Cenário incerto com as Farc gera crise entre governo da Colômbia e grupo armado

O presidente colombiano, Juan Manuel Santos, anuncia, em cadeia nacional, a suspensão dos diálogos com as Farc, na segunda-feira (17). Foto: Presidencia de la Republica de Colômbia
O presidente colombiano, Juan Manuel Santos, anuncia, em cadeia nacional, a suspensão dos diálogos com as Farc, na segunda-feira (17). Foto: Presidencia de la Republica de Colômbia


Exatos seis meses depois de ser reeleito presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos enfrentou nesta semana o seu primeiro desafio de grandes proporções no cargo, que ocupa desde 2010. Na tarde de domingo (15), o general Rubén Darío Alzate, comandante da Fuerza Titán, grupamento tático mais importante das províncias de Chocó e Antióquia, foi sequestrado pela Frente 34, uma das várias ramificações das Fuerzas Armadas Revolucionárias de Colômbia (Farc), em Las Mercedes, na região norte do país. A confirmação de que o oficial estava sob poder da guerrilha colombiana chegou rapidamente nos governos latino-americanos, aguçou a imprensa internacional – traumatizada pela história da franco-colombiana Íngrid Betancourt – e explodiu no início da noite do mesmo dia na Casa de Nariño, sede do governo da Colômbia. No início daquela madrugada, Santos anunciou, em entrevista coletiva, a suspensão dos diálogos que o Estado mantinha com as Farc desde fevereiro de 2012, em Havana, capital de Cuba.

Na quinta-feira (20), os porta-vozes das negociações em Havana disseram que o governo chegou a um acordo com a guerrilha para libertar o general e as outras quatro pessoas que estavam com ele no momento da investida.

Até então, o diálogo era elogiado por todos: população, imprensa e políticos. Dos cinco pontos que haviam sido propostos para o debate, três (terra, participação política e drogas ilícitas) já estavam solucionados, faltando apenas os dois considerados mais complicados (reparação de danos às vítimas e desarmamento), e as Farc já tinha se comprometido a não sequestrar civis. “A negociação deve continuar, mas o cenário é incerto”, analisa o professor colombiano Elias David Morales Martínez, da Universidade Federal do ABC Paulista (UFABC). Na terça-feira (18), o governo lançou uma enquete no site oficial da mesa de negociações perguntando qual era a opinião da população sobre a decisão com três opções: até este sábado (22), vencia o “não”, com 42,64%, deixando claro o desejo do colombianos no fim da guerra.

Para entender o contexto do conflito entre Colômbia e as Farc e o que pode acontecer daqui para frente, leia abaixo a entrevista de Elias Morales à Brasileiros:

Brasileiros – A suspensão das negociações com as Farc se deu apenas porque, dessa vez, o grupo sequestrou um oficial de alta patente do Exército?
Elias David Morales Martínez: Eu acho que sim. Na história do conflito colombiano já havia acontecido situações parecidas, inclusive, com o rapto de um ministro da Justiça da Colômbia. O mais recente fato foi em 2002, quando o governo colombiano cedeu um território de El Caguán, uma região extensa do país, para as Farc, antes do início das negociações em Havana. O interessante disso é que não foi apenas o cessar-fogo, mas a cessão de um território que é maior do que os Estados de Alagoas e Sergipe juntos. Ou seja, um território amplo. Teve também o caso do sequestro de um avião comercial no qual estava a família de um senador de uma região muito importante da Colômbia. Isso foi considerado um ato terrorista que influenciou diretamente nas negociações. A questão dos sequestros, enfim, é o que a população colombiana mais abomina e, em maior grau, é ela que tem sofrido com esta situação de conflito entre as Farc e o Estado. Quando o sequestro é utilizado como instrumento de negociação, de moeda de troca ou como forma de forçar o governo a fazer as exigências da guerrilha, aterroriza a população. Assim, o que aconteceu no domingo coloca o ponto mais crítico das negociações recentes que começaram em 2012, porque mais uma vez o sequestro aparece como elemento de polarização da sociedade. Pese nisso o fato de ser a primeira vez que um general do exército colombiano é sequestrado.

