O mundo acompanhou atônito à tentativa de golpe militar que assombrou a Turquia na última sexta-feira (15). Tanques na rua, aeronaves militares no céu e um apelo do presidente Recep Tayyip Erdogan à população: “saiam e impeçam o golpe”. E conseguiu, após um saldo de 290 mortos e 1.400 feridos. No dia seguinte, Erdogan foi elevado à posição de vítima e herói nas redes sociais. Ledo engano. Idolatrado e odiado entre os turcos, Erdogan é conhecido por flertar com progressistas e radicais de acordo com suas ambições políticas.
Nascido em 1954, o hoje presidente foi levado pelo pai para morar em Istambul, a maior cidade turca, aos 13 anos. Já na adolescência, vendia bolo e limonada nas ruas da cidade. Nas horas vagas, frequentava a escola islâmica. Adulto, estudou economia na Universidade de Mármara, onde chegou a jogar futebol profissionalmente. Foi quando conheceu Necmettin Erbakan, que mais tarde se tornaria primeiro-ministro. Era um sinal de que a política também estava no caminho de Erdogan.
Em 1994, ele sagra-se prefeito de Istambul. Até os críticos admitem que ele foi bem-sucedido ao tornar a cidade ambientalmente correta. Mas em 1997 acabou dispensado do cargo e sentenciado a 10 meses de cadeia por incitação religiosa. “As mesquitas são nossos quartéis, as cúpulas nossos capacetes e os fiéis nossos soldados”, disse na ocasião.
Ficou quatro meses preso, saiu e criou o Partido da Justiça e Desenvolvimento. A legenda cresceu tão rápido que ficou com quase dois terços dos assentos no Parlamento nas eleições de 2002. Erdogan, então, foi alçado ao cargo de primeiro-ministro, posto que só deixou em 2014, quando foi eleito presidente da Turquia com 52% dos votos.
As razões para a longevidade no poder são muitas, explica o professor de relações internacionais da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), Sidney Leite. Muitas delas recheadas de contradição. “Ao chegar ao poder, Erdogan fez uma mudança ideológica no partido. Virou as costas para o Oriente Médio e se voltou para a Europa com a intenção de ingressar na União Europeia.” Ele jogou luz sobre a secularização do Estado e proximidade da cultura turca com valores ocidentais. “A ideia era passar para o Ocidente a imagem de modernização.”
Em outra frente, promoveu reformas econômicas que garantiram crescimento anual médio de 4,5% e inflação sob controle. “É outro aspecto que explica a permanência dele no poder: a Turquia não sentiu a crise econômica de 2008”, diz o professor. Nem assim, a UE aceitou os turcos. Restou a seu presidente mudar de lado.
Recentemente condenou Israel – antigo aliado – pela maneira como trata os palestinos, e apoiou a oposição na Síria em sua luta contra o governo de Bashar al Asad. “À medida que Erdogan viu frustrado o projeto de inserção na UE, ele se voltou novamente para o Oriente Médio para fazer da Turquia um exemplo a ser seguido”, conta o professor. “Ele é um político pragmático, navega de acordo com as condições colocadas.”
Não demorou muito para que a comunidade internacional criticasse a forma como ele “silenciava” seus opositores. Com o tempo, Erdogan passou a levar jornalistas à Justiça; correspondentes internacionais sofreram perseguição. Em abril, a polícia invadiu o maior jornal da Turquia, o Zaman, ocasião em que alguns funcionários deixaram o local ensanguentados. “Outra faceta dele é ser paranoico com a oposição: ele persegue, não admite uma oposição rigorosa, e acabou fazendo muitos inimigos internos e externos”, explica o professor.
A última acusação feita por opositores é que o mandatário turco pretende mudar a Constituição do país para se tornar um presidente totalitário, com forte apelo religioso, o que contradiz a Carta Magna, que faz da Turquia o único país laico de maioria muçulmana. Esse pode ter sido o ingrediente que faltava para a tentativa de golpe militar.
De acordo com o especialista, “as Forças Armadas turcas são seculares e fortemente voltadas para o Ocidente”. Ao, repentinamente guinar para o Oriente Médio, Erdogan começou a receber a desconfiança dos militares. “Juntando tudo isso mais a perseguição à mídia e demais poderes, parte das Forças Armadas talvez tenha se antecipado e dado um golpe.”
Embora os acontecimentos na Turquia tenham passado a impressão de que Erdogan é um presidente com forte apoio popular, Leite acredita que boa parte da população saiu de casa contra o golpe simplesmente por não desejar o exército no poder. “Podemos dividir a Turquia entre os que o amam e os que odeiam Erdogan: ninguém fica indiferente a ele.”
*Colaborou André Sampaio
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