Multidões de refugiados arriscam a vida todos os dias para chegar ao continente europeu. Em apoio a essas pessoas e para combater a discriminação que imigrantes haitianos e bolivianos sofrem no Brasil, o historiador argentino e professor da USP Osvaldo Coggiola organiza um ato público na próxima sexta-feira (25). O debate na USP terá a presença de nomes como Eduardo Suplicy, secretário municipal de Direitos Humanos de São Paulo, Guilherme Boulos, líder do MTST, e José Arbex, jornalista.
Para Coggiola, o Brasil deveria ter uma postura mais ativa na crise humanitária e abrir as portas aos refugiados. “São centenas de milhares de pessoas, não se sabe exatamente o número, em uma situação extremamente difícil. Então o Brasil não pode somente esperar as solicitações de refúgio e desejar boa sorte. Tem que estipular um número de refugiados que serão recebidos no País e garantir transporte para essas pessoas”. Leia a entrevista com o historiador abaixo:
Revista Brasileiros – Qual é a responsabilidade do Brasil em meio a essa crise humanitária?
Osvaldo Coggiola – O Brasil tem de ter um papel ativo, não passivo. Não apenas receber solicitações de refúgio porque pessoas que estão em uma situação desesperadora não vão começar a se manifestar diretamente, não sabem quais países podem ou não recebê-los. São centenas de milhares de pessoas, não se sabe exatamente o número, em uma situação extremamente difícil. Então o Brasil deveria ter um papel ativo e não somente esperar e desejar boa sorte. Tem que estipular um x número e garantir transporte para essas pessoas. Ter uma política de portas abertas. Os países europeus fixaram um número, não se sabe se vão cumprir ou não. Deixando de lado qualquer avaliação da política nesses países, o Brasil tem de adotar uma atitude dessa natureza porque tem condições de fazê-la. Não só o Brasil, mas os EUA principalmente. O Brasil, pelo território que tem, pela composição de sua população, tem condições excepcionalmente favoráveis para receber refugiados.
Como o senhor avalia a política de refugiados no Brasil?
Eu não vou avaliar em geral porque não a conheço bem. O Brasil é uma democracia recente e por tanto é uma política em formulação. Não coloco em discussão essa política. O Brasil não é tradicionalmente uma terra de asilo político. Até agora o Brasil não tem tido nenhuma política discriminatória, como alguns países europeus já tiveram, ao se manifestar no sentido de que pessoas que estão vindo de países onde não existe perseguição política deveriam ser devolvidos aos seus países. Ora, não tem perseguição política mas estão em guerra. Você não pode simplesmente mandar a pessoa de volta a uma situação de risco. Por outro lado, o ingresso nos países europeus está condicionado por uma série de normas que deram origem à União Européia. Normas que prevêem que uma pessoa dentro da União Européia pode se deslocar livremente para qualquer outro. Essas normas hoje não estão sendo respeitadas. Fronteiras internas da União Européia estão sendo fechadas. A Hungria, por exemplo, fechou a fronteira.
Com relação ao Brasil, esse problema não se coloca por uma questão geográfica. Se quiser receber refugiados, terá que ir até lá buscá-los. Não vão chegar aqui pelos seus próprios meios. Tudo isso é complicado porque o Brasil historicamente não tem essa tradição.
O evento discutirá também a questão da discriminação dos imigrantes que já vivem aqui.
Pois é, ainda existe uma resistência com relação aos imigrantes. Muitos dizem: “O Brasil tem tanto pobre e vamos dedicar dinheiro a refugiados e imigrantes?”. Se fosse esse o critério, o Brasil nunca teria recebido ninguém. Quando recebeu uma grande imigração, o Brasil foi buscar essas pessoas. E na época havia muitos mais pobres que agora, proporcionalmente, já que boa parte da população era escrava.
Também tem a questão da composição social. É sabido que boa parte dessas pessoas são bem qualificadas. As pessoas que estão saindo de situação de guerra não são as mais pobres, são as que têm condição financeira suficiente para isso.
O que o senhor acha das respostas que a União Européia tem dado a essa crise humanitária? O que deveria ser feito?
Deveria ser criada uma situação de emergência, na qual todos os países europeus se preparassem para receber uma onda de refugiados, uma política conjunta. O que está havendo agora é um jogando a bomba no colo do outro. O que foi apresentado como uma grande idéia política, agora está virando uma barganha de quem vai ficar com quem. Inclusive adotando uma normatividade de devolver parte das pessoas a seus países de origem. Em segundo lugar, está perfeitamente claro que há um debate político a respeito da responsabilidade dos próprios países europeus a respeito da criação dessa onda de refugiados. Muitos vêm da Líbia, por exemplo, onde houve uma forte intervenção militar dos próprios países europeus. Intervieram militarmente e provocaram uma situação de guerra que agora gera essa onda refugiados, não podem jogar a pedra e depois esconder a mão. Têm de assumir a responsabilidade do que foi feito, eventualmente mudar a política externa. A questão dos refugiados faz parte de um debate maior, que diz respeito à atuação da Europa e dos EUA no Oriente Média e na África, e com todos os países da chamada periferia do capitalismo mundial. Os europeus, que fizeram essas intervenções militares ou armaram os grupos que agora fazem calamidades, agora têm de assumir. Quanto lucraram as empresas que vendem armas para grupos como o Estado Islâmico? Essas empresas têm de pagar. Na Inglaterra, depois da 1ª e a 2ª Guerra Mundial, as empresas que fabricavam armamento foram fortemente taxadas depois. Se você está ganhando dinheiro com a guerra, então pague. Tem muita gente que ganhou dinheiro com as guerras no Oriente Médio e na África, então que paguem e que esse dinheiro seja destinado ao auxílio aos refugiados.
SERVIÇO – Ato público em defesa dos refugiados
Anfiteatro Nicolau Sevcenko, no Departamento de História da USP – Cidade Universitária – São Paulo
(11) 3091.3760
25 de setembro (sexta-feira), às 18h
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