Reconstruir o trecho de quase 30 metros da Ciclovia Tim Maia, um dos legados da Rio 2016, derrubado por uma onda na quinta-feira (21), e estabelecer indenizações e reparos ao poder público e às famílias das duas vítimas serão tarefas duras, mas plenamente realizáveis com boa vontade e planejamento.
Difícil mesmo será reconstruir a confiança do carioca e o do brasileiro na eventual afirmação de que será seguro pedalar, caminhar ou meramente estar sobre qualquer ponto dessa passarela no exuberante trecho da avenida Niemeyer, que proporciona uma das mais belas vistas de mar no Brasil e no mundo, entre os bairros do Leblon, na zona sul, que abriga os metros quadrados de construção mais caros da América Latina, e São Conrado, na zona oeste da cidade.
Apesar de ter apenas pouco mais de três meses de uso (foi inaugurada no último dia 17 de janeiro, ao custo de R$ 44,5 milhões), a Tim Maia já apresenta rachaduras em vários trechos. Some-se ao problema um ponto decisivo: o quanto a primeira temporada de ressaca a ser enfrentada pela Tim Maia ainda poderá castigar sua estrutura.
Os principais serviços de meteorologia do Brasil e do mundo chamam atenção para o fato de que o período de ressaca neste inverno, no litoral do País, não será fraco. E a prova disso foi exatamente a super onda que jogou para o alto o pedaço da ciclovia como se fosse uma estrutura de dominó. E não custa lembrar: a temporada de ressaca está apenas no início.
Antônio Eulálio Pedrosa Araújo, do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado do Rio de Janeiro (Crea-RJ), identificou um erro de projeto básico no acidente. “O efeito da onda sobre a parte inferior da passarela foi desconsiderado ou, no mínimo, subestimado de forma arriscada. Isso fez com que a ela tombasse diante da forte pressão da grande onda que estourou na parede de pedra e subiu, pegando por baixo e levantando aquela parte da pista” analisou Araújo em entrevista à Agência Brasil.
O especialista acrescenta detalhes. “Aquele trecho é diferente dos demais. Tinha apenas uma viga central. Como os apoios eram muito próximos uns dos outros, sobre os pilares, a força de içamento do lado que onda bateu foi amplificada. O autor do projeto não levou em consideração o efeito dessa onda forte, embora a premissa de um projeto sejam as considerações e combinações de carga”, disse.
Na opinião de Araújo, no mínimo quatro quilômetros da ciclovia precisam passar por uma revisão de projeto seguida, no mínimo, de adaptações. Algumas radicais. “Será necessária uma análise de todo o projeto e da memória de cálculo para tranquilizar a população. Talvez tenham subestimado o efeito da onda. Não tenham considerado a maior onda, que faz parte da estatística. Há ondas que ocorrem de cem em cem anos – mas devem ser consideradas e o fator de segurança para elas, aplicado. Em engenharia estrutural não pode haver riscos ou economia perigosa. Riscos geram mortes – às vezes, várias mortes”.
O prefeito do Rio, Eduardo Paes, de início fez o certo. Primeiro, reconheceu a existência de problemas na obra. Depois, anunciou a contratação de dois pesos pesados da área de infraestrutura e fenômenos naturais, o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ) e o Instituto Nacional de Pesquisas Hidroviárias (INPH), para a realização de duas auditorias, uma na estrutura da ciclovia e outra sobre a ação do mar na área da ciclovia.
Paes foi claro em sua primeira entrevista coletiva sobre o assunto: “é óbvio que se essa ciclovia tivesse sido feita de forma perfeita não teríamos essa tragédia, esse absurdo. Obviamente há problemas ali. Contratamos as auditorias para identificar tecnicamente os problemas e responsabilizar quem tiver que ser responsabilizado. Elas nos mostrarão se houve erro de projeto, execução, acompanhamento, fiscalização ou de mais de um desses pontos. O que a gente pode dizer neste momento é o que está claro e não precisa sequer ser olhado: as coisas não foram bem feitas ali”.
Parte da ciclovia está interditada por prazo indeterminado pela Defesa Civil. O trecho entre a favela do Vidigal e o Leblon está liberado. De acordo com Paes, este espaço recebeu apenas um reforço no pavimento e na contenção, para ser inaugurado, pois estava pronto e era usado como passeio público antes mesmo da conclusão da ciclovia.
O prefeito declarou, no entanto, que não trabalha com a hipótese de demolir a Tim Maia e erguer uma outra Tim Maia no lugar. “Esse não é nosso desejo. Estamos trabalhando para mantê-la”, afirmou. Agora é torcer para que os resultados das auditorias do Coppe e do INPH permitam a concretização dos sonhos de Paes e de seus técnicos.
Por enquanto, cresce rapidamente entre a opinião pública desconfiança elementar, previsível e justificável: se quase 30 metros se desmontaram como brinquedo de encaixe ao primeiro tapão de uma onda de ressaca apenas 94 dias após a inauguração da ciclovia, quem garante que o ser humano estará seguro sobre essa mesma estrutura, ainda que ajustada por reparos e reforços, quando as pancadas das ressacas voltarem revoltas, sem dó nem piedade, com raiva e sem razão, no soldourado do inverno?
A empresa Concremat, responsável pela construção da Ciclovia Tim Maia, é da família do secretário municipal de Turismo, Antônio Pedro Figueira de Melo. “Essa construtora tem mais de 60 anos e trabalha há muito tempo para a prefeitura”, disse Paes. “É uma empresa respeitada no mercado – pelo menos até esse episódio”, completou.
Caberá às duas auditorias dizer se é, até que ponto e à custa de que é possível recuperar a estrutura atual da Ciclovia Tim Maia sem risco de ocorrer qualquer dano semelhante no futuro.
Para o bem dos cariocas e também dos brasileiros de outros pontos e estrangeiros, visto que turismo é um pilar sagrado para a Cidade Maravilhosa, essa resposta precisará ser passada com as maiores clareza e sinceridade possíveis.
Os trabalhos dos auditores serão iniciados nos próximos dias.
Quando a ressaca passar.
Não a moral nem a individual, mas a do mar mesmo – que ainda insiste, embora mais fraca, em dar à praia.
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