“A direção do partido é um condomínio de boa vontade”

Tarso Genro, à frente da imagem do filósofo Antonio Gramsci, em seu escritório em Porto Alegre: o PT precisa intensificar o diálogo com a sociedade civil - Foto: Ricardo Chaves
Tarso Genro, à frente da imagem do filósofo Antonio Gramsci, em seu escritório em Porto Alegre: o PT precisa intensificar o diálogo com a sociedade civil – Foto: Ricardo Chaves


Tarso Genro está em movimento.
E procura imóvel para comprar no Rio de Janeiro. Cinco meses depois de deixar o governo gaúcho, ele aproveita a temporada sem mandato nem planos de disputa eleitoral para colocar em prática um desejo antigo: morar um pouco no Rio, outro tanto em Porto Alegre. A ideia é ter uma “residência secundária” no Rio, para ele e suas “gurias”, conta Tarso, referindo-se à mulher, Sandra Krebs, e às filhas Luciana e Vanessa.

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No Rio, Tarso já provoca barulho, por questionar a coalizão com o PMDB no plano estadual e defender que o PT tenha candidato próprio à prefeitura, em 2015. No âmbito federal, foi ele mesmo quem ajudou a costurar a aliança, a pedido do então presidente Lula, de quem foi ministro (Educação, Relações Institucionais e Justiça).

Embora ressalte que hoje o PMDB é a força que dá equilíbrio para a governabilidade, Tarso afirma que esse cenário não vai durar para sempre. “Para o futuro, o PMDB está namorando a centro-direita”, diz. De olho em 2018, ele tenta articular a criação de uma frente de esquerda que possa sustentar um “programa ainda mais ousado de mudanças” no País. Quanto ao futuro de seu próprio partido, Tarso acredita que depende de uma “renovação profunda” e do fim do financiamento empresarial das campanhas políticas.

Brasileiros – Em 2005, no auge do escândalo do Mensalão, o senhor assumiu a Presidência do PT e chegou a defender a refundação do partido. O que mudou de lá para cá?
Tarso Genro – Essa questão ficou cada vez mais atual. Quando falávamos de refundação, estávamos dizendo que o PT tinha de sustentar sua ação e vida pública, ética e política em novos fundamentos. O que mudou de lá para cá foi que aquela proposta de refundação do partido, hoje chamada de renovação profunda, ficou ainda mais correta. Aliás, ela corresponde não só a problemas nacionais que enfrentamos, mas também a uma crise geral da ideia de socialismo, dos partidos sociais-democratas, dos partidos socialistas e dos partidos comunistas em todo mundo. É necessário inovar, portanto. 

Inovar como?
Trata-se de constituir no partido métodos mais democráticos de direção, de expandir o processo decisório de maneira permanente, para toda a militância, para todos os filiados. Significa envolvimento maior do partido com a sociedade civil. E um diálogo do partido, de forma mais profunda também, com setores da intelectualidade, da área científica, do mundo do trabalho que está se expandindo, para que se crie novas políticas públicas e novas formas de participação popular.

No decorrer desses 35 anos, o PT perdeu o contato com a base?
O PT é o partido que mais modernizou o País, tanto do ponto de vista democrático, como do ponto de vista socioeconômico. E esse processo de modernização e de surgimento de novos sujeitos sociais em função das mudanças no poder econômico criou novas exigências da sociedade sobre o Estado. Então, não estamos mais tratando daquela intelectualidade, fundamentalmente da USP, da época de criação do PT, que se integrava ao mundo do trabalho para criar um partido popular e socialista.

Do que se trata?
Estamos falando de uma constelação de novas identidades de inteligência, de novos intelectuais, de novos cientistas, do mundo do trabalho que surgiu nos últimos 30 anos, com os quais nenhum partido tem ligação. Tanto é verdade que a ampla maioria dos intelectuais e dos trabalhadores do novo mundo de trabalho não é partidarizada. O PT permanece com uma ligação positiva com o mundo do trabalho tradicional, da segunda Revolução Industrial, do mundo do trabalho assalariado, do setor público. Só que essas ligações hoje são insuficientes para um novo projeto democrático socialista.

Quando fala em novo mundo do trabalho, o senhor está se referindo ao contingente que está no mercado como terceirizado?
No entorno do mundo do trabalho tradicional há um conjunto de serviços cada vez mais desqualificados do ponto de vista salarial. No cerne da fábrica moderna tem hoje um conjunto de trabalhadores altamente qualificados, que também surgiu nesse processo. Portanto, o capitalismo mudou a sua forma de expropriação do trabalho e isso gerou uma nova correlação entre as classes sociais.

Esse pessoal não está inserido em nenhum partido?
Na verdade, esse pessoal se vincula às questões políticas de maneira contingente nas eleições, ou fica alienado das grandes movimentações sociais que estão ocorrendo. Na minha opinião, isso é um desafio não só para o PT, mas para qualquer partido de esquerda ou qualquer partido progressista.

Recentemente, o senhor começou a articular a criação de uma frente de esquerda, que fosse do economista Bresser-Pereira ao deputado Jean Wyllys. Como seria?
Essa é uma posição que visualiza o futuro. O atual tipo de coalizão, pelo qual sou responsável a partir de orientação do presidente Lula, teve uma grande importância para o País. Ela permitiu que se realizassem grandes transformações da estrutura da sociedade brasileira. A coalização com o PMDB deu estabilidade para que essas transformações ocorressem. Agora, o PMDB está mudando de função na sociedade brasileira.

Qual é essa nova função?
O PMDB agora está em uma função conservadora. Para o futuro, não está namorando o Partido dos Trabalhadores, a esquerda. Está namorando a centro-direita. Então, é necessário pensar em um novo conceito de frente para o futuro. Não se trata de interromper agora a frente com o PMDB, até porque é impossível fazer isso em função dos compromissos assumidos pelo governo. É necessário pensar em direção a 2018, em uma frente política que dê sustentação para um programa ainda mais ousado de mudanças.

Como andam essas articulações? O senhor tem ido muito ao Rio.
No Rio, estou discutindo com o partido, com a academia, com intelectuais e com outros setores da sociedade. Não estou liderando nada. Não tenho a estatura política de Brizola para chegar no Rio e liderar alguma coisa. Na verdade, estou participando de um movimento dentro do partido para discutir o futuro do sistema de alianças no Rio e no Brasil.

Esse debate envolve apoiar a candidatura do deputado Marcelo Freixo, do PSOL, para a prefeitura do Rio em 2015?
Não é a minha posição. Defendo que o PT tenha uma candidatura própria no Rio. E se não tiver, que o PT converse com as demais forças de esquerda e de centro-esquerda, para verificar qual a melhor candidatura. Sou um militante do partido. Sou um dirigente nacional, ligado à Mensagem (a corrente Mensagem ao Partido), e tenho discutido com a Mensagem esses temas.

A ideia seria tentar levar mais para a esquerda a corrente majoritária, a CNB (Construindo um Novo Brasil)?
Na verdade, o partido hoje não tem uma corrente hegemônica. A própria CNB foi muito abalada, como foi todo partido durante esse processo que atravessamos. Hoje, a direção do partido é um condomínio de boa vontade para mantê-lo e levá-lo de maneira positiva até o 5o Congresso. Não há dentro do partido a quem se opor. Eu vou me opor a Rui Falcão, que é o presidente do partido e representa a CNB? Não. O Rui, inclusive, foi uma solução política consensual. O que nós temos de fazer nesse congresso, e eu não tenho muitas expectativas sobre ele, é um grande acordo político para abordar alguns temas importantes e continuar o debate em direção ao futuro.

E qual o futuro do partido?
Para mim, o futuro político do partido passa por essa democratização das decisões internas, da relação com sociedade civil e com a base do partido. Passa por fulminar o financiamento empresarial das campanhas e também por uma nova concepção de frente, que deve nos nortear em direção a 2018. Já existe a proposta de o partido não receber mais financiamento de empresa, independentemente da lei. Está correto, mas sou também a favor de que se faça uma modificação na lei para que nenhum candidato receba financiamento empresarial.