E aí entra um debate até sobre a estrutura das Forças Armadas da Colômbia.
Sim, é preciso entender o nível de capacitação das Forças Armadas do país: a partir do Plano Colômbia, negociado em 2000, o exército colombiano se tornou um dos mais fortalecidos da região, com um ótimo treinamento, infraestrutura, tecnologia, tudo a partir do Plano Colômbia, que teve o convênio bélico com os Estados Unidos. A questão é que o general [Rubén Darío] Alzate foi sequestrado em circunstâncias estranhas. A informação que existe é que ele estava à paisana e não tinha sequer um segurança ao seu lado. Mas eu acho que o mais importante de ler nesse sequestro do general é que a guerrilha quer, de qualquer forma, impor um cessar-fogo, coisa que o governo de Juan Manuel Santos é totalmente contra.

Por quê?
Primeiro por causa da experiência histórica das negociações. Os diálogos com as Farc sempre aconteceram com poucas cessões e dando liberdade para a guerrilha negociar. Sempre se conversou com as Farc em período de paz e os resultados desses processos nunca se materializaram em paz efetivamente. O que acontecia era o fortalecimento ideológico da guerrilha, que conseguia agregar mais combatentes aos seus quadros e difundir ainda mais a polarização com o governo. Pela via militar, ainda, aumentavam os sequestros e as ações naturais que eles sempre empreenderam na Colômbia. Na visão do governo de Santos, portanto, um cessar-fogo seria entendido como uma fraqueza por parte do Estado colombiano. Negociar em períodos de paz pressiona a guerrilha para que o grupo chegue a acordos mais rapidamente. Santos, quando ministro da Defesa e agora como presidente, foi quem aplicou os golpes mais duros na guerrilha. Ele conseguiu eliminar líderes do grupo empregando táticas militares novas, como as investidas na fronteira com o Equador e as mortes de Raúl Reyes e Alfonso Cano. Essa estratégia de matar as cabeças pensantes do grupo, tanto quando ele era ministro como agora, como presidente, foi um símbolo do sucesso dele, de forma que, aceitar o cessar-fogo imposto pelas Farc seria a mesma coisa que aceitar que o exército não está compatível com o fortalecimento da guerrilha. Para o presidente, é melhor negociar durante a guerra do que durante o cessar-fogo, porque durante o cessar-fogo o inimigo tem a oportunidade de se recuperar e, durante o conflito, ele se esforça, se cansa. As Farc, por sua vez, quer ou procrastinar o tempo ou impor o cessar-fogo.

General Rubén Darío Alzate, comandante da Fuerza de Tarea Conjunta Titán, sequestrado no domingo (16) em Chocó, na Colômbia. Foto: Arquivo pessoal
General Rubén Darío Alzate, comandante da Fuerza de Tarea Conjunta Titán, sequestrado no domingo (16) em Chocó, na Colômbia. Foto: Arquivo pessoal

E neste meio termo tem as negociações em Havana.
E olha que interessante: dos cinco pontos que estão sendo debatidos, três já foram acordados. Faltam apenas dois. Nunca tinha acontecido isso na história da Colômbia. Por isso, o sequestro do general Alzate deixa o ambiente dos diálogos mais crítico.

As Farc lutam por quais bandeiras hoje?

Quando falamos das bandeiras atuais das Farc precisamos relembrar da história recente da Colômbia. O país – assim como alguns outros da América Latina – herdou a polarização ideológica da Guerra Fria. Na Colômbia, as ideologias de esquerda ficaram sem saída devido a um acordo entre os partidos da direita, que, em 1958, formaram a Frente Nacional, que passou a se revezar no poder. Nos primeiros quatro anos, um presidente era indicado pelo Partido Liberal. Depois, nos quatro anos seguintes, era a vez de um candidato do Partido Conservador e, assim, eles se mantinham no poder.  Este esquema deixou a esquerda sem participação política. Os partidos esquerdistas foram excluídos politicamente das decisões e perderam a voz ativa nestes processos. A única saída encontrada, então, foi pegar em armas e lutar pela inserção nas discussões políticas desta forma, além, é claro, de batalhar por justiças sociais, igualdade, a luta de classes sociais, enfim. As Farc se alimentaram da ideologia socialista durante a Guerra Fria. É importante salientar, porém, que a guerrilha se organizou em várias frentes que não apenas as FARC, mas outras, que depois se juntariam, ou formariam as FARC ou mais algumas negociariam com o governo, como o caso do Movimiento 19 de Abril, conhecido como M-19…

