Brasil, Estados Unidos e Israel não ratificaram o Tratado sobre Comércio de Armas

Camila Asano - Foto: Conectas
Camila Asano – Foto: Conectas

Em dezembro de 2014, um acordo global chamado Tratado sobre Comércio de Armas entrou em vigor para regular as vendas e as doações internacionais de armas convencionais. Resultado de duas décadas de mobilizações da sociedade civil do mundo todo, a lei internacional trata da compra e venda de tanques de guerra, aviões de combate, rifles, metralhadoras, pistolas e munições. É um mercado que chega a movimentar, anualmente, US$ 80 bilhões.

O tratado estabelece regras para evitar e prevenir que as armas e munições sejam usadas em países onde há genocídios e outros crimes contra a humanidade, além de diminuir o desvio de comércio ilegal e estabelecer parâmetros de transparência entre os signatários. É um compromisso com a paz.

Os Estados Unidos, onde aconteceu o massacre de Orlando em uma boate gay, matando 49 pessoas, assinou mas não ratificou o tratado. O Brasil também não. Nem Israel.

Simbólico.

Para compreender melhor a atuação do Brasil enquanto fornecedor mundial de armas leves – o País seria o quarto maior exportador do mundo – a Brasileiros conversou com Camila Asano, bacharel em Relações Internacionais, mestre em Ciências Políticas e coordenadora do programa de Política Externa da Conectas, organização da sociedade civil que tem um relevante trabalho em direitos humanos.

Entenda, a seguir, como o Brasil se situa no mapa de exportação de armas no mundo.  

Revista Brasileiros – Qual é o posicionamento do Brasil em relação ao Tratado sobre Comércio de Armas?
Camila Asano –
O Brasil foi um dos primeiros países a assinar o Tratado sobre Comércio de Armas há três anos, em 3 de junho de 2013. Na ocasião, o representante brasileiro afirmou que o Brasil sinalizava de maneira inequívoca ao mundo que pretende tomar as medidas necessárias para que o comércio internacional de armas seja conduzido de maneira responsável. Esse claro posicionamento de apoio se refletiria no plano nacional, com expressão conjunta de suporte ao acordo internacional pelos Ministérios das Relações Exteriores, da Defesa e da Justiça, ainda que o procedimento no Executivo tenha levado mais de 16 meses. Cabe agora ao Congresso Nacional finalizar a análise do Tratado – procedimento que já dura 19 meses somente na Câmara dos Deputados – para que o processo de ratificação seja concluído.

O que significa o país não ser signatário até o momento?
Significa que o Brasil está fora da lista de países que aderiram aos mais altos padrões internacionais existentes de regulamentação de armas. A imagem de exportador do país fica comprometida, pois ainda não aderiu ao TCA que, por exemplo, proíbe que armas sejam vendidas a países onde há crimes contra humanidade e genocídio.

Além disso, como Estado não signatário o Brasil deixa de ter participação decisória plena nos processos de regulamentação do Tratado sobre Comércio de Armas. Essa regulamentação se dá principalmente nas “Conferências de Estados Partes”, que têm deliberado, entre outras importantes medidas, sobre o formato dos relatórios periódicos de transferências de armas a serem apresentado pelos Estados Partes. A falta de ratificação pelo Brasil o torna mero coadjuvante neste debate.

Em relação ao mundo, em que colocação está o Brasil em termos de produção de armamentos?
O Brasil é o quarto maior exportador mundial de armas pequenas, segundo a Small Arms Survey. Isso é resultado de uma influente indústria de armas de pequeno porte, que prosperou graças a políticas de fomento nos anos 1970, durante o período de ditadura militar no país (1964-1985). Tais incentivos à indústria nacional de defesa – que, após período de baixa no final dos anos 1980 e ao longo dos 1990, teve fôlego retomado a partir dos anos 2000 – tem propiciado iniciativas como o desenvolvimento de blindados sobre rodas, sistemas de artilharia de mísseis e foguetes de médio alcance (300 quilômetros), além de aeronaves de combate, como o Super Tucano (Embraer EMB-314) e o projeto de uma aeronave de grande porte multimissão (Embraer KC-390).

Há poucas informações oficiais sobre os principais mercados das armas brasileiras e o montante movimentado, decorrência da postura do governo do Brasil de limitar acesso a esses dados tendo como base questões de segurança nacional ou suposto sigilo comercial. Informações obtidas a partir da coletânea de bases de dados indicam que os principais mercados de armas leves são compostos de países desenvolvidos, com destaque para Estados Unidos, Estônia, Alemanha, Singapura e Bélgica. Com relação aos outros tipos de armas, os últimos relatórios entregues pelo Brasil ao Registro de Armas Convencionais das Nações Unidas – referentes aos anos de 2010, 2012, 2013 e 2014 –  relatam a venda de aviões de combate para Angola (6), Indonésia (12) e Mauritânia (2), além de sistema antimísseis para o Paquistão (15). Há, no entanto, clara denúncias de entidades que acompanham o comércio internacional de armas de que os países subnotificam suas vendas realizadas neste sistema da ONU.

Que outros países não ratificaram o Tratado?
Hoje o Tratado sobre Comércio de Armas conta com 85 Estados Partes, incluindo grandes exportadores de armas convencionais, como França, Alemanha, Reino Unido, Itália e Suécia. Há, ainda, 45 Estados que assinaram mas não concluíram até o momento a ratificação, entre eles os Estados Unidos e Israel, além do Brasil.

Que relação tem a nossa política de exportação de armas com a Pnemem (Política Nacional de Exportação de Material de Emprego Militar)? Continua em vigor até hoje?
Hoje as diretrizes do controle de transferências internacionais de armas convencionais encontram-se reguladas pela PNEMEM – Política Nacional de Exportação de Material de Emprego Militar, estabelecida durante a ditadura militar. Contrariando as premissas de uma democracia, a PNEMEM é um documento sigiloso e cujas atualizações, desde sua adoção em 1974, aconteceram longe do escrutínio público. Esse sigilo está em descompasso com o período democrático iniciado após o término do regime autoritário no Brasil, devendo tal política ser reformulada a fim de incorporar mecanismos mais transparentes. Nesse sentido, espera-se que a adesão plena do Brasil ao Tratado sobre Comércio de Armas impulsione o avanço na transparência na legislação nacional em matéria de exportação de armas convencionais, considerando o dever de apresentação de relatórios periódicos ao Secretariado do acordo (conforme Art. 13 do TCA).


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