De janeiro de 2014 a outubro de 2015, o número de buscas pelo termo “feminismo” no Google aumentou 86,7% no Brasil – passando de 8.100 para 90.500 buscas. O crescimento do interesse pelo tema revela também o aumento dos espaços ocupados pelas feministas, em especial, na internet. Antes estereotipadas, elas ganharam o apoio de estrelas e famosos. Um exemplo é a cerimônia do Oscar 2016, em que Lady Gaga cantou para o mundo´Till It Happens To You, canção sobre assédio e abuso, pautas históricas da luta contra o machismo.
Para a feminista Luíse Bello, gerente de conteúdo e comunidades da ThinkOlga, organização não governamental de ativismo online, “um Oscar inteiro falando de racismo e da falta de negros naquele lugar mostra como em todo o mundo tem havido um despertar social, muito por causa do barulho que se faz na internet. O feminismo faz parte desse movimento”.
Em 2015, a organização lançou a hashtag #primeiroassedio, após uma explosão de comentários sexistas a respeito de uma menina de 12 anos, que participava de um programa de televisão. A hashtag foi usada mais de 100 mil vezes no Twitter e fez milhares de mulheres relatarem o primeiro caso de assédio sexual ocorrido com elas. A média de idade relatada no primeiro abuso foi 9 anos. Durante a campanha, foram feitas mais de 11 mil buscas no Google sobre o que é assédio.
“Foi uma oportunidade de educação de muitas mulheres sobre o que é assédio, como ele acontece e o que fazer quando acontece”, acredita Luíse Bello.
Ela defende que o movimento apelidado por especialistas e imprensa como “primavera feminina”, em alusão à Primavera Árabe – onda de manifestações e protestos ocorridos no Oriente Médio e no Norte da África, a partir do final de 2010 – não tem volta.
“Essa estação não vai acabar e vai virar verão. A partir do momento que temos mais mulheres se reconhecendo feministas, atentas a essas causas sociais, se posicionando e lutando pelos seus direitos, não tem retorno. Alguns dizem que é uma onda do feminismo. Mas a onda passa. Acredito que não isso não vai passar”.
Para ela, as questões centrais dos debates são as mesmas do feminismo de sempre, mas agora ganharam espaço. “Uma vez que você expande o território feminino de conquistas e poder, ninguém vai tirar o que alcançamos, por exemplo, não vão voltar atrás ao nosso direito ao voto.”
Luíse conta que teve uma criação tradicional. “Sofrendo influências da mídia, de beleza: ‘você tem que ser magra, malhar, trabalhar, ser mãe e esposa’”. Ela diz que não se identificava feminista, mas apoiava as demandas. “A gente pensa que, para ser feminista, tem que participar de um movimento ou fazer alguma coisa. E não é isso. Se você concorda que homens e mulheres devem ter direitos iguais na sociedade, você é feminista.”
Aos 26 anos, ela avalia que “se tornar” feminista a ajudou a entender seu papel na sociedade. “Me ajudou a entender que eu traço o meu destino e posso fazer minhas escolhas sem ser julgada. Eu tenho direitos, liberdade de viver minha vida, escolher minha profissão, usar meu cabelo como quiser, ter o corpo que tiver, e não ser obrigada a viver de acordo com padrões. E estar bem assim.”.
Confira os principais trechos da entrevista:
Qual a maior barreira para que as mulheres alcancem a igualdade?
Luíse Bello: A gente vive em uma sociedade que não se assume machista, vivemos em estado de negação sobre os problemas que o machismo traz para a sociedade. Então o maior desafio é ter a consciência de que machismo afeta sim a vida das mulheres, que estamos morrendo na mão de parceiros, que muitos homens ainda nos veem como propriedade. Isso é machismo. Recebemos menos dinheiro porque somos mulheres. A gente não reconhecer que o problema existe não permite que a gente busque soluções. Esse despertar está acontecendo no país é um endereçamento a esse desafio. É preciso reconhecer que em vários ambientes perdemos nossos direitos básicos, desde a obrigação informal de seguir certas regras de conduta para evitar estupros e assédio, até as leis. Precisamos que mais mulheres tenham essa consciência. As causas femininas precisam ser claras.
Como a internet ajudou o feminismo a ganhar força, tornando-se tema cotidiano para muitos?
Luíse: A internet ajudou muito o feminismo a ganhar o apoio de mulheres que não eram iniciadas. O movimento ganhou uma nova roupagem e se tornou mais palatável. É o mesmo feminismo que sempre existiu, mas a internet aproximou as causas feministas da realidade das mulheres, mostrou como ele pode ser útil e faz parte de coisas que as mulheres já vivem, mas não refletiam que eram problemas de igualdade de gênero. É muito poderoso o que tem acontecido nos últimos dois anos. O assunto tem se tornado cada vez mais comum e isso ajuda a tirar o estereótipo negativo da feminista. Ideias como “feminista parece homem”, “não têm nenhum tipo de vaidade”, ou são agressivas e violentas perderam o sentido. Hoje a gente consegue ter mulheres famosas que se declaram feministas e mulheres comuns que falam sobre isso com suas famílias e amigos. O feminismo é simplesmente uma luta por direitos iguais. Isso muda a visão dos que viam as feministas de maneira negativa e ajuda a tirar o movimento dos círculos mais elitizados e de ambientes acadêmicos. Tem esse lado positivo dessas grandes campanhas na internet, de todo esse momento de popularidade do tema que estamos vivendo, porque ele empodera a mulher ao mostrar que não há problema em ser feminista e lutar por direitos iguais e que toda reação negativa advinda disso deve ser combatida.
As brasileiras estão mais integradas com as causas feministas do que em outros países?
Luíse: A internet facilita a manifestação, derruba fronteiras e une mulheres de todo mundo, conhecemos os problemas dos outros países, acompanhando a internet, ficamos sabendo do que acontece, isso também fortalece o feminismo.
A reação negativa ao movimento é forte?
Luíse: Muitos espaços já não admitem o machismo e o racismo, tudo é questionado. Tem gente que reclama disso, que acha que o mundo está ficando politicamente correto e que as pessoas estão vendo racismo em tudo. Mas a ideia é essa mesmo, mostrar que o machismo, o racismo e a misoginia estão presentes em tudo e é isso que precisa mudar para melhorar a sociedade. Ainda existe muita violência online contra as feministas declaradas, ainda assim acredito que a força da internet em prol do feminismo é muito maior que qualquer revolta. Mas existem muitas feministas que são perseguidas na internet sim, pelo fato de questionarem privilégios masculinos. A internet é um ambiente muito belicoso para todos os gêneros, mas as mulheres sofrem mais porque o machismo também se estende para a internet.
*Por Maiana Diniz, da Agência Brasil
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