Ovacionado, papa faz discurso inédito no Congresso dos EUA

Papa Francisco durante sua visita aos EUA. Foto:  U.S. Air Force photo/Fotos Públicas (23/09/2015)
Papa Francisco durante sua visita aos EUA. Foto: U.S. Air Force photo/Fotos Públicas (23/09/2015)

Assumindo um espaço nunca dado a um líder da Igreja Católica, o papa Francisco fez nesta quinta-feira (24) um discurso histórico no Congresso dos Estados Unidos, que conta com 70 milhões de católicos.

Falando por quase uma hora e fortemente aplaudido, o Pontífice pediu o fim da pena de morte em todo o mundo, condenou qualquer tipo de fundamentalismo, exigiu o acolhimento de imigrantes e condenou o sistema econômico atual baseado em exploração que leva à fome e à pobreza.

Além disso, Francisco pediu “coragem e audácia” aos países que têm diferenças históricas, em uma clara menção às relações diplomáticas dos Estados Unidos com Cuba e Irã. Elogiando o que chamou de “esforços feitos nos últimos meses na tentativa de superar as históricas diferenças ligadas a dolorosos episódios do passado”, Francisco disse que “é seu dever construir pontes e ajudar todo homem e mulher a fazer isso”. “Quando nações que estavam em desacordo retomam a via do diálogo, novas oportunidades se abrem a todos. Isto exigiu, e ainda exige, coragem e audácia”, afirmou Francisco, discursando em inglês, idioma que treinou durante as férias. No ano passado, o líder católico ajudou a mediar a retomada das relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos, após mais de meio século de ruptura.

Moradia
“Não existe justificativa social ou moral para justificar a falta de habitações. São situações injustas”, disse, acrescentando que “Deus está sofrendo conosco” e que “não deixa o nosso lado, não nos abandona”.

Francisco ainda lembrou que o pai de Jesus, São José, também sofreu por não ter onde morar, mas destacou que não perdeu sua fé e que foi cuidado por Deus. “O filho de Deus [Jesus] veio ao mundo como uma pessoa que não tinha casa”, apontou.

O papa voltou a pedir orações, como já havia feito nesta quinta em mensagem realizada para uma multidão do lado de fora do Congresso. A oração na paróquia de São Patrício foi o último compromisso do religioso na capital norte-americana antes de seguir para Nova York, em mais uma etapa de sua viagem pelos Estados Unidos.

Refugiados
Francisco também fez recomendações sobre a crise imigratória que atinge a Europa, com refugiados do norte da África e do Oriente Médio, e os Estados Unidos, com mexicanos viajando ao país há décadas em busca de melhores condições vida. “Nós, povos desse continente, não devemos ter medo dos estrangeiros, porque muitos de nós, em algum momento, já fomos estrangeiros. Digo isso como filho de imigrantes, sabendo que vocês também descendem de imigrantes”, disse o Papa, pedindo solidariedade em momentos de crise. “Não devemos repetir os pecados e os erros do passado”, acrescentou, citando Martin Luther King e a marcha de Selma como “parte da campanha para conquistar um sonho de plenos direitos civis e políticos”.

“Aquele sonho continua nos inspirando. Espero que a América continue sendo por muito tempo a terra dos sonhos. Sonhos que conduzem à ação, à participação, ao engajamento”, destacou. “Nos últimos anos, milhões de pessoas vieram a esta terra atrás dos próprios sonhos de construir um futuro de liberdade. O nosso mundo está enfrentando uma crise de refugiados de uma proporção que não se via desde a Segunda Guerra Mundial. Não devemos nos deixar assustar com os número, mas sim, enxergar estes números como pessoas, olhando o rostos delas e ouvindo suas histórias”, pediu Francisco, que mantém o tema da imigração como um dos pilares do seu pontificado.

Sua primeira visita oficial como papa foi à ilha italiana de Lampedusa, no Mar Mediterrâneo, que diariamente recebe dezenas de embarcações ilegais de imigrantes e é palco de tragédias e naufrágios.

Pena de Morte
Acolhendo a um pedido lançado por bispos norte-americanos, o sumo pontífice aproveitou o discurso ao Congresso para condenar a pena de morte. “Toda vida é sagrada. Cada pessoa tem sua dignidade inalienável”, disse o religioso, ressaltando estar ao lado de todos que acreditam “que uma justa e necessária punição não deve excluir jamais a dimensão a da esperança e o objetivo da reabilitação”.

O secretário de Estado, John Kerry, estava na primeira fila do pronunciamento, assim como o vice-presidente norte-americano, Joe Biden, e os juízes da Suprema Corte. Uma multidão acompanhou o discurso do Pontífice em Washington, onde foram instalados telões gigantes para a transmissão ao vivo do evento. Francisco foi recebido por dezenas diante do Congresso e não hesitou em cumprimentar o público com apertos de mão, abraços e selfies. Assim como fez na quarta (23), na Casa Branca, o papa usou um veículo popular e chegou à sede Legislativa norte-americana em um Fiat 500. Ao ser recepcionado pelo presidente da Câmara dos Representantes, o republicano John Boehner, o sumo pontífice agradeceu o convite pela visita e brincou com a cor da gravata do parlamentar. “Verde é a cor da esperança. Precisamos muito de esperança atualmente”, comentou.

O Congresso dos EUA conta com vários políticos declaradamente católicos, entre eles Biden. No então, são profundas as divisões ideológicas entre democratas e republicanos. O convite para discursar em Washington partiu de Boehner e da líder democrata Nancy Pelosi em março, no aniversário de dois anos de pontificado de Francisco. Por meio de um comunicado conjunto, os congressistas ofereceram ao primeiro papa do continente americano a possibilidade de pronunciar algumas palavras no plenário.

À frente da Igreja Católica desde março de 2013, Francisco é o primeiro sumo pontífice a fazer um discurso oficial no Congresso norte-americano. Em novembro do ano passado, ele esteve em Estrasburgo e falou no Parlamento Europeu. Em 11 de junho de 1999, o papa João Paulo 2º discursou no Parlamento da Polônia, seu país natal, e, em novembro de 2002, no Legislativo italiano. Já Bento 16 fez um pronunciamento ao Bundestag, em Berlim, em 22 de setembro de 2011.


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