“Eu acho ótimo que o Brasil vire uma Venezuela”, diz Igor Fuser

Maduro toma posse no Palácio de Miraflores, na Venezuela, em 2013. Foto: Marcelo Garcia / Palacio de Miraflores
Maduro toma posse no Palácio de Miraflores, na Venezuela, em 2013. Foto: Marcelo Garcia / Palacio de Miraflores

O que significa a expressão “virar uma Venezuela”, alardeada pelos opositores do Partido dos Trabalhadores (PT) durante a campanha presidencial e, principalmente, após a vitória de Dilma Rousseff? Talvez nem as pessoas que levantaram tais cartazes saibam responder. O que tentam dizer, por suposição, é que o governo petista tem inspirações no regime de esquerda bolivariano, idealizado no início dos anos 80 pelo então soldado do exército venezuelano, Hugo Chávez, e colocado em prática quando este chegou ao poder do país, em 1999. Chávez, como a maioria dos governos progressistas latino-americanos, aproximou-se de Cuba, uma relação temida por setores de direita do continente e, da mesma forma, pelas camadas contrárias ao PT no Brasil.

A Brasileiros de dezembro tentará responder este questionamento e, para isso, ouviu diversos especialistas no tema. Um deles, o jornalista e professor da Universidade Federal do Grande ABC, Igor Fuser, fala sobre as relações entre os dois governos atuais e traça um paralelo histórico para colaborar com esta discussão. Leia os melhores trechos abaixo.

Brasileiros – O que significa “virar uma Venezuela”, expressão usada pela oposição brasileira para criticar o governo petista?
Igor Fuser: É preciso, primeiramente, dizer de qual Venezuela estamos falando. A Venezuela dos últimos quinze anos – desde que o Chávez se tornou presidente, seus sucessivos mandatos e agora o governo do Maduro – está vivendo um processo de melhoria constante nas condições de vida da população. O IDH da Venezuela subiu significativamente, assim como o índice de alfabetização, o consumo de calorias por habitante, a expectativa de vida, além da diminuição em um terço da pobreza média e de metade para a pobreza absoluta. A Venezuela, hoje, é o país do mundo com a maior proporção de jovens cursando ensino superior também. Então, vamos ver de qual Venezuela estamos falando. Quando eu ouço esse argumento de que o Brasil vai “virar uma Venezuela”, eu acharia ótimo se virasse mesmo, porque esse é o caminho que interessa ao povo: a igualdade social aumentando e as condições de vida da população mais necessitada melhorando. É claro que setores da direita brasileira trabalham sobre uma imagem falsa da Venezuela que é construída pela mídia brasileira e pela mídia internacional dominada pelos interesses dos Estados Unidos, que procuram passar uma imagem de uma Venezuela caótica, convulsionada, o que não corresponde à realidade. É interessante observar como evolui essa imagem falsa construída pela mídia: até algum tempo atrás a onda era falar da violência da Venezuela, mas os índices caíram absurdamente nos últimos anos. Eu estive lá duas vezes nesse ano e pude ver uma Caracas bem policiada, bem tranquila, e isso é refletido nos dados. Aí passaram a falar de escassez: você vai lá e vê que não falta nada. O foco da mídia sempre vai mudando. A Venezuela tem problemas típicos de uma mudança política e social muito profunda, que envolve conflitos de interesses de classes sociais que se apropriavam do grosso da renda petroleira e hoje estão fora do poder, tendo uma participação pequena na renda do país. Esse setor está inconformado e quer derrubar o governo. Perderam todas as eleições que participaram, tentaram desestabilizar o governo esse ano com uma onda de ações violentas e também não conseguiram e, agora, estão divididos: uma parte significativa partiu para a oposição política dentro dos meios democráticos na expectativa de vencer as próximas eleições e uma outra parte continua alimentando planos golpistas. Mas essa coisa de “o Brasil vai virar uma Venezuela” é muito relativa. Depende do que as pessoas que falam isso querem, de fato, dizer.

