A ficção, especialmente no cinema, é pródiga em cenários em que serviços de inteligência, especialmente os norte-americanos, inventam ou produzem os pretextos que permitem a ação, muitas vezes armada, e que, tomados por realidade, servem a justificar a ação.
E a experiência, real, concreta, contém inúmeros exemplos dessa invenção, dessa criação e dessas ações. Veja-se, por economia, um caso que retorna às manchetes passados 60 anos dos fatos: os documentos da CIA confirmando e explicando como se produziu um golpe no Irã. E veja-se, porque apropriado nos dias que correm, a mentira que sustentou o ataque ao Iraque em 2003.
Quando se preparava essa segunda guerra do golfo, as poucas vozes que expressavam algum ceticismo em relação às acusações que eram dirigidas ao Iraque, às justificativas para a ação militar – para não falar nada das vozes que apontavam para a ilegalidade da coisa – se perdiam no redemoinho dos discursos políticos, dos relatórios de inspeção – sempre interpretados a gosto – dos informes dos serviços secretos que traziam, em princípio, todas as confirmações, mas cujas fontes não podiam ser conhecidas.
O circo funcionava como rolo compressor. Quem se opusesse ao ataque, travestido de missão civilizatória e humanitária, correria o risco de se ver inimigo da humanidade.
Hoje, para um rolo compressor similar, não parece interessar a comprovação do uso de armas químicas na Síria ou a prova da autoria. O pretexto está dado, quer seja real ou inventado.
A diferença está em que o maquinista parece um pouco mais hesitante: agora é preciso decidir o que fazer com o pretexto e com que propósito agir.
O ataque com armas químicas, cuja comprovação não se quer esperar, não pode ser a real razão para um eventual ataque. Talvez apenas na medida em que os Estados Unidos estivessem prisioneiros da linha vermelha que traçaram e se sintam forçados a agir para salvar a face.
Uma razão mais verossímil é a necessidade de demonstrar força novamente, e presença, num Oriente Médio em que a Rússia aparece cada vez maior.
E haveria, certamente, a vontade de neutralizar os ganhos militares obtidos pelo governo sírio, ou para equilibrar o jogo antes de eventuais negociações, ou para permitir a continuidade do conflito interno sem vitoriosos claros.
Finalmente, é possível que Estados Unidos e aliados queiram destruir a infra-estrutura militar síria, anulando seu status de inimigo relevante de Israel e aliado importante de Irã e Hezbollah.
Acontece que nenhum desses resultados é provável sem uma campanha militar de muito maior envergadura do que os Estados Unidos parecem em condições de sustentar agora. Daí a hesitação.
E daí os sinais de que, ou se tentará um ataque menor, que não leve a reações de Síria e seus aliados, apenas para o bem das aparências, ou se desistirá de atacar. Mas os sinais podem também mentir e nós podemos estar às portas de uma tragédia de grandes proporções.
Salem H. Nasser é Professor de Direito Internacional da Direito GV
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