Imprensa e Judiciário: aliados a serviço de interesses antipopulares. Foi assim no período que antecedeu o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, no golpe civil-militar de 1964 e agora no golpe em curso contra a presidenta Dilma Rousseff. É o que defende Marcio Sotelo Felippe, ex-procurador-geral do Estado de São Paulo e membro da Comissão da Verdade da OAB Federal. “Sempre que temos governos com alguma inspiração popular, longe de serem revolucionários, mas implantando medidas voltadas para a defesa do País e voltadas para os trabalhadores, a nossa oligarquia predatória mobiliza seus instrumentos golpistas”, diz Felippe.
Em meio à Operação Lava Jato e escândalos de corrupção que dominam o noticiário diariamente, o Fellipe alerta para os perigos da chamada espetacularização do Judiciário: “Ela fere direitos e garantias fundamentais. O espetáculo precisa disso para funcionar, sua matéria-prima são os direitos dos acusados, é preciso violá-los para que a coisa funcione e atinja seus objetivos políticos”. Leia a entrevista completa abaixo:
Revista Brasileiros – Como o senhor avalia a relação da mídia com o Judiciário?
Marcio Sotelo Fellipe – Uma análise do golpe em curso, travestido de impeachment, mostra Judiciário e mídia na mesma dinâmica de dominação de classe. Sempre que temos governos com alguma inspiração popular, longe de serem revolucionários, mas implantando medidas voltadas para a defesa do País e voltadas para os trabalhadores, a nossa oligarquia predatória mobiliza seus instrumentos golpistas. A imprensa foi parte do golpe em 64, da tentativa de golpe frustrada pelo suicídio de Getúlio em 54 e agora, em 2016, de forma abjeta. A relação, enfim, é que ambos estão a serviço de interesses antipopulares, o Judiciário não cumpre seu papel de garantidor de direitos e a imprensa não cumpre seu papel de informar com um mínimo de objetividade. A lógica disso é a dominação de classe.
Quais os riscos da espetacularização do Judiciário?
A espetacularização do Judiciário fere direitos e garantias fundamentais. O espetáculo precisa disso para funcionar, sua matéria-prima são os direitos dos acusados, é preciso violá-los para que a coisa funcione e atinja seus objetivos políticos. E aí vê-se a deformação do Judiciário, cuja função primária e básica é a de garante de direitos, mas que se transforma, nesse momento, no primeiro violador de direitos. O julgamento do mensalão e a lava-jato são tristes exemplos disto. Como notou o juiz e professor Rubens Casara, a espetacularização embute um discurso construído para agradar às maiorias de ocasião – às custas do Estado democrático de direito e da dignidade das pessoas.
Com diversos veículos midiáticos a postos, Lula foi levado coercitivamente para depor à PF. Já Fernando Henrique depôs no começo deste mês e ninguém noticiou o caso. O senhor percebe uma diferença entre a cobertura jornalística que é feita nos casos de corrupção do PT e do PSDB?
Esse episódio beirou a loucura política. Mas havia método nessa loucura. A condução coercitiva de Lula tinha um efeito simbólico. Ainda que seu governo não tenha sido propriamente um governo de ruptura, havia uma mensagem nessa condução coercitiva: neste País mandamos nós, Fiesp, latifúndio, a Globo, Civitas, etc. Um vez torneiro-mecânico, sempre torneiro-mecânico. E, claro, era um espetáculo a serviço do golpe, criando clima político para o que estamos vivendo agora, a ruptura da ordem democrática. Com FHC é diferente. Quem está realmente interessado em corrupção? Toda a, digamos, “cúpula” do golpe é corrupta. É a velha estratégia de 54, de 64 se repetindo. Ganhar a estulta classe média brasileira e jogá-la contra a esquerda com o discurso da corrupção. Mas a corrupção deles está a coberto pela estrutura de poder do País, pela mídia e pelo Judiciário. E FHC depõe aristrocraticamente na Polícia Federal. O Estado são eles. O poder é deles.
Qual o impacto disso na formação da opinião pública?
É imenso. Vimos isso nas manifestações pró-impeachment. Centenas de milhares de pessoas saindo às ruas com a camisa (oh vergonha alheia!) amarela de uma das entidades mais corruptas do País. A classe média paulista enchendo a avenida Paulista, a mesma que por décadas votou em Maluf, manipulada pelos órgãos de comunicação de massa, manipulada pelo fenomenal poder da Globo. É verdade que também pesou o incômodo dessa classe média com o aumento do poder de consumo dos debaixo, ameaçando o que ela pensa ser sua superioridade e seus privilégios. Mas isto não seria suficiente para levar as massas à rua. Foi preciso a campanha sórdida de criminalização da esquerda, simbolizada no PT, para ganhar a parca consciência dessa classe média reacionária, confusa e ignorante.
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