Tem algum tipo de base de comparação entre os momentos políticos, econômicos e sociais de Brasil e Venezuela?
São sociedades muito diferentes, que vivem processos políticos distintos e que têm, claro, algumas semelhanças específicas, como a desigualdade social, a inserção periférica na economia internacional e a luta durante suas histórias pela conquista de autonomia, enfrentando as potências dominantes, com os Estados Unidos assumindo esse papel na América Latina a partir do século XX. Existe, portanto, um paralelo na busca por igualdade social no Brasil e na Venezuela. Evidentemente que é possível encontrar pontos comuns entre os governos do Chávez e do Maduro na Venezuela, e os governos do PT, com Lula e Dilma, no Brasil. São governos com foco nas políticas sociais, na redução da pobreza, da desigualdade, na criação de oportunidades, na soberania nacional e na busca da integração regional. Também existem pontos distintos: o governo da Venezuela é socialista, não que seja um país com regime socialista – a Venezuela é um país capitalista com alguns elementos que apontam para o socialismo do futuro –, enquanto o Brasil é um país capitalista, com os governos do PT, de Lula e Dilma, tentando dar melhores condições para a maioria das pessoas dentro do regime capitalista, sem a tentativa de superação deste modelo. Os governos petistas – aliados com os partidos da coalizão – tentam melhorar a vida do povo com o capitalismo que nós temos. Essa é uma diferença fundamental entre os governos do Brasil e da Venezuela e, nesse sentido, o governo brasileiro não tem nada de bolivariano. O governo do Brasil, aliás, pode ser mais bem comparado com o do presidente Frank Roosevelt, dos anos 30 e 40, nos Estados Unidos, do que o governo Chávez na Venezuela. Não é um governo revolucionário de modo nenhum. Ele apenas tenta melhorar a vida das pessoas no capitalismo.

Alguma diferença mais pujante?
Existe outra diferença entre os dois países: na Venezuela, a busca por uma maior justiça social provocou um confronto entre os diferentes grupos da sociedade, as camadas privilegiadas e as mais pobres. No Brasil temos uma situação mais complexa, já que não temos uma sociedade dividida em dois blocos, o dos ricos e o dos pobres. Aqui, esse punhado de ricos e pobres existe, mas no meio deles estão muitas classes intermediárias, uma camada média grande com diferentes intensidades, uma camada média mais rica que pensa como os ricos e vive quase como os ricos e existe outra camada média que está mais próximo da classe trabalhadora, o que a aproxima dos setores mais pobres. São nuances que tornam a política do Brasil mais complexa. A política do governo brasileiro é, nitidamente, de conciliação de classes, enquanto que, na Venezuela, essa conciliação de classes não foi possível até hoje, com um governo que expressa os desejos de uma maioria sobre uma minoria. O quadro de conflitos sociais é muito grande naquela sociedade. Isso muda muito as coisas. Agora, o preocupante no Brasil é a gente ver, como aconteceu na eleição e depois, já com o resultado, a reprodução – por parte de setores mais conservadores da sociedade – um discurso de ódio, de intolerância e irracionalidade similar ao discurso da burguesia da Venezuela. A ideia de que “vamos virar uma Cuba”, a defesa de soluções autoritárias, como setores brasileiros que defendem a volta dos militares, um ódio e uma intransigência que já era vista desde a abertura da Copa do Mundo com a presidenta Dilma vinda de setores privilegiados que estavam no estádio. Esse grau de agressividade, as brigas nas ruas, pessoas tendo os carros chutados porque neles estão colados adesivos do PT, isso lembra muito o grau de conflito social da Venezuela. É um elemento negativo da sociedade venezuelana que começa a se repetir aqui por iniciativa dos setores de direita, porque você não vê histórias de intolerância dos setores mais à esquerda da sociedade.

