Incisivo no tema da integração latino-americana, José “Pepe” Mujica motivou a discussão sobre o assunto durante a posse do seu colega de partido, o médico oncologista Tabaré Vázquez, de 75 anos, neste domingo (1), em Montevidéu. Ele vai governar o país por cinco anos, até 2020, enquanto Mujica assumirá nesta segunda-feira (2) como senador da República, mesmo cargo de sua esposa, Lucía Topolansky. Vázquez é o sexto presidente do Uruguai desde a ditadura militar que durou 12 anos, de 1973 a 1985. Ele já governou o país uma vez, entre 2005 e 2010, quando deixou o cargo com 70% de aprovação.
A integração entre os países da América Latina foi o tema principal do discurso de Vázquez no Palácio Legislativo do Uruguai, em Montevidéu, onde ele foi nomeado pelo parlamento do país como presidente. Ele citou por várias vezes o prócer do país, José Artigas (1764-1850), que, em vida, lutou pela união dos povos latino-americanos. “A circunstância é propícia para recordar os valores artiguistas que serão as referências das minhas inspirações políticas e das medidas que irei tomar. Ele [Artigas] acreditou na democracia nativa e é nesse homem que devemos encontrar os valores e princípios do Uruguai. Devemos reivindicá-los, assumi-los e colocarmos em prática: liberdade, igualdade, justiça, democracia, determinação dos povos e fraternidade”, disse para a plateia formada por congressistas, ex-presidentes e chefes de Estado de alguns países do continente.
Depois, em sua saída do palácio para desfilar em carro aberto pelas ruas da cidade, Vázquez afirmou que a situação é boa para discutir a integração dos países latino-americanos. “Estamos em um momento agradável para o diálogo com outros países a respeito da nossa integração. Estou confiante que avançamos muito nos últimos anos e que vamos continuar avançando”, afirmou.
O otimismo também foi sentido por outros presidentes que estiveram na cerimônia neste domingo de manhã, no Palácio Legislativo. Raúl Castro, de Cuba, afirmou à Brasileiros que a vitória de Vázquez é benéfica para que o assunto continue em voga na agenda do continente. “O programa político de Tabaré inclui este tema [da integração] e isso agrada aos governos regionais que estão interessados em discuti-lo. Estamos confiantes de que ele será mais um governo latino-americano favorável às mudanças políticas que são necessárias na região”, afirmou. Rafael Correa, do Equador, revelou que as relações entre seu país e o Uruguai vivem “o melhor momento da história”. “Tabaré Vázquez é um grande amigo e ‘Pepe’, que está deixando o cargo, é um exemplo de vida para todos nós. Temos muita cooperação com o Uruguai e o governo passado, de Mujica, era um governo com ideais integracionista, assim como eu creio que será o de Vázquez. Vamos continuar impulsando o tema”, falou à Brasileiros.
Por outro lado, o presidente do Paraguai, Horacio Cartes, não foi tão otimista com relação ao assunto. Também em entrevista à Brasileiros, no hall do Palácio Legislativo, ele disse que seu país está distante do tema, mas quer se aproximar dos países entusiastas com a união. “Estamos um pouco distantes. Claro que não devemos olhar para trás, temos que olhar para a frente, mas o Paraguai e Uruguai têm a obrigação de querer fazer parte dessa integração”, disse.
Na sexta-feira (27), o então presidente José “Pepe” Mujica afirmou, em um seminário organizado pelo seu partido, o Frente Amplio (Frente Ampla), na prefeitura de Montevidéu, que os governos de Brasil e Argentina “que são os principais do continente, estão imersos em suas políticas internas e não conseguem discutir o tema” e que “um dos erros da esquerda latino-americana foi não ter colocado na cabeça das pessoas que a integração é uma necessidade da América Latina”. Ele chegou a citar os recentes escândalos envolvendo o Partido dos Trabalhadores (PT), no Brasil, e o governo de Cristina Kirchner na Argentina, com a morte do procurador Alberto Nisman.
Na primeira cerimônia, no Palácio Legislativo, estiveram presidentes Dilma Rousseff, presidenta do Brasil, Raúl Castro, de Cuba, Ollanta Humala, do Peru, Rafael Correa, do Equador, Michelle Bachelet, do Chile, Horacio Cartes, do Paraguai, e o rei Juan Carlos, da Espanha. O presidente Nicolás Maduro, da Venezuela e a presidenta da Argentina, Cristina Kirchner, enviaram representantes, assim como o vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que cancelou a viagem de última hora por causa de uma gripe. Dilma foi a única que não compareceu ao segundo evento, na Plaza Independência, porque precisou voltar ao Brasil.
Mujica e Vázquez
O presidente eleito, Tabaré Vázquez, encontrou com seu antecessor apenas uma vez durante o dia, na cerimônia de entrega oficial da faixa presidencial, na Plaza Independência, no centro da cidade. Antes, no Palácio Legislativo, Vázquez citou Mujica como um “ponto de referência” para o seu governo. “Meu relacionamento com o Mujica vai ser como sempre foi. Nos conhecemos há muitos anos, temos um contato carinhoso e próximo e vamos seguir assim, com a diferença de que ele não vai ser mais apenas um cidadão comum, mas uma pessoa com um título de presidente da República e uma figura importantíssima no contexto nacional e internacional. Ele é muito inteligente e será um ponto de referência de primeira ordem”, afirmou.
Antes de ir embora da cerimônia na praça, Mujica, cercado pela imprensa e visivelmente irritado com a confusão, afirmou que vai dar todo o apoio que o colega necessitar. “Temos que fazer o possível para ajudar um governo que está começando. Vou dar toda a força que puder, porque se o governo estiver bem, melhor ainda estará o país. Algumas coisas pude fazer e outras não, mas está entrando outro [presidente] que vai fazer ainda melhor e assim sucessivamente. Minha vida reflete os que não se entregam, não baixam a guarda e sempre têm algum reconhecimento”, disse. Mujica assumirá, nesta segunda, como senador, cargo que terá até 2020. Ele será da base aliada de Vázquez no parlamento uruguaio.
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