Futebol está preso a uma estrutura condenada, diz Afonsinho

Afonsinho - Foto: Eduardo Sá
Afonsinho não deposita muitas esperanças na atual seleção brasileira – Foto: Eduardo Sá

O ex-craque Afonsinho, opositor da ditadura militar e pioneiro na questão do passe livre para os jogadores de futebol, disse em entrevista ao Fazendo Media que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e a Federação Internacional de Futebol (Fifa) têm estruturas arcaicas e precisariam ser refundadas. Crítico da financeirização do futebol, Afonso Celso Garcia Reis não deposita muitas esperanças na atual seleção brasileira.

Segundo Afonsinho, tudo está ligado ao predomínio do neoliberalismo, “uma perversidade que infelizmente está dominando o mundo”: “Quem está mandando vai impondo a sua maneira de ver o mundo e a vida”. Os estádios de futebol seguem uma concepção elitista. Paradoxalmente, “quanto mais entra dinheiro o espetáculo cai e perde qualidade. Você tem mais recursos e formas, mas não há um equilíbrio”.

Hoje “só se cuida dos contratos, que são cada vez mais complicados. Envolvem muitos interesses, então leva um tempo para renovar ou contratar os jogadores. O poder maior é o da televisão, as competições de natação serão às 22h porque é o horário do público americano. Tem que cuidar do interesse, produz-se esse volume de dinheiro, mas totalmente sem controle”. Nunca se mobilizou tanto dinheiro, e os clubes estão falidos.
 
Na opinião de Afonsinho, a crise política e a crise esportiva estão ligadas: “O fiasco da seleção na Copa do Mundo e um golpe político em que as pessoas usam a camisa da CBF como símbolo é muito coerente: não muda nada. As coisas ficaram escancaradas”, disse: “Ficamos chocados com a fragilidade política da nossa população. E houve aquela votação estarrecedora do golpe na Câmara, quer dizer, o povo é dirigido e as leis são feitas por aquele tipo de poder. É muito chocante o momento que vivemos”.

“Não sou petista, tenho muitos amigos fundadores e que admiro no PT e outros partidos, mas foi uma ruptura democrática escancarada”: “Sei da integridade do Genoino, da Dilma, só que ficou um negócio que perdeu o controle. Não basta ser boas pessoas, são quadros respeitáveis, mas como você vai negar o desarranjo e o desacerto escancarado? Então deram um golpe e tomaram o poder, o que é pior ainda”. Para ele, seria preciso refundar o país politicamente, para evitar a repetição das mesmas práticas.

“Qual o meu sentimento diante da desmoralização da política? Você não pode viver sem ela, pagamos imposto em tudo, então a questão é participar. Mas diante desse quadro como não temos horizonte de mudança de regra radical, revolucionária, é melhor focar em algo fundamental numa linha mestre. Reforma política, por exemplo, juntar todas as forças sem deixar de atuar noutros pontos. Fechar num determinado objetivo, porque precisa mudar radicalmente. Prova maior disso é que a ditadura aqui no Brasil eles chamavam de revolução, então a necessidade de mudança é tão evidente que os conservadores e reacionários botam o nome de revolução no seu movimento”.

Ele declarou ao Fazendo Media que no futebol estão cedendo “os anéis para não perder os dedos”, mas nada mudou: “É uma estrutura medieval, isso é que precisa mudar. É uma confederação que domina de forma absoluta o futebol no Brasil”: “Não defendo a estatização como solução, mas a soberania da população sobre aquilo que é seu valor não se pode deixar de lado. É preciso ter algum controle, é uma coisa deprimente. Você perde uma Copa em casa da maneira como perdeu e não muda nada”. E acrescenta: “Como podemos fazer algo com consistência e firmeza numa organização, cujo dirigente principal está preso e o outro não pode sair do país? Estamos bem encrencados”.

Afonsinho critica duramente a subordinação dos campeonatos de futebol aos interesses mercantis: “Jogou 11h em Recife é uma coisa impraticável. É preciso muita fragilidade para se impor uma coisa dessas. E a noite, para quem trabalha vai acabar que horas o jogo?” Ou seja, “para fazer dinheiro, porque a expressão deles é essa, vale tudo. A regra é essa, estamos vivendo um tempo que vai ficar na história como vergonhoso”.

Segundo Afonsinho, “no futebol somos reféns da Champions League, lá estão os melhores jogadores do mundo, inclusive os brasileiros. Admiramos a qualidade, mas o tipo de futebol que se joga também não é isso tudo. A ideia de futebol também não é melhor, é correspondente da maneira como se pensa e vive no momento”. 

Os negócios, diz Afonsinho, “deixam os clubes fragilizados”: “A Fifa implodiu” e acabou propondo alterações, porque essa organização não funciona: “Os capitalistas americanos não podem ficar de fora desse grande negócio, então fizeram uma intervenção porque o mecanismo de funcionamento deles é incompatível. É impraticável seu sistema funcionar numa estrutura medieval, não têm como justificar a participação. Agora estão chegando com força total os chineses, os japoneses e coreanos já estão há algum tempo”.

O modelo mercantil acaba produzindo situações absurdas: “Um clube por sua natureza tem associados” mas não deveria ter um dono: “Tinha um clube que um ano estava em Osasco e noutro em Presidente Prudente. Como isso se dá na prática? O torcedor é o time dele, sua camisa, é uma paixão, na essência uma forma de liberação no esporte”. 

Não é por acaso que “os estádios estão vazios no Brasil, a palavra que você mais escuta é: não consigo ver mais de 15 minutos… A Copa América foi um vazio, ela rolando e gente assistindo a Eurocopa. Ih, é mesmo, o Brasil jogou ontem, diziam. Olha a que ponto chegamos, as pessoas nem sabem. Os jogadores descaracterizados, porque nessa fase do dinheiro os clubes preparam para vender e não pra fazer um bom time de futebol”.

 


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