No sentido ideológico do qual a oposição brasileira argumenta, você acha que a Venezuela tem esse poder inspirador no continente?
São realidades muito diferentes e são forças políticas distintas. O PT não tem nada de chavista, ideologicamente falando. As pessoas que governam o Brasil, hoje os petistas, são pessoas com ideias próprias, que não estão aí para ser influenciadas por ninguém. A mesma coisa vale para as pessoas que governam a Venezuela. Então, essa coisa de influência é ridícula. Achar que o governo Dilma vai tomar atitudes por influências de algum outro governo chega a ser uma ofensa e nem a Venezuela se propõe a inspirar o Brasil em algum sentido. A relação entre Brasil e Venezuela é de respeito à autonomia um do outro e ninguém dá palpites nos assuntos internos de cada país. A Dilma não diz como o Maduro deve governar e nem ele faz isso aqui. Essa história de influencia bolivariana é ridícula. Aliás, isso é uma cortina de fumaça: os tucanos sabem muito bem que não há nada de bolivariano no governo brasileiro, mas usam esse argumento para disfarçar a derrota eleitoral que eles sofreram e a completa ausência de propostas que eles deram para o país. Quem acusa o governo de ser bolivariano sabe muito bem que está falando uma asneira, mas o faz para desqualificar. Antigamente, quando você queria ofender outra pessoa bastava chamá-la de “comunista”. O termo valia para qualquer um que defendesse justiça social, melhor distribuição de renda, evolução da vida dos mais pobres. Tudo era comunista, mesmo que a pessoa não fosse, de fato, comunista. Mas essa palavra perdeu esse sentido pesado. Saiu de moda usar isso como xingamento. Agora, a ideia de desqualificar alguém com o sentido que tinha a palavra “comunista” ganhou novas palavras, como “bolivariano”. Seria cômico se não fosse triste.

O que você definiria como governo bolivariano? Vale lembrar que outros dois Estados da América do Sul, Bolívia e Equador, se declaram como tal.
Acontece o seguinte: cada povo do mundo tem um tipo de luta por uma vida melhor, ou o que chamamos de emancipação. Em todos os lugares do mundo existem injustiças e as pessoas tentam superar essas injustiças de alguma forma. Cada país busca as preferências dessa luta na sua própria história. Então, se você olhar a linha histórica dos países andinos, Colômbia, Equador, Venezuela, Bolívia, todos eles lutaram juntos contra o domínio espanhol e debaixo da liderança de Simon Bolívar, que era venezuelano, mas que, mais do que isso, era sul-americano. A figura do Bolívar como herói, como libertador, como pessoa que encarnava o anseio de emancipação, é muito forte nesses países. Nós brasileiros, embora sul-americanos, tivemos uma história e uma tradição política diferente dos países da América Espanhola. Bolívar para gente faz parte da história, mas não é algo que faça parte da nossa história. É perfeitamente normal que governos como do Equador e da Bolívia, que compartilham esse anseio profundo de justiça social presente no chavismo venezuelano, também aceitem a denominação de bolivariano. Se você olhar mais perto, porém, vai ver que esses países também têm suas políticas próprias. Eles têm rumos distintos e esses caminhos são ditados por condutas internas. A liderança do processo na Bolívia, o Evo Morales, é uma referência do movimento social boliviano muito antes do Hugo Chávez ser uma liderança política na Venezuela. Se você olhar para o Equador, não dá pra imaginar que o Rafael Correa, um economista formado nas melhores universidades da América do Norte, vai seguir ordens do Chávez ou agora do Maduro. Não tem cabimento. Eles têm uma proposta social mais radical do que aquela gerida pelo PT, radical no bom sentido, do que busca ir na raiz dos problemas, resolver o problema da injustiça e da desigualdade social no seu cerne, com horizontes socialistas, ainda que não sejam socialistas, mas que acreditam que, no capitalismo, não vão conseguir atingir o objetivo de uma sociedade mais justa. Eles concordam que precisam ir além do capitalismo, precisam criar uma espécie de socialismo que seja diferente do modelo burocrático da União Soviética. Eles concordam que esse anseio continua vivo, mesmo com os erros do século XX. Esse campo bolivariano existe e o Brasil não faz parte, mas se associa e dialoga, seja na criação da Unasul, entre outros.