É nesse momento que aparece a Unión Patriótica?
Exatamente. O caso da Unión Patriótica é interessante: era a saída política das FARC formado apenas como um partido político de esquerda que foi eliminado pela extrema-direita colombiana nos anos 80. Quando eu falo eliminado é no sentido literal, de assassinato, morte. Todos os membros da Unión Patriótica foram mortos e até alguns do M-19 também sofreram este fim. Quando terminou a Guerra Fria, os conflitos de insurgência na América Central e na África começaram a ser solucionados, leia-se, eliminados, tanto por entidades locais como internacionais, com a, digamos, derrota do socialismo. Na Colômbia, porém, esses movimentos de guerrilha seguiram uma rota contrária, se fortaleceram e, então, essa história começa a mudar, porque as motivações da guerra deixaram de ser apenas ideológicas para ganharem outros matizes profundos. Entre essas questões, se inicia a estreita relação entre estes grupos insurgentes e o narcotráfico, como consequência do fim da era dos cartéis. Antes, na Colômbia, as drogas eram negociadas em cartéis: o de Medellín, do Pablo Escobar, o de Cali, o do Caribe, enfim. Era uma situação que hoje se repete no México. A guerrilha se aproxima do mercado de drogas quando passa a tomar conta de vastos territórios de produção de coca e, assim, acontece uma ruptura entre o narcotráfico e os movimentos rebeldes, que encontram na venda de drogas uma forma de financiamento. O conflito colombiano se dá, principalmente, neste momento, e por isso se fez necessário o Plano Colômbia, que vem com um investimento maciço em inteligência, em armas e em estrutura para conter o narcotráfico de uma outra forma. É isso que está acontecendo hoje. As bandeiras iniciais das Farc, portanto, eram de luta social, de trazer um crescimento justo para a população, de inserir na sociedade, de educação. Isso na década de 60 e 70. Quando chega aos anos 90, a ideologia muda muito e essa alteração não tem o mesmo efeito na população. Ao contrário, as ações que as Farc utilizam para se financiar, o sequestro e o narcotráfico, são repudiadas pela população. A luta deles é para se colocar como um grupo ideológico, mas as pessoas já não entendem mais assim, com exceção das localidades onde ela é presente e o Estado, por consequência, ausente. Nestes locais, são as Farc que fazem a justiça, as leis e as instituições que teriam que ser responsabilidade do Estado.

O senhor acredita que a mesa de negociações de Havana é definitiva? Depois desse diálogo as coisas vão se resolver em caráter final?
Eu acredito que todo o conflito somente será solucionado a partir de um tratado posto em um documento formal. Não acredito em que os conflitos sejam solucionados pela via armada, porque, por mais que uma hora um vai suprimir ou outro, o derrotado retorna com o tempo e em condições muito mais fortes. A questão do conflito colombiano precisa ser resolvida com negociação. É um caso parecido com o Sendero Luminoso, no Peru: o grupo foi esmagado quando Alberto Fujimori era presidente, e as consequências são visíveis, com um tratado de paz, uma inclusão social desses partidos e a aceitação da população peruana que confia nesses grupos políticos. Os diálogos entre o governo colombiano e as Farc nunca atingiram um nível tão alto como o atual, e aí está mais um mérito do Juan Manuel Santos. Ele conhece exatamente o funcionamento das Farc e sabe como agir com a guerrilha tanto em uma mesa de negociação como na via armada. O diálogo iniciado em Havana atingiu três pontos dos cinco que foram separados, o que não deixa de ser um avanço incrível, mas os dois pontos finais, reparação de danos e vítimas e o desarmamento do grupo, são os mais difíceis, porque atingem a maior vulnerabilidade das FARC, que é reconhecer a sua falha em se envolver com crimes. É preciso criar uma estratégia para que eles entreguem as armas e, para o governo Santos, esse último termo mobiliza também o exército, que vai precisar cara a cara com as Farc para decidir como será feito isso. Neste momento, a crise na Colômbia é reflexo disso: enquanto as Farc querem o cessar-fogo, o governo entende isso como uma fraqueza.

Mas o que é preciso ser feito agora? Tem três pontos acordados já.
Pois é. Jogá-los e continuar no conflito, levando o exército mais pra dentro das localidades para combater a guerrilha ou começar uma nova negociação? É complicado e, por isso, eu acho que o momento atual é crucial. A negociação deve continuar, mas o cenário é incerto. Pode ser também que esse acontecimento seja um catalisador para que os dois pontos finais sejam resolvidos rapidamente.


Comentários

Uma resposta para “Cenário incerto com as Farc gera crise entre governo da Colômbia e grupo armado”

  1. Avatar de Elias David Morales
    Elias David Morales

    As negociações realizadas na região do El Caguán foram encerradas em 2002 e não em 2012 no final do governo Pastrana.

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