Em meio à Operação Lava Jato, exposta diariamente na imprensa nacional, o professor catalão Joan Botella veio ao Brasil para falar sobre a relação da mídia com escândalos de corrupção. Atual diretor da Faculdade de Sociologia e Ciências Políticas da Universidade Autônoma de Barcelona, o professor catedrático em Ciências Políticas é especialista em estudos sobre opinião pública, atitudes políticas e meios de comunicação.
Para Botella, a cobertura midiática de escândalos de corrupção produz medidas de exceção e a espetacularização do Judiciário. Considera, no entanto, isso um “preço inevitável a ser pago para que a Justiça funcione de maneira eficaz”: “Um dia se comete um delito. No dia seguinte aparece um ministro dizendo que vai aumentar as penas e introduzir um novo delito no código penal. É o que chamamos de populismo punitivo. Ainda que condenável, a exposição na mídia é um elemento necessário”.
O professor também fala da participação dos novos meios de comunicação na Espanha – na opinião dele, modesta. “Não acho que seja muito relevante [a participação dos novos meios]. A imprensa convencional cobre bem a totalidade do panorama, não há espaço para os novos meios, então eles têm muito pouco impacto. Diferente da Grã Bretanha, onde a imprensa está muito direcionada num mesmo sentido”. Na aula que ministrou na ESPM, em São Paulo, Botella falou que, segundo mostram as pesquisas, os novos meios na Espanha não têm mais credibilidade do que a grande imprensa perante a sociedade e tampouco formaram novos públicos. “Eles não substituem os velhos meios, se sobrepõe”.
Botella disse, no entanto, que a chegada dos novos meios provocou uma importante mudança: a eliminação da intermediação. As pessoas, por meio da internet, agora vão direto às fontes. Essa função seria exercida tanto pela imprensa, que faz a intermediação entre os indivíduos e os fatos de relevância pública, quanto pelos partidos políticos, entre a sociedade e a política institucional.
Confira a entrevista com o professor Botella na íntegra abaixo:
Como o senhor avalia a influência da mídia sobre o judiciário?
É decisiva. Para que comportamentos corruptos alcancem essa potência explosiva, capacidade destrutiva, é preciso que isso chegue ao conhecimento dos cidadãos – e só os meios podem fazer isso. Os meios são imparciais? Por que, em determinado momento, certo escândalo aparece na primeira página dos jornais? Podemos analisar casos de corrupção de duas maneiras. Há aqueles ligados ao financiamento de partidos políticos e campanhas de autoridades. Na Espanha, há um sistema de financiamento público de campanha e é bastante evidente que os partidos gastam muito mais do que o que conseguem arrecadar do poder público. Há uma segunda situação, que são políticos que buscam o enriquecimento pessoal. Essa é muito mais difícil de investigar. A opinião pública é relativamente tolerante com o primeiro caso. Por outro lado, com o segundo tipo a opinião pública é muito crítica e exigente. Até porque os corruptos do segundo tipo costumam ser pessoas de muito mau gosto, que ostentam a riqueza de maneira escandalosa e gastam o dinheiro de maneira pouco elegante. Até por essa questão estética, a opinião pública é muito crítica.
A cobertura midiática dos casos de corrupção pode resultar na espetacularização da Judiciário?
Sim. Isso acontece tanto que há programas de televisão nos Estados Unidos, Alemanha, França, Itália, com julgamentos falsos e atores, conflito entre pessoas, matrimoniais… A Justiça na Espanha tem uma tradição muito monótona e burocrática, pouco sexy. Estamos acostumados com a Justiça das séries americanas. A espetacularização quem faz são os meios, que dão ressonância a processos indevidos, ocultos. Nesse sentido, ainda que a espetacularização seja criticável, é a única porta que permite ter acesso a esse mundo de comportamento ilícitos. É um preço inevitável que temos que pagar para que a Justiça funcione de maneira mais eficaz.
Essa espetacularização produz medidas de exceção no Judiciário?
Seguramente. Um dia se comete um delito. No dia seguinte aparece um ministro dizendo que vai aumentar as penas e introduzir um novo delito no Código Penal. É o que chamamos de populismo punitivo, quando temos que responder aos clamores da sociedade. Deixando isso de lado, “a Justiça se faz em nome do povo”. As sentenças começam sempre assim. E, portanto, ainda que nos pareça condenável, é inevitável esse elemento. Outra coisa é que os meios sejam imparciais, que informem suficientemente e que não detenham informação de modo indevido. Um grande jornal espanhol pedia dinheiro a pessoas famosas para não falar delas. O poder da imprensa pode ser utilizado para o bem e para o mal.
Como o senhor avalia a cobertura dos casos de corrupção na Espanha?
De maneira geral, acho boa. Para ser boa, precisa ser imparcial, atender escândalos de diferentes partidos políticos, publicar informações autênticas e não vazamentos de dossiês comprometedores ou fotos misteriosas. É preciso que haja um trabalho de investigação jornalística. O jornal El Mundo, um grande jornal, muito conhecido, frequentemente publicava matérias baseadas em informações de origem desconhecida, vazamentos sigilosos. Então havia a suspeita de que essas matérias eram plantadas com interesses políticos. Mas em conjunto, a cobertura funciona de maneira razoável.
E qual a participação dos novos meios de comunicação nessa correlação de forças entre imprensa, judiciário e políticos?
Não acho que seja muito relevante. Nos meios convencionais, há uma situação relativamente saudável. A imprensa convencional cobre bem a totalidade do panorama, não há espaço para os novos meios, então eles têm muito pouco impacto na Espanha. Diferente da Grã Bretanha, onde a imprensa está muito direcionada num mesmo sentido, então a internet tem muito impacto.
Há uma dimensão na política da Espanha, que é territorial, na Catalunha, País Vasco. Nesses lugares, o papel da imprensa é um pouco mais difícil. O segundo grande jornal da Espanha é um jornal local da Catalunha, o La Vanguardia. Ele tem um papel difícil que é tentar ser relevante em escala nacional e local ao mesmo tempo. Isso aparece quando falamos de casos de corrupção. Inevitavelmente se espera que os meios locais sejam tolerantes com os corruptos locais. São corruptos, mas são nossos corruptos. Temos bastante exemplos disso na Catalunha.
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