E o apego a Simon Bolívar, que é uma figura controversa? Na história do Bolívar se encontra tanto o ideal de uma América unida como uma simpatia por Napoleão Bonaparte, por exemplo.
Tem vários aspectos: primeiro que a importância dele para a Venezuela tem uma base no fato de ele ter sido venezuelano. Nos outros países em que figura dele faz parte – como libertador do Peru, do Equador, da Colômbia – a sua história é importante. Bolívar, na América Espanha, é o sinônimo de libertação. Os governos conservadores ao longo da história apropriaram a figura de Bolívar como símbolo do Estado para despir dele a imagem de conteúdo libertário, mas ele continua lá, sendo como um Tiradentes para nós brasileiros. O Tiradentes ainda foi enforcado, ele perdeu a sua luta, e o Bolívar venceu, não foi um mártir. Ele é um símbolo vitorioso para esses países. Mas eu não acho que ele tenha sido tão controverso assim: Bolívar nasceu em uma das famílias mais ricas da Venezuela – e isso não o desmerece em nada -, teve uma vida repleta de privilégios, boa parte dela passada na Europa, teve contato com a cultura clássica, com mudanças políticas que ocorriam naquela época e, inclusive, com essa simpatia pela trajetória de Napoleão Bonaparte não como imperador, mas como alguém que combateu a aristocracia feudal na Europa. Ele sim era uma figura polêmica, visto por nós, latino-americanos, como alguém que lutava contra a velha ordem europeia. É perfeitamente normal que houvesse essa admiração.

 


Comentários

6 respostas para ““Eu acho ótimo que o Brasil vire uma Venezuela”, diz Igor Fuser”

  1. Avatar de Paulo Falcão
    Paulo Falcão

    Este senhor é uma fraude, como fica claro no artigo abaixo:
    IGOR FUSER, O MALABARISMO DAS PALAVRAS E A MISÉRIA INTELECTUAL.
    http://wp.me/p4alqY-Et

  2. Avatar de Paulo Falcão
    Paulo Falcão

    Sobre este falso pensador e a Venezuela, sugiro ler este artigo:
    IGOR FUSER, O MALABARISMO DAS PALAVRAS E A MISÉRIA INTELECTUAL.
    http://wp.me/p4alqY-Et

  3. Avatar de fernando tostes
    fernando tostes

    Acho engraçado os intelectuais de esquerda defenderem tanto os governos comunistas….por que não se mudam pra la?

  4. Avatar de Maria Goretti
    Maria Goretti

    A Democracia custa esse altíssimo preço!!!Somos obrigados a permitir que um estrupício como esse ocupe espaço para despejar baciadas de asneiras…mas ainda é muito melhor que a porcaria de regime bolivariano,onde os que destoam das sandices e asneiras do Maduro são presos!!!

  5. Avatar de alcides rouman
    alcides rouman

    A filha deste lixo humano estuda cinema no Reino Unido.

  6. EU NÃO ACHO ÓTIMO O BRASIL VIRAR UMA VENEZUELA. PREFIRO QUE VIRE UMA FINLÂNDIA, NORUEGA, ISLÂNDIA, CANADÁ OU ESTADOS UNIDOS. Tenho há certeza que o nosso país vai progredir muito, sendo e continuando com o sistema capitalista. Temos que trabalhar para um estado mínimo em que o livre mercado prevaleça e assim todas as classes possam, usar de solução liberal para mudar suas vidas. Viva o Brasil capitalista!

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