Autora de uma tese sobre a crise da União Europeia, a professora Maria de Fátima Silva do Carmo Previdelli considera que a decisão do eleitorado britânico revela “o fortalecimento dos grupos nacionalistas que discordam da existência de políticas unificadas no âmbito da segurança e imigração”. De acordo com a professora da UFMA, desde 2011 “há uma desconfiança crescente entre os grupos que defendem políticas mais rígidas de imigração e a defesa de interesses ditos nacionais”.
A mesma posição é compartilhada por Giorgio Romano, coordenador do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC. Para ele, dois discursos confluíram no resultado final. “Há o discurso do nacionalismo econômico, de que uma Inglaterra independente teria mais condições de definir sua política econômica. O ex-prefeito de Londres Boris Johnson liderou essa corrente. Do outro lado há a direita populista, de Nigel Farage, que insistiu muito no problema do controle das fronteiras”.
Para Romano, essa foi a questão crucial: “David Cameron subestimou o peso que a questão da imigração teve na votação. Ela levou muita água para o moinho da direita. A ideia de controlar as fronteiras, de barrar a imigração, foi decisiva. Ele errou quando convocou um plebiscito sobre esse tema. Você não convoca um plebiscito para deixar tudo como está. Mas ele tentou repetir o que os trabalhistas fizeram em 1975, quando usaram o plebiscito para arrancar algumas vantagens da Comunidade Europeia”.
A rigor, a relação do Reino Unido com o restante da Europa sempre foi problemática. De acordo com Previdelli, os britânicos nutriam muita desconfiança em relação à Comunidade Europeia, tanto assim que “criaram um bloco paralelo em 1960 (a Associação Europeia de Comércio Livre em conjunto com Áustria (1960), Dinamarca (1960), Noruega (1960), Portugal (1960), Suécia (1960), Suíça (1960), Finlândia (1961), Islândia (1970), do qual ainda participam Noruega, Islândia e Suíça”. Para ela, “não é segredo que os ingleses temiam o fortalecimento militar do continente e da Alemanha desde o final da 2ª Guerra Mundial, e somente aceitaram sua reunificação após o apoio dos Estados Unidos à questão, em 1990. Portanto, a saída britânica do grupo tem mais contexto do que apenas resistência econômica”.
O professor da UFABC acrescenta que muitos ingleses se consideram diferentes dos europeus, e uma boa parte da população sempre quis reafirmar sua posição de independência. Isso sempre obrigou os governos e a negociar um status especial para o Reino Unido, como a manutenção de uma moeda própria: “O Reino Unido só entrou na Comunidade Econômica Europeia em 1973, 16 anos depois da assinatura do Tratado de Roma, durante um governo conservador. E aí, em 1975, houve um plebiscito convocado pelo Partido Trabalhista”. Os argumentos usados na época foram semelhantes aos de hoje, mas a permanência no grupo venceu, graças às pequenas concessões obtidas pelos ingleses.
Desta vez, porém, o Partido Trabalhista não se mobilizou: “Uma parcela significativa da classe trabalhadora estava insatisfeita com os salários congelados e a insegurança”, diz Romano. “Ela foi sensibilizada pelo voto de protesto. Além disso, houve um problema de comunicação no Partido Trabalhista. A cúpula não conseguiu convencer sua base sobre a importância de permanecer na UE”.
Na opinião de Previdelli, contudo, outros países enfrentarão dificuldades maiores caso decidam seguir o mesmo caminho dos ingleses: “É sempre mais fácil para os países que não alteraram suas economias para o Euro saírem do grupo. Os demais enfrentarão maior resistência das potências envolvidas, pois a força da moeda no cenário internacional depende da confiança na sua estabilidade”.
Ela avalia ainda que não dá para comparar a crise na União Europeia com as dificuldades enfrentadas pelo Mercosul: “A União Europeia tem 60 anos de história e o Mercosul configura-se principalmente de tratados comerciais. É importante levar em consideração o contexto geopolítico de cada região. O Brasil já vem perdendo espaço nas suas negociações com a UE desde 2008, e em parte tais perdas têm sido compensadas pelo aumento de transações com o BRICS. Creio que, no curto prazo, a situação não se altere. Já no médio prazo acredito no acirramento de políticas de cunho protecionista que serão tomadas pelos países do bloco numa tentativa de acalmar os desejos nacionalistas de seus membros”.
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