotaram completamente, com filas e gente espremida tentando ter algum vislumbre de seus ídolos; curiosamente, escritores. Bem podia ser assim o ano todo e em todo lugar do país.
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