A democracia à venda?

Alexis Tsipras, primeiro-ministro grego, fala à população em Atenas, capital do país - Foto: SPIEF 2015
Alexis Tsipras, primeiro-ministro grego – Foto: SPIEF 2015

Meia-noite em Atenas. O primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, exausto e com voz embargada, faz um breve discurso no qual a palavra-chave é “dignidade”. Após dez dias de intermináveis negociações com os dirigentes da União Europeia (UE), do FMI e com os governos dos Estados-membros sobre o financiamento da dívida grega, os credores apresentaram uma proposta com três pilares: emprestar à Grécia apenas o dinheiro que necessita para pagar suas dívidas a bancos e Estados até o fim de 2015; obrigá-la a aumentar os impostos sobre o consumo; baixar ainda mais as aposentadorias. Ou seja, propunha-se seguir no caminho dos últimos anos que fez o PIB do país regredir 25%, os gregos ficarem cada vez mais pobres, a dívida aumentar e o desemprego dos jovens chegar a 62%.

O governo da Grécia encontrava-se em um labirinto de incertezas, medos e humilhações. Tentou como saída uma consulta democrática, um referendo, convocado para domingo (5), para ouvir aqueles que mais sofrem com a atual situação. A pergunta feita ao povo grego é: Sim ou Não à proposta dos credores? O governo sugere votar Não (em grego: “Ohi”).

Governantes dos demais Estados chamaram o referendo de “decisão lamentável”. Isso mostra que, na Europa, não há somente déficit democrático; há aquilo que o filósofo Jacques Rancière chamou “ódio à democracia”. Os dirigentes da EU simplesmente desejam que o governo grego aceite um acordo que o povo grego rejeita.

Historicamente, a decisão dos gregos pelo “Ohi” seria a terceira em 75 anos. O primeiro foi dito em 1940, respondendo ao pedido do governo italiano de ocupar militarmente a Grécia para facilitar suas operações na Segunda Guerra Mundial. O resultado foi uma guerra devastadora para ambos os países. Mas essa catástrofe aguçou a consciência política dos gregos e preservou a soberania do país.

O segundo “Ohi” foi dito em 1975, em referendo que aboliu a monarquia e confirmou o exílio da família real – de origem dinamarquesa. Dessa vez, não houve conflitos e o regime republicano levou a Grécia a trinta anos de prosperidade.

O que ocorrerá após um terceiro “Ohi” dos gregos no dia 5 de julho? Não há bons profetas na política. Os dirigentes da UE ameaçam a Grécia com isolamento, saída do euro e uma crise econômica sem precedentes. Outros consideram que esse será o primeiro ato da implosão da EU com a marginalização geopolítica de seus Estados. Alguns, por fim, acreditam que o conflito não passa de uma encenação, pois, cedo ou tarde, o governo grego será levado a aceitar a proposta dos credores.

Um dos mitos fundadores do Ocidente é que a Grécia foi o berço da democracia. Os fatos históricos desmentem esse mito. Mas ninguém duvida que, nesse momento, o povo grego realiza um exercício de democracia que fica cada vez mais raro entre países da UE. Proclama que as questões econômicas não são técnicas, mas políticas. E tenta confirmar a definição que Lincoln deu à democracia: governo do povo pelo povo, para o povo.
 
*Dimitri Dimoulis cursou Direito na Universidade de Atenas, na Grécia. É professor de Direito Constitucional na Escola de Direito de São Paulo, na Fundação Getúlio Vargas (FGV)
**Soraya Lunardi fez estudos de pós-doutorado na Universidade Politécnica de Atenas. É professora de Direito Público na Universidade Estadual Paulista (UNESP)


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