Valendo para todos os partidos?
Para todos. A política do Brasil hoje é endinheirada. E 90% desses escândalos estão relacionados com o fenômeno de uma política cada vez mais vinculada ao dinheiro, cada vez mais estetizada por caros programas de televisão, que escondem em vez de apresentar os conteúdos programáticos verdadeiros. É uma política que, inclusive, requer uma contrapartida depois do financiamento. Terminar com o financiamento empresarial das campanhas eleitorais é uma questão-chave não só para o PT. É chave para a democracia brasileira.

O senhor falou há pouco tempo que o PT vem se tornando cada vez mais um acessório no governo Dilma. Essa situação pode ser revertida?
Dificilmente, porque hoje o PMDB é a força principal no Congresso Nacional e é uma força que dá equilíbrio para a governabilidade. Dificilmente o PMDB vai deixar de ser um partido dominante do governo atual. Agora, isso não obriga que o PT assista a tudo de maneira passiva.

O que o PT pode fazer?
O PT tem de fazer exigências políticas para o governo, inclusive para moldar o seu comportamento no Congresso Nacional. Não é justo que o PT seja apenas um partido passivo de aprovação das coisas que o governo manda. O PT tem o direito e tem o dever de fazer exigências para se manter, como deve se manter, como base do governo.

Voltando à questão do Rio, o senhor está procurando imóvel na cidade?
Sim. Tenho imóveis em Porto Alegre que estou vendendo para comprar no Rio. Na verdade, estou fazendo uma transferência de patrimônio para ter uma residência secundária para mim e para as minhas gurias, para a minha mulher. É um velho sonho que estou aproveitando para realizar agora que não tenho mandato. O meu plano é ficar oito, dez dias por mês no Rio e o resto do tempo no Rio Grande do Sul.

No Rio, fica mais fácil articular politicamente.
É claro que isso vai me atrair mais para uma relação política com os meus companheiros do Rio. Sou uma pessoa que tem uma ligação histórica com a Academia, embora eu nunca tenha sido professor universitário, a não ser professor convidado. Recentemente, estive na  Universidade Estadual do Rio de Janeiro em um debate que tinha em torno de 700 pessoas. Vou aumentar o meu regime de colaboração intelectual com a Fundação Getúlio Vargas. E fazer de novo contato com intelectuais que fazem trabalhos isolados, com quem tenho relação histórica de amizade.

Quem por exemplo?
Um dos intelectuais que eu tinha proximidade desde o fim da década de 1980 é o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. É um exemplo. São muitos outros, como Gaudêncio Frigotto, José Luís Fiori, a professora Leda Paulani e Bresser-Pereira. Então, vou restabelecer o relacionamento com essa intelectualidade e continuar militando no meu partido.

Observando a sua movimentação, alguns analistas chegam a sugerir que poderia estar se articulando para deixar o PT. Faz sentido?
Isso não faz nenhum sentido. Ou é desejo ou má informação. Meu partido fez uma grande transformação no País. Tenho companheiros de todas as correntes do PT. Tenho uma relação de respeito, de trabalho comum, com o presidente Lula. Não tenho nenhum motivo para sair do PT. Não vejo nenhum partido fora do PT que tenha a possibilidade de dar uma contribuição maior para o futuro do Brasil. Pessoas do PT cometeram ilegalidades? Sim. Qual o partido que não tem pessoas que cometeram ilegalidades? Aliás, partido, religião, empresa.

No PT, há dirigentes reclamando de sua movimentação.
Alguns companheiros fazem críticas às minhas posições, dizendo que a aliança com o PMDB no Estado está muito firme. Se está tão firme, por que eles estão tão preocupados? Mas está longe de mim qualquer possibilidade de concorrer a cargo público. Então, se tem alguém no Rio preocupado com a possibilidade de eu apresentar minha candidatura, pode esperar sentado. 


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