Sociedade deve ir para a rua, diz sociólogo português Boaventura de Souza Santos

Boaventura de Sousa Santos - Foto: Reprodução
Boaventura de Sousa Santos – Foto: Reprodução

O resgate da democracia, sequestrada pelas forças do mercado, será feito com a retomada das ruas pela sociedade, único espaço ainda não colonizado. A análise é do sociólogo português Boaventura de Souza Santos, que participou no Rio do seminário Cultura e Política, iniciativa do programa Cultura e Pensamento, do Ministério da Cultura nesta segunda-feira (2), com estudantes e professores ocorreu no Teatro de Arena na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Entre os assuntos principais abordados, ele destacou o esgotamento da democracia representativa tradicional, na qual se elegem políticos para representar a população, e a busca pela democracia participativa, com atuação direta dos eleitores, seja através de plebiscitos ou por manifestações de rua.

“Muita da cultura é feita no espaço público, é feita na rua. Desde 2011, os jovens, em vários países do mundo, do Ocuppy [Wallstreet, nos Estados Unidos], dos Indignados [da Espanha], do sul da Europa, aos protestos que aconteceram aqui em 2013, os jovens chegaram à conclusão de que rua é o único lugar público que não está colonizado pelos mercados financeiros. E vêm para a rua porque as instituições não respondem aos seus anseios.”

Segundo Boaventura, a democracia representativa está refém das forças de mercado. “Em muitos desses movimentos, o que pedem? Alguma coisa revolucionária? Não. Pedem democracia real, democracia já. Porque esta democracia que temos foi sequestrada por antidemocratas. Ela hoje é refém do dinheiro e não pode ser uma democracia. Isto significa que a democracia liberal, representativa, não sabe se defender do capitalismo. Para isso, ela tem que se articular com a democracia participativa e deliberativa e esta democracia participativa vai obrigar a novas formas de política.”

Para o sociólogo, é preciso modificar a estrutura dos partidos, hoje dominada por uma cúpula que abre poucos espaços para a participação social dentro deles. Boaventura citou o exemplo do partido espanhol Podemos, fundado em 2014, com uma nova dinâmica interna, baseada em círculos de decisão, e fortemente amparado nas redes sociais, inclusive para seu financiamento.

“No Podemos, quem delibera quem são os candidatos são os círculos de cidadãos. Quem delibera a agenda são os círculos de cidadãos. Democracia participativa dentro do partido, como órgão da democracia representativa. Para fazermos isso, nas próximas décadas, temos que ir para a rua. Nós vamos ter nos nossos países momentos turbulentos em que vamos misturar luta institucional com luta extrainstitucional. Lutas nas instituições, para que nos sirvam e sejam democráticas, e lutas fora das instituições para forçar essas transformações.”

Boaventura explicou o que significa o conceito trabalhado por ele de “poder dronificado”, uma forma que em princípio mostra-se invencível, mas que tem entre os seus pontos fracos justamente a resistência popular.

“O poder contemporâneo é um poder dronificado. O drone é uma forma de poder bélico que elimina o heroísmo da guerra, que elimina a possibilidade da derrota, porque quem está a matar no Afeganistão está atrás de um computador no Nebraska, nunca pode ser morto, ferido ou derrotado. Mas também não pode ser herói. Muito do poder hoje quer se afirmar como invencível. O que são os mercados financeiros se não uma forma de poder dronificado? O que são as formas de segurança de nossos dados de vigilância global, se não uma forma de poder dronificado? Mas este poder é frágil. Parece muito forte, mas é frágil. O problema é que a força está em nós. Somos nós que lhe damos essa força toda, porque não resistimos, porque não sabemos resistir.”


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