Ao NYT, Dilma compara impeachment à conspiração Romana e Cunha ao conspirador Catilina

Foto da presidenta que estampa reportagem do New York Times - Foto: Reprodução
Foto da presidenta que estampa reportagem do New York Times – Foto: Reprodução

“A primeira vez que as luzes se apagaram em seu palácio presidencial, Dilma Rousseff fez uma careta. Na vez seguinte, ela revirou os olhos. Na terceira vez, ela saltou da cadeira exigindo que os subordinados descobrissem o que estava acontecendo. ‘Esta foi a minha área’, disse ela lembrando que o setor elétrico foi uma prioridade de seu governo antes que ela fosse suspensa no mês passado. ‘Eu não sei por que isso está acontecendo.’”

É assim que começa uma reportagem publicada nesta terça-feira (7) pelo jornal americano The New York Times, que visitou o Palácio do Alvorada e entrevistou a presidenta afastada. Nela, Dilma compara os adversários a “parasitas”, se diz surpresa com o conservadorismo do governo interino de Michel Temer e compara Eduardo Cunha a Catilina, senador que conspirou para derrubar a República romana no século I aC.

Leia os principais trechos da reportagem:

Despojada de sua autoridade, a sensação de impotência e indignação permeia o Palácio da Alvorada, a residência onde é permitido a ela ficar enquanto luta para não acabar expulsa de uma vez pelo Senado.

Não era para ser assim. O Brasil estava esperando para celebrar seus triunfos na preparação para os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro. Rousseff, primeira mulher presidente do Brasil, deveria estar se preparando para saudar os líderes mundiais, não suportando a humilhação de uma batalha contra o impeachment.

“Estes parasitas.” Foi como ela chamou seus rivais, muitos dos quais estão enfrentando seus próprios escândalos. Por enquanto, ela ainda está cercada pelas armadilhas de luxo no palácio projetado por Oscar Niemeyer: o batalhão de funcionários que servem pequenas xícaras de café, a piscina aquecida em um jardim bem cuidado, as obras modernistas de Emiliano Di Cavalcanti e Alfredo Volpi penduradas nas paredes.

O governo interino liderado por Michel Temer, o vice-presidente que assumiu o País no mês passado depois de romper com Dilma, sofreu uma série de erros embaraçosos em pouco tempo. Primeiro, um dos principais aliados de Temer deixou o cargo de ministro do Planejamento depois que uma gravação secreta surgiu no mês passado. Em seguida, o novo ministro da Transparência renunciou após outra gravação mostrar que ele também tinha tentado frustrar a investigação na Petrobras.

“É um governo provisório dos homens brancos ricos”, comparou Dilma, que se descreve como esquerdista, ex-agente em um grupo de guerrilha urbana em sua juventude. “Eu nunca pensei que iria ver no Brasil um governo tão conservador quanto este.”

Temer, 75, é um advogado que fala um Português arcaico que decidiu não nomear mulheres ou afro-brasileiros para o seu gabinete. Suas escolhas receberam críticas fulminantes em um país onde mais de metade das pessoas se definem como negros ou pardos e onde as mulheres têm destaque nos corredores do Congresso, da Suprema Corte e das grandes corporações.

Dilma e seus aliados esperam que os recentes golpes de legitimidade envolvendo Temer possam inclinar a votação do impeachment a seu favor. Ela destacou que tudo o que ela precisa é de um punhado de senadores para ser reintegrada como presidente.

Dilma continua sendo uma figura rara entre as principais figuras políticas por não ter sido acusada de corrupção. Em vez disso, ela enfrenta acusações de manipulação do orçamento, a fim de esconder as profundezas de problemas econômicos do Brasil.

Mas um ex-executivo da Petrobras também afirmou em delação premiada que Dilma mentiu sobre seu conhecimento em negócios envolvendo uma refinaria quando ela era a presidente do conselho da Petrobras. Ela nega a acusação.

Potencialmente ainda mais prejudicial, a revista brasileira IstoÉ relata que um magnata da construção testemunhou Dilma negociando uma doação ilegal de US$ 3,5 milhões para a sua campanha eleitoral de 2014.

“Eles sempre quiseram que eu renunciasse, mas eu não vou”, disse ela, argumentando que seus rivais estavam realizando um golpe de Estado, embora com selo de aprovação da Suprema Corte. “Eu realmente perturbo os parasitas e eu vou continuar a perturbá-los.”

Enquanto isso, Dilma expressa irritabilidade sobre a recente agitação política na jovem democracia estabelecida em 1985 no Brasil depois de uma longa ditadura militar. “Este é um ponto de virada”, disse ela sobre a ruptura com a ascensão de Temer. “Um pacto que existia se quebrou.”

Sobre as críticas de que suas políticas lançaram as bases para a crise econômica do Brasil, ela argumentou que a economia já estaria se recuperando e os líderes do Congresso é que haviam contrariado medidas destinadas a restaurar a confiança.

Ao mesmo tempo, disse que conta como mudou sua rotina, montando sua bicicleta de manhã e lendo à noite, quando devora cada edição digital do The New York Review of Books. Ultimamente, ela tem lido “SPQR: Uma História de Roma Antiga,” pelo erudito clássico Inglês Mary Beard.

A presidenta disse que encontrou alguma perplexidade no investigadores que compararam Eduardo Cunha, que liderou a campanha de impeachment, com o orador da Casa Menor, antes Catilina, o senador que conspirou para derrubar a República romana no século I aC.

Dilma contava como Cícero, o orador e constitucionalista, denunciou Catilina em uma série de discursos perante o Senado. Sorrindo, lembrou de suas aulas de latim: “Quam diu etiam furor iste tuus eludet?”

A frase repetia um dos discursos de Cícero: “Quanto tempo a loucura de vocês ainda vai nos insultar?”


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