Foi de repente. Nove dias separaram a divulgação da última pesquisa de avaliação presidencial e o vazamento da delação premiada do senador Delcídio do Amaral citando Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva. Naquele 24 de fevereiro, pesquisa CNT mostrava inédita melhora na avaliação do governo: 11,4% o aprovavam, contra 8,8% dos entrevistados em outubro de 2015. O apoio ao impeachment também declinava. Era de 55,6% ante 62,8% na pesquisa anterior.
A vitória do governo no Supremo Tribunal Federal – que deu ao Senado a palavra final sobre o impeachment – e a deterioração de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) logo após o recesso deram a sobrevida ao governo. Ninguém imaginava que, em meio à calmaria, a capa da revista IstoÉ estampando a suposta delação de Delcídio caísse como uma bomba em Brasília.
O País ainda discutia o conteúdo da reportagem quando, no dia seguinte, uma viatura da Polícia Federal estacionou em frente ao prédio de Lula, no ABC Paulista, e o levou à força para depor no aeroporto de Guarulhos, onde, suspeita-se, um avião aguardava para levá-lo a Curitiba, onde a Operação Lava Jato é julgada.
Já havia semanas que o alvo preferencial da operação havia se deslocado de Cunha, com US$ 5 milhões de dólares em contas na Suíça, para Lula e a suposta ocultação de dois imóveis: um sítio em Atibaia e um tríplex no Guarujá. Era essa a principal razão para a ação coercitiva, repudiada por muitos juristas. “Houve um consenso na comunidade jurídica de que a condução coercitiva era completamente desnecessária e foi um abuso”, lembra o filósofo Pablo Ortellado, que estuda as manifestações no Brasil. “Isso fortaleceu o ex-presidente Lula, embora o tenha colocado de maneira muito clara como alvo.”
A confirmação veio na semana seguinte, dia 10 de março. O Ministério Público de São Paulo decidiu assumir de vez a investigação paralela da Lava Jato e, à revelia do Ministério Público Federal de Curitiba, onde o juiz Sérgio Moro dá as cartas, pediu à Justiça a prisão preventiva do petista, decisão que gerou contestações de juristas, promotores, procuradores e até da oposição.
Mas por que Lula virou o alvo? Se por um lado o Congresso enfraquece o governo esvaziando sua base de apoio, por outro a Lava Jato deslegitima o maior expoente do PT, obrigando a renúncia de Dilma. “Com o Lula preso ou deslegitimado, Dilma não tem força política para se manter no governo”, acredita o filósofo.
O pedido de prisão se deu dias após o governo oferecer um cargo de ministro a Lula, o que lhe daria imunidade. “Seria um grande equivoco assumir um ministério”, opina Antonio Augusto de Queiroz, cientista político do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar. “Um ex-presidente da República se associando ao governo Dilma pode gerar duas consequências: a primeira é que seria como se Dilma fosse uma mera coadjuvante no governo, quem iria tocar era Lula, seria uma forma de esvaziar o poder da presidente e transferir para um de seus ministros. A segunda é que, se o governo não se recuperar, a candidatura do Lula estaria definitivamente enterrada.”
Em outra frente, o Senado aprovava sem alarde a criação de uma comissão especial para debater um sistema semelhante ao parlamentarismo como justificativa para “a crise que paralisa o País”. Ideia de José Serra (PSDB), que convenceu o presidente Renan Calheiros a abraçar. No modelo alegadamente inspirado em Portugal e França, um semipresidencialismo daria ao primeiro-ministro a gestão de gabinete e ao presidente poderes maiores que o do parlamentarismo puro.
Tudo na mesma semana em que o STF divulgou sua decisão sobre o rito do impeachment. Cunha prevê votar o impedimento da presidenta em até 45 dias, duas semanas antes de o PMDB decidir se abandona oficialmente o PT, como fez o PSB há duas semanas.
De repente desacreditada, a manifestação pelo impeachment chega revigorada depois de duas semanas de conspiração televisionada, e editada, como um reality show. Para Esther Solano, socióloga e pesquisadora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), foi “uma falta de responsabilidade do MP ter feito isso três dias antes da manifestação”. “Como Ministério Público, juiz ou promotor, você tem que assumir uma responsabilidade e não ficar inflamando os ânimos. Nós podemos viver um drama neste domingo. Me preocupo com a falta de bom senso e responsabilidade.”
Para Ortellado, ao mesmo tempo em que a ação do MP inflamou os opositores do governo, engrossando a manifestação, seus exageros podem ter dado munição ao governo e ao PT para deslegitimar toda a Operação Lava Jato. “O governo e os setores que o defendem vão usar isso para deslegitimá-la. Vão dizer que é uma perseguição política, que as acusações contra a presidente são tecnicamente fracas, politicamente motivadas, a partir desse caso envolvendo o MP de São Paulo, que é uma instituição diferente do Ministério Público Federal.”
Para Augusto de Queiroz, a oposição aposta todas as suas fichas nas manifestações de hoje. É o que indica a resposta do senador Romero Jucá (PMDB-RR) sobre a iminente decisão de seu partido de desembarcar do governo: “Vamos estar atentos às manifestações. Muitos peemedebistas estarão participando nos seus Estados. Amanhã [hoje] é um dia importante de cidadania. Não haverá mudança no Brasil sem a participação popular